PF apura se dinheiro de tráfico de militares na FAB bancou até swing
Provas integram investigações feitas no âmbito da Operação Quinta Coluna, deflagrada em 2 de fevereiro
atualizado
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A Polícia Federal busca percorrer o caminho do dinheiro fruto de esquema de tráfico internacional de drogas, com uso de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), para identificar todos os envolvidos. Elementos que integram investigações feitas no âmbito da Operação Quinta Coluna, deflagrada em 2 de fevereiro, apontam que a vida financeira do sargento da FAB Manoel Silva Rodrigues, preso em 2019 quando levava cocaína para a Espanha, era repleta de altos e baixos.
Diálogos entre ele e a mulher, Wikelaine Nonato Rodrigues, mostram que o casal constantemente discutia devido à falta de dinheiro ou por discordar sobre como os recursos eram empregados. Antes de viagens realizadas ao exterior, eles teriam, entretanto, recebido quantias em espécie, o que mudou a rotina da dupla.
Os investigadores recuperaram uma conversa registrada em 18 de abril de 2019, antes da viagem do militar para Madri, capital espanhola. A mulher pergunta a Manoel se eles podem sair à noite para uma “baladinha”, caso o homem consiga receber R$ 1,5 mil. O sargento fala que sim e que eles podem utilizar o dinheiro guardado na casa. Wikelaine não concorda e diz que a quantia seria para pagar contas.
Nesse momento, os policiais acreditam que o casal conseguiu algum dinheiro que alterou circunstancialmente a condição financeira da família. Os investigadores também apontam para o fato de a dupla guardar dinheiro em casa. Para a PF, os recursos seriam uma espécie de “adiantamento” pelo transporte de entorpecente que ocorreria em alguns dias.
Veja a transcrição do diálogo:
[Wikelaine]: Amor, se pegar os 1.500 vamos sair um pouco? Numa baladinha????
[Manoel]: Claro que vamos… Por mim iríamos com esse dinheiro aí. Topa?
[Wikelaine]: Vamos ver se ele vai dar os 1.500. Fica melhor que a gente não mexe nesse que tem aqui, porque é de pagar as contas.
[Manoel]: Hoje não tem expediente… Ele com certeza não falará com o cara hoje
[Wikelaine]: Você mandou mensagem?
[Manoel]: Ele falou que me manda quando pegar. Falou para esperar
[Wikelaine]: Ah, espera então. Você chega que horas aqui?
[Manoel]: Vamos na (o militar cita uma famosa casa de swing do DF) hoje ou sexta? Sexta não é dia santo?
[Wikelaine]: Até meia-noite
[Manoel]: Qualquer coisa vamos no sábado. Vê a programação da (casa de swing) aí, vida.
A mulher envia a foto de um panfleto com a programação do estabelecimento, e o sargento responde:
[Manoel]: Bora. Sexta nós vamos.
[Wikelaine]: Depois da missa.
Preocupação em serem seguidos
O “ele” citado na conversa, segundo a PF, seria o também militar da FAB Jorge Luiz da Cruz Silva. Segundo as diligências, Silva tinha a função de recrutar “mulas” para transportar o entorpecente.
Antes da prisão, o casal chegou a desconfiar que estava sendo seguido por policiais. Em 24 de abril, a mulher enviou mensagem a Manoel dizendo que foi à academia e que tinha suspeita de estar sendo observada por um casal de policiais.
O militar sugere que a esposa tire uma foto do veículo para checar a placa e questiona se era a Polícia Civil ou a Militar. Depois, Manoel fala para a mulher “ficar de olho”.
O diálogo, segundo as apurações, evidencia a preocupação do casal em estar sendo seguido pela polícia. Os investigadores acreditam que, nessa época, Manoel e Wikelaine já estavam realizando as tratativas para o tráfico internacional de entorpecentes, envolvimento que viria a ser escancarado com a prisão de Manoel em Sevilha, na Espanha.
Eles chegam a trocar mensagens de voz. Manoel tenta tranquilizar a companheira dizendo que “não é nada, não”. Logo depois, alerta para que ela não fale sobre o seu trabalho por meio de mensagens.
Reforma
Os policiais federais descobriram que o casal fez uma reforma no valor de R$ 26 mil no apartamento em que moravam. Testemunhas também apontam para gastos excessivos da dupla.
Antes de ser preso, Manoel Silva Rodrigues comprou uma motocicleta de R$ 32 mil (galeria abaixo e foto em destaque), com pagamento em espécie. A mulher passou a efetuar diversos depósitos com poucas quantidades em dinheiro.
Dados colhidos no celular de Wikelaine mostram que ela e Jorge Luiz da Cruz Silva sabiam da atividade ilícita e participaram auxiliando Manoel Rodrigues. Silva estava lotado no gabinete do vice-governador do DF, Paco Britto, e foi exonerado após a operação da PF.
Há informações de que Manoel Rodrigues adquiriu um celular apenas para falar com os traficantes. O aparelho teria sido ocultado pela esposa após a prisão dele na Espanha.
As investigações apontam, ainda, que Jorge Luiz da Cruz Silva tinha a função de recrutar “mulas”, militares da FAB, para o transporte de substâncias ilícitas. Provas colhidas pela Polícia Federal revelam que ele tinha contato com Manoel Rodrigues por meio de mensagens de celular. Os textos enviados por Silva sempre continham a expressão “Oi, Amor” no início.
Os dois se encontraram em 29 de abril e 24 de junho, antes das viagens realizadas por Rodrigues no avião da FAB. Jorge Silva trocou o celular após a prisão do sargento.
Outros alvos
Outro foco da Operação Quinta Coluna é Marcos Daniel Penna Borja Rodrigues Gama, morador do Lago Sul e conhecido como “Chico Bomba”. A casa dele, avaliada em R$ 4 milhões, foi alvo de sequestro judicial. Gama é suspeito de ser um dos donos do entorpecente transportado pelo militar.
Marcos Gama mantém negócios que, de acordo com a Polícia Federal, serviriam para lavagem de dinheiro. Ele é sócio da Premier Academia Ltda., localizada na Asa Sul; da Belix Incorporações, na Asa Norte; e da PCL Serviços Administrativos, em Santa Catarina. As empresas também foram alvo da PF durante a operação.
Além das empresas, Gama tem imóveis de alto padrão. Segundo informações da Receita Federal do Brasil, há duas propriedades milionárias no nome dele: uma avaliada em R$ 1,6 milhão e outra estimada em R$ 2,3 milhões.
O investigado comprou um veículo Mitsubishi ASX por R$ 101,5 mil e obteve acréscimo patrimonial de R$ 3,3 milhões sem comprovação da origem dos rendimentos. De acordo com as apurações, a aquisição dos imóveis foi realizada mediante a participação de familiares de Gama – como pai, ex-esposa e filha.
Depoimentos colhidos pela PF detalham que o pagamento dos bens adquiridos era feito sempre em espécie. Para os investigadores, as transações financeiras apontam forte indício de lavagem de dinheiro, em que pessoas próximas dos suspeitos são utilizadas para receber recursos de origem ilícita, sem prestarem contas ao Fisco.
Gama ainda tem passagem na polícia por outros delitos, como posse ilegal de arma de fogo, receptação e estupro.
Veja imagens da casa e das empresas de Marcos Gama:
Ligações perigosas
Os policiais verificaram que Marcos Gama tem histórico de constantes viagens ao exterior. Ele, inclusive, realizou o mesmo itinerário em voos para a Europa com o traficante Michelle Tocci, conhecido como “Barão do Ecstasy”, conforme revelou o Metrópoles.
Morador do condomínio Brisas do Lago, no DF, Tocci também é suspeito de ser proprietário da cocaína transportada pelo militar da FAB. O “Barão do Ecstasy” foi alvo de buscas realizadas pela PF.
Filho de um ex-diplomata italiano, Tocci já foi preso, acusado de liderar uma quadrilha internacional de traficantes que levava cocaína para Amsterdã, na Holanda, e trazia ecstasy, haxixe e skunk para Brasília.
A Operação Quinta Coluna mirou, ainda, Augusto Cesar de Almeida Lawall, que, do mesmo modo, seria um dos proprietários do entorpecente apreendido na aeronave militar.
Segundo o inquérito policial, a relação entre os traficantes e os militares da FAB teve início quando Lawall apresentou um homem, morador do Paranoá, a Marcos Gama. Essa pessoa, que não foi identificada nas investigações, tinha contato com militar da FAB responsável pela logística e pelo aliciamento de “mulas”, que fariam o transporte da droga.
Outro lado
A FAB se manifestou sobre a operação. Confira a nota na íntegra:
“O Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado no âmbito do Comando da Aeronáutica para apurar o caso do sargento detido no aeroporto de Sevilha, Espanha, em 25 de junho de 2019, foi concluído dentro do prazo. Os autos foram encaminhados para a Auditoria Militar competente, que enviou para o Ministério Público Militar, a quem coube oferecer a denúncia, estando a ação penal em curso, conforme determina o Código Processo Penal Militar.
A Força Aérea Brasileira e a Polícia Federal atuaram conjuntamente desde o início das investigações e, na data de hoje [2/2], militares apoiaram o cumprimento de diligências necessárias ao prosseguimento da investigação de crimes de competência daquela força policial.
A FAB atua firmemente para coibir irregularidades e reitera que repudia condutas que não representam os valores, a dedicação e o trabalho do efetivo em prol do cumprimento de sua missão institucional.”
Os advogados de Michele Tocci informaram, por meio de nota, que, em relação ao “episódio de transporte de droga na aeronave oficial da Força Aérea Brasileira, há – especificamente quanto a Michele Tocci – clara tentativa de resgatar para hoje, sem fatos novos, a mesmíssima suspeita de mais de 15 anos atrás. Noutros dizeres, suspeita fundada em notícias e registros policiais da época que foram categoricamente recusados pelo Poder Judiciário. De fato, a análise do inquérito policial permite à defesa ponderar que não há lastro probatório idôneo que vincule Michele Tocci a quaisquer condutas atribuídas a agentes da Força Aérea Brasileira.”
A defesa de Tocci prossegue: “Durante mais de um ano e meio de investigação, em que plurais oficiais da Força Aérea tiveram até mesmo os deslocamentos de seus carros minuciosamente analisados, não se alcançou sequer um encontro com Michele Tocci ou por ele intermediado. Mais do que isso, não se alcançou qualquer registro de ligação telefônica ou por aplicativos, nenhum tipo de contato, tampouco qualquer movimentação financeira entre agentes da Força Aérea Brasileira e Michele Tocci. É por isso que a investigação, ela mesma, se limita a sugerir que existe – e isso jamais foi negado – vínculos pessoais de amizade há mais de 20 anos entre Michele, Augusto e Marcos, o que, a toda evidência, não traz consigo qualquer predicado de suspeita. A realização de viagens juntos ao exterior – por si só – nada diz, sobretudo quando nelas não são identificados quaisquer atos de apoio à traficância”.
O Metrópoles tentou contato com os investigados, as empresas citadas e as respectivas defesas. O espaço segue aberto.