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Pedras instaladas sob viaduto do DF espantam moradores de rua

Instituto No Setor denuncia arquitetura hostil. Em quadra comercial da Asa Norte, moradores de rua foram molhados para não se instalarem

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Viaduto Candangolândia 4
1 de 1 Viaduto Candangolândia 4 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

No Distrito Federal, assim como em São Paulo, também há iniciativas para impedir a permanência de moradores em situação de rua em determinados espaços públicos.

Conforme representantes do Instituto No Setor denunciaram ao Metrópoles, há anos pedras foram instaladas e ocupam praticamente toda a área verde sob um viaduto localizado na Candangolândia (foto em destaque), evitando, assim, que cidadãos em situação de rua se abriguem no espaço. Na comercial da Quadra 103 Norte, ainda segundo o instituto, pessoas sem-teto foram molhadas para que não durmam no local.

O No Setor é uma plataforma de transformação do centro de Brasília por meio da ocupação e da ressignificação do espaço público. A entidade agrega ex-moradores de rua, como o ativista social Rogério Barba, e voluntários, como o psicólogo Diego Rodrigues. A dupla registrou em vídeos os flagrantes da chamada “arquitetura hostil” na Candangolândia e na Asa Norte.

Assista:

Também psicóloga da instituição, Theresa Borges de Miranda, expôs que os moradores de rua do Setor Comercial Sul (SCS) estão passando por um momento de muita tensão no local.

“As pessoas estão entendendo que precisam revitalizar o espaço e querem tirar a população de rua de lá. Após uma ação que ocorreu em setembro e recolheram os pertences deles, sempre há iniciativas para intimidar e para fazê-los sair da localidade. Muitos têm relação passiva com os policiais, outros não. Recebemos relatos de sirenes ligadas durante a madrugada para que eles não consigam dormir, entre outras repressões”, lamentou.

Há cerca de duas semanas, em um desses episódios, segundo Theresa, o colega psicólogo que trabalha com ela levou dois desses moradores do SCS para dormir na quadra da Asa Norte. “Quando eles foram se abrigar para dormir, em certo momento, ligaram a água da mangueira e os dois ficaram encharcados. Os pertences também acabaram molhados”, lamentou.

Na opinião de Theresa, a situação representa hostilidade. “Já não tem mais espaço para eles ficarem. Em lugar algum eles são desejados. Ao invés de as pessoas aprenderem a conviver com isso, criar novas formas e lutar por uma sociedade mais justa, na verdade, querem expulsá-los de onde estão. A nossa proposta é tentar trabalhar e promover mudanças por meio da convivência”, defendeu.

Debate

A arquitetura hostil voltou ao debate no Brasil nas últimas semanas. No dia 2 de fevereiro, as redes sociais foram tomadas por imagens do padre Júlio Lancellotti, com uma marreta em mãos, destruindo blocos colocados embaixo de viadutos da cidade de São Paulo. A repercussão levou a própria prefeitura a retirar os paralelepípedos, e exonerar um funcionário apontado como responsável pela intervenção.

No viaduto da Candangolândia (veja galeria abaixo), as construções são mais antigas.  A reportagem foi ao local e encontrou pedras pontiagudas concretadas ao solo com o objetivo de inviabilizar a colocação de colchões ou a construção de barracas pelos sem-teto.

No local, há uma sequência de pequenos canos com cimento enfileirados, igualmente instalados para impedir a ocupação sob marquises.

Veja fotos do local:

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Coordenadora do Núcleo de Direito à Cidade do No Setor, Luisa Porfírio, disse entender que a hostilidade urbana sempre existiu.

“Em Brasília, por exemplo, a arquitetura sempre foi hostil. Sempre tivemos empecilhos para as pessoas ocuparem espaços públicos. Enxergo como uma perseguição de território. Como acompanhamos moradores vulneráveis diariamente no SCS, sabemos de todas essas problemáticas”, opinou.

Segundo Luisa, a questão é social. “É necessário lidar com a realidade. Ver quais são as demandas e como poderíamos potencializar espaços e a vida dessas pessoas. Todos são cidadãos. Entendemos que esse é um sistema perverso e com uma violência estrutural que abrange diversos níveis. É uma política higienista de espaço”, acrescentou.

“Com espaços mais agradáveis, como uma horta urbana, gera-se um cuidado e um carinho espontâneos. Eles não são alienados e compreendem a hostilidade. Entendem que estão sendo marginalizados. Agora, só queremos trazer mais visibilidade para esse público”, disse Luisa.

Horta comunitária

Na última quarta-feira (10/2), no entanto, a pedido da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) acabou com a horta comunitária localizada no SCS.

Confira: 

A horta foi idealizada pelo Coletivo Aroeira e instalada no local em 2018. O canteiro, localizado em frente ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da região, tem proposta terapêutica e comunitária.

Conforme explicado por Júlia Maciel, integrante do coletivo, o projeto visa que pessoas em situação de rua possam ter contato com a terra como forma de tratamento da saúde mental. Além disso, fornecia alimentação extra aos moradores de rua.

A Novacap justificou que a plantação não está dentro dos parâmetros de design e que contribui para a sensação de falta de segurança no Setor Comercial Sul.

Ações para população de rua

Devido à crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus, há a percepção de aumento no número de pessoas em situação de rua no SCS.

De acordo com o diretor-executivo do Instituto No Setor, Caio Dutra, mais de 200 pessoas vulneráveis foram cadastradas no Sistema de Informação dos Moradores (SIM), para que se pudesse entender as principais necessidades dessa população.

“Percebemos que a pandemia foi violenta com toda a sociedade, mas, as pessoas que já estavam em situação de vulnerabilidade, sofreram ainda mais. A partir dessas informações do SIM, estamos atendendo e oferecendo assistência emergencial aos que mais necessitam de ajuda. No entanto, acreditamos que não podemos ocupar o papel do Estado nessa assistência, em promover as condições básicas que eles mais precisam”, afirmou Caio Dutra.

Ainda segundo o diretor-executivo do No Setor, as ações do grupo visam fazer com que os indivíduos hoje nas ruas queiram sair dessa situação, a partir de rodas de conversas com psicólogos. “O nosso papel hoje, é pautado na defesa dos direitos. Nosso intuito é defender o investimento público no desenvolvimento social. Isso é a prevenção para que essas pessoas não cheguem em um estado ainda mais crítico”, resumiu Caio Dutra.

Outro lado

A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) informou não ter conhecimento sobre repressões no SCS. “Destacamos que a população em situação de rua na área central de Brasília é atendida regularmente pelo Serviço de Abordagem Social. São três equipes que atuam, diariamente, de 8h até 22h”, esclareceu.

Segundo a Sedes, também há servidores de plantão em horários estendidos, entrando pela madrugada, e aos finais de semana. Atualmente, a equipe da abordagem realiza o acompanhamento de 365 pessoas em situação de rua na área central de Brasília, e de 2.273 em todo o DF.

Conforme a pasta, alguns dos indivíduos instalados no Setor Comercial Sul frequentam o Centro de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP) na 903 Sul, que também funciona aos finais de semana.

“A Secretaria de Desenvolvimento Social oferece dois Centros POP, em Taguatinga e no Plano Piloto, onde são ofertados atendimentos individuais e coletivos, refeições (café da manhã, almoço e lanche), além de acesso a benefícios sociais e atividades de convívio e socialização”, destaca.

A pasta ressalta que o Centro POP não é um abrigo, mas ponto de apoio para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences, fazer higiene pessoal e providenciar documentação. Todos os 14 restaurantes comunitários fornecem, de graça, refeições para as pessoas cadastradas pelo serviço de abordagem.

A Sedes possui ainda 15 unidades de acolhimento para esse público, com mais de 300 vagas, e o Alojamento Provisório de Ceilândia, no Estádio Abadião, com 200 vagas de acolhimento. A pasta está finalizando o chamamento público para a oferta de mais 600 vagas para acolhimento institucional.

O Metrópoles procurou a Administração Regional da Candangolândia, para que se pronunciasse quanto as pedras sob o viaduto na cidade. Até a última atualização desta matéria, o órgão não tinha se manifestado. O espaço segue aberto.

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