Perfis na internet anunciam carcarás, pítons e até gaviões. PCDF investiga
No Distrito Federal, somente entre janeiro e julho deste ano, 1.408 animais silvestres foram apreendidos pelo Batalhão Ambiental
atualizado
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Após o estudante de medicina veterinária Pedro Krambeck, 22 anos, ser picado por uma cobra da espécie Naja kaouthia no Distrito Federal, a Polícia Civil e o Ministério Público passaram a receber denúncias de perfis nas redes sociais que anunciam venda e troca clandestinas de animais exóticos.
No Facebook, por exemplo, há um grupo público chamado Animais Exóticos em Brasília.
A página tem diversas publicações para a comercialização de gaviões, carcarás, sagui, ouriço pigmeu africano ou hedgehog, cobras de diferentes espécies (foto em destaque), entre outros.
Ao tomar conhecimento do fato, a Delegacia de Combate à Ocupação Irregular do Solo e aos Crimes contra a Ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema), e a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema), informaram que vão abrir procedimento para investigar o conteúdo.
O acidente com Pedro havia desencadeado uma investigação sobre o esquema de tráfico nacional e internacional de animais exóticos e silvestres na PCDF.
Depois da repercussão do caso, também foram localizados um tubarão-lixa, outras serpentes, duas cobras Pítons, um teiú e uma moreia em cativeiro clandestino numa chácara de Vicente Pires.
Negociação clandestina
O perfil Animais Exóticos em Brasília conta com 2,1 mil membros, foi criado em maio de 2018 e é publico, visível para qualquer pessoa. Na página, a maioria das publicações tem intenção de compra e venda de bichos.
Há, por exemplo, anúncio de cobra corn snake sendo vendida por R$ 500. Também há ovos de bicho-pau australiano por R$ 20 a unidade. Um casal Marreco Roun a R$ 100 e uma Sagui fêmea foi anunciada por R$ 800. O post diz que o animal é “manso e legalizado”.
Em outra postagem, um internauta pede dicas sobre como cuidar de uma aranha que apareceu em seu jardim. Uma outra pessoa pergunta se alguém tem periquito-inglês. Há, ainda, gente com interesse em ouriço de pigmeu africano.
Veja alguns exemplos de publicações encontradas na página:
A reportagem entrou em contato com o administrador e moderador do grupo, o aposentado Rômulo Braga, 68 anos. Ele confirmou administrar e ressaltou que incentiva sempre a legalidade.
“No caso dos animais exóticos, as minhas postagens são incentivo à criação legal. Tenho o maior cuidado com esse tema. Agora, não posso responder pela individualidade dos outros. Todos são maiores, vacinados e aptos a responder pelos seus atos civil e criminalmente. Nem eu nem ninguém faz apologia à criação ilegal de animais” defendeu.
Rômulo ainda opinou que Brasília tem mais cobras criadas como pets do que se possa imaginar. “No meu caso específico, o que tenho são cães, galinhas, gansos, marrecos e bromélias”, comentou.
Mercado bilionário
Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), por ano, 38 milhões de espécimes da fauna brasileira são retirados da natureza ilegalmente. Calcula-se que o tráfico movimente entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões por ano
Desses, 82% são aves, preferidas devido à beleza da plumagem e do canto. Os animais vêm das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste para o Rio de Janeiro e São Paulo, de onde são exportados para a Europa e os Estados Unidos. Uma arara pode chegar a US$ 20 mil (R$ 46 mil).
No DF, somente entre janeiro e julho deste ano, 1.408 animais silvestres foram resgatados. No mesmo período de 2019, o número foi de 1.463, de acordo com dados do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA).
Atividade lucrativa
Ana Paula de Vasconcelos, ativista e membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal (OAB-DF), disse que o tráfico de animais é a terceira atividade clandestina mais lucrativa do mundo, ficando atrás do tráfico de drogas e armas.
“A pessoa que cria um animal dessas espécies está colocando a própria vida em risco. Esse é um comércio altamente rentável e só perde para armas e drogas. Precisamos de mudanças urgentes na legislação e essa prática precisa ser combatida. É muito cruel”.
A promotora da Prodema Luciana Bertini Leitão disse que, para a defesa desses animais, na esfera administrativa, a promotoria costuma instaurar inquérito civil público, notícia de fato ou processo administrativo, de forma que possa apurar os possíveis responsáveis por ilícitos civis ou irregularidades. O canal para denúncias do MPDFT é o 127.
Regras
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que seja em residências ou em criadouros habilitados, quem tem interesse em manter animal silvestre precisa seguir regras específicas.
“Cobras peçonhentas, como a Naja encontrada no Distrito Federal após picar um estudante, somente podem ser mantidas em locais habilitados, como centros de pesquisa ou para fins comerciais da indústria farmacêutica, que produz remédios à base do veneno. Importar serpentes de espécies desconhecidas no país, além de ser considerado crime de tráfico de animais silvestres, implica no perigo de pessoas serem picadas e não haver soro antiofídico capaz de salvá-las.”
Segundo o Ibama, nos últimos dias, mais de 30 serpentes foram resgatadas em ações conjuntas com a polícia no DF. Algumas delas exóticas, oriundas da África e Ásia.
Para manter cobras em residência, elas deverão ser adquiridas em locais autorizados pelo órgão ambiental estadual e oriundas de criadouros legais, além de serem espécies não venenosas. É preciso também apresentar um protocolo que garanta a segurança no manuseio dos animais e a adoção de medidas para manter um ambiente adaptado.
Conscientização
Quem mantém animais silvestres sem permissão e os tenha adquirido de forma clandestina, pode entregá-lo espontaneamente ao Ibama mais próximo e, conforme a legislação, não ser responsabilizado.
Se alguém suspeitar de venda, criação, reprodução de animais silvestres de maneira ilegal, pode ajudar os órgãos de fiscalização a combater as práticas. O Ibama recebe denúncias pelo canal Linha Verde, no telefone 0800-618080.