Peixe do Paranoá paga até faculdade de Medicina
Os pescadores saem todos os dias com suas redes. Pegam até 35 quilos de pescado por dia. Ao final do mês, dependendo do vento, ganham até R$ 4 mil
atualizado
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Por trás de toda a polêmica sobre a qualidade dos pescados estão alguns resistentes homens. Conhecedores de cada centímetro do Lago Paranoá, eles driblam o preconceito e constroem suas histórias. Um deles é o cearense José Eron de Almeida, 49 anos. Conhecido pelos parceiros de profissão devido à captura de três carpas gigantes – uma delas com 32 quilos e 1,27 metro –, ele dita o próprio ritmo de trabalho.
Ao anoitecer, sua canoa logo se encontra com outras embarcações movidas a pequenos motores que surgem como pontos de luz brilhantes no Lago Paranoá. Equipados com tarrafas e lanternas, miúdos desbravadores, tal e qual Almeida, varam a madrugada à procura de peixes para abastecer a mesa do brasiliense.No dia 3 de agosto, o Metrópoles acompanhou o expediente do pescador (confira o vídeo). Já não havia sinal do sol quando ele partiu pelas águas do lago em busca das tilápias, uma das espécies mais populares no oásis candango. O ponto de partida é bem próximo da Vila Telebrasília. A iluminação dos monumentos da Capital Federal, então praticamente adormecida, servia de farol para a jornada.
Condizente com o clima desértico dessa época do ano, o vento frio noturno ajudava a conduzir o barco. Enquanto o motor cortava a escuridão, a cidade ia, aos poucos, mostrando sua beleza banhada à luz do luar. Acompanhado de perto por olhares atentos de algumas capivaras, o percurso revelava aos viajantes de primeira viagem um cenário fascinante.
Já acostumado à paisagem, José Eron mantinha-se natural: depois de quase 30 anos na labuta, não se impressiona mais com os detalhes plásticos da travessia. Mas, mesmo assim, ele aponta algumas das vantagens de seu ofício: “Vejo shows e queimas de fogos de artifício de camarote”.
A jornada de trabalho é incerta. Em uma ida ao lago, o pescador pode conseguir fisgar a quantidade almejada para a viagem. Mas nem sempre é assim. Aquela aventura era apenas a primeira que ele iria enfrentar ao longo da madrugada.
De estatura média e corpo magro, o pescador surpreende ao jogar exaustivamente a tarrafa na água –o tamanho de seus braços não condiz com a imensa força empregada no serviço. Ao puxar a rede de volta para o barco, surgem ali os pequenos responsáveis pelo sustento da família de Eron em quase três décadas. Foi com a venda de peixes do lago que ajudou a colocar a filha mais velha na faculdade de Medicina. Aluna da Universidade Católica de Brasília, a estudante conta com uma bolsa parcial do governo – o restante da mensalidade é pago com a venda dos pescados.
Na água todos os dias
Eron não está sozinho. Todos os dias, entre cinco e sete pescadores se juntam ao lado da Vila Telebrasília. A maioria moradores do local. A rotina não é fácil. O grupo entra e sai do Lago Paranoá várias vezes. Muitos deixam a rede e voltam para a margem. Voltam e recolhem a rede. O vaivém começa por volta das 18h30 e vai até o raiar do dia. Todo o pescado é limpo e vendido ali mesmo, por volta das 7h.
Revendedores, donos de bares ou pessoas que já se acostumaram a comer o peixe ficam ali esperando. Em média, são 35 quilos de pescado vendidos diariamente. As unidades maiores de cará saem até por R$ 30. Já o anel de carazinho (vários peixes pequenos unidos num só arame), sai a R$ 10. No final do mês, a atividade rende R$ 2 mil (normalmente), mas pode chegar a R$ 4 mil. Mas isso só quando os ventos estão favoráveis.
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