PCGO abre inquérito e quer começar a ouvir vítimas de João de Deus
Segundo o delegado-geral da PCGO, André Fernandes de Almeida, investigação é conduzida pela Deic, com sede em Goiânia
atualizado
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O delegado-geral de Polícia Civil de Goiás, André Fernandes de Almeida, disse ao Metrópoles que a PCGO está com uma investigação em curso para apurar todas as denúncias de abuso sexual contra o médium João de Deus. Na segunda-feira (10/12), as vítimas começarão a ser chamadas para serem ouvidas.
“Todas as denúncias serão investigadas. São fatos graves”, ressaltou o policial. O delegado disse, ainda, que o caso será apurado pela Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), com sede em Goiânia. Explicou que, devido à complexidade da situação e à possibilidade de intimidação das vítimas, as investigações serão conduzidas pela especializada da capital goiana e não ficarão em Abadiânia, no Entorno do DF, onde João de Deus faz suas consultas espirituais.
Até agora, há pelo menos 13 vítimas. Uma delas contou ter sido molestada por João de Deus durante uma consulta quando tinha 15 anos. De acordo com a vítima, ela costumava frequentar o centro espírita Dom Inácio de Loyola sempre acompanhada da mãe, porém, em uma de suas idas ao local estava sozinha. Do mesmo modo que o médium como fez com outras mulheres, ela foi levada para uma sala, supostamente usada como banheiro.
Em determinado momento, João de Deus passou a segurá-la pelo quadril, a colocou de costas e começou a passar o pênis em suas nádegas. Ela disse ter ficado em pânico e começado a chorar, antes de deixar o local.
O Metrópoles não encontrou o médium em Abadiânia nesse sábado (8). Segundo o assessor Francisco Lobo, que acompanha João há quase duas décadas, ele não estaria na cidade pois só atende às segundas, quartas e sextas-feiras.
Ainda de acordo com o assessor, João de Deus saiu do município goiano para descansar, “conforme faz praticamente todos os fins de semana”. O destino, no entanto, não foi informado. Lobo preferiu não comentar as denúncias, mas destacou as características que admira no médium.
“Ele tem o lado espiritual completamente desenvolvido, e o humano, cheio de defeitos, como qualquer um de nós. As pessoas não entendem isso. Assim como qualquer famoso, no caso dele, com prestígio internacional, é muito assediado. Prefiro não comentar as denúncias, até porque eu ainda não as conheço”, ressaltou o assessor.
Entre as vítimas, 10 mulheres foram entrevistadas pelo programa Conversa com o Bial, da TV Globo, na madrugada de sábado (8). A coreógrafa holandesa Zahira Lieneke Mous deu um depoimento estarrecedor. “Ele abriu a calça, colocou a minha mão no pênis dele e começou a movimentar a minha mão. Estava em choque. Enquanto isso, ele continuava falando da minha família e disse que eu deveria sorrir. Depois, ele se limpou, me levou ao escritório, abriu um armário de pedras preciosas e mandou escolher a que eu mais gostasse”, disse.
Dias depois, ela afirma que João de Deus a puxou de novo para o banheiro. “Um padrão parecido, mas ele deu um passo adiante: me penetrou por trás“, disse ao jornalista Pedro Bial. Zahira passou quatro anos negando a si mesma o que tinha acontecido em Abadiânia, até que decidiu contar sua história em uma rede social. “Eu realmente espero poder ajudar outras mulheres a saírem desta sombra. Não precisamos sentir vergonha. Ele precisa ter vergonha”, ressaltou ao apresentador.
Uma outra vítima afirmou: “Ele pegava na minha mão e fazia eu pegar no pênis dele. Ele falava: ‘Você é forte, corajosa. O que está fazendo tem um valor enorme. Põe a mão, isso é uma limpeza”.
A mesma mulher disse que, pouco depois, apesar das recusas, João de Deus foi mais além e pediu para que ela fizesse sexo oral nele. Outra mulher afirmou que, de repente, sentiu o “membro dele nas nádegas. Comecei a chorar, a ficar desesperada. Só pensava: Como vou sair daqui”.
Alheios ao escândalo, muitos dos frequentadores da Casa Dom Inácio, que estava aberta neste sábado, sequer sabiam das denúncias. “Ainda não me inteirei totalmente sobre o assunto. Reconheço que são acusações muito graves e, por isso, precisam ser muito bem investigadas, para que se conheça a verdade”, disse ao Metrópoles uma francesa, que preferiu não se identificar.
Abadiânia fica a pouco mais de 100km do DF. Tem duas realidades separadas pela BR-060. De um lado, vivem cerca de 17 mil habitantes, que trabalham, estudam e tocam as próprias vidas, muitas vezes, sem nem cruzar a rodovia. Nesta parte, o assunto é conhecido e tratado em rodinhas de conversa, mesmo que discretamente.
Do lado direito do trecho da BR-060 (sentido Goiânia), a cidade é bilíngue e gira em torno dos tratamentos espirituais oferecidos por João de Deus. Nas imediações da Casa Dom Inácio Loyola é difícil encontrar quem fale bem o português. Inglês e francês são os idiomas mais ouvidos por ali.
Enquanto na parte oeste os imóveis são predominantemente residências e comércio tradicional, na leste, as construções giram em torno de João de Deus, com dezenas de hotéis, pousadas e lojas de artesanatos, todos com os serviços traduzidos para o inglês.
“Muito triste para cidade”
Na porta de uma farmácia, dois funcionários comentavam as denúncias contra o ilustre morador. “Pouca gente aqui na cidade o conhece de verdade. Eu mesmo não sei quem se tratou com ele. É mais gente de fora, artista e estrangeiro”, disse o balconista Marcos Augusto Santos, 20 anos.
Mariana Sousa, 31, conta que ouve falar de João de Deus desde que era menina, pelas histórias contadas pela avó. “Eu sei que muita gente entrou ruim e saiu bem de lá. Isso (as denúncias) é algo muito triste para a cidade. Gostaria que não fosse verdade”, afirma a moradora.
Artesã em Abadiânia,Telma Lima, 51, se preocupa com a repercussão do caso fora do Brasil e com a reputação do município. “Eu prefiro não fazer nenhum julgamento por enquanto, mas que isso preocupa, eu não vou negar. A cidade vive disso (do trabalho do médium)”, assinala.
Para Aline Teles, funcionária de uma pequena loja de presentes a poucos metros da casa onde João de Deus atende, a “inocência do médium será provada na Justiça”. “Ele sempre fez caridade e ajudou quem precisa sem nada em troca. Ele é a alma da cidade e não consigo imaginar Abadiânia sem os tratamentos que oferece”, opina.