PCC: veja detalhes da prisão do homem que queria resgatar Marcola
Detido na África, Fuminho estava à frente do ousado plano para tirar o líder máximo da facção criminosa do Presídio Federal de Brasília
atualizado
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O Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores facções criminosas da América do Sul, sofreu um nocaute da Polícia Federal na segunda-feira (13/04). Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, foi preso em um hotel de luxo, à beira mar, localizado em Moçambique, na África. O Metrópoles teve acesso aos bastidores da investigação que contou com colaboração internacional dos Estados Unidos e de Moçambique.
Foragido da polícia desde 1999, quando fugiu da Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, Fuminho, além de coordenar ações milionárias do tráfico internacional, tinha uma importante missão: patrocinar e organizar o plano de resgate do líder máximo do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Condenado a 330 anos de prisão, Marcola é amigo de infância de Fuminho e desembolsou cerca de R$ 200 milhões para que o resgate fosse viabilizado.
Segundo investigações da PF, Gilberto saiu do Brasil, passou pela Bolívia, onde falsificou documentos, seguiu para Argentina e, em março de 2018, se estabeleceu na África do Sul. Ele tinha uma residência em Joanesburgo. As propriedades e os respectivos sócios locais também são alvo de apuração.
Investigadores explicaram que narcotraficantes costumam procurar abrigo em países africanos, pois eles são uma porta de entrada de drogas na Europa. Muitos usam aviões privados para viabilizar a locomoção entre os países. A língua portuguesa também facilitou a vida do brasileiro no país estrangeiro.
Prisão
O principal nome da facção nas ruas foi surpreendido pela polícia no momento em que voltava de uma consulta médica. Ele foi a uma clínica para tratar de um ferimento na perna direita, enfermidade conhecida como erisipela. Gilberto Santos fumava um cigarro nas dependências do hotel Montebelo Indy Maputo Congress, localizado no subúrbio de Sommerschield, em Maputo, quando recebeu a voz de prisão. Ele estava hospedado no local há 40 dias, acompanhado de dois nigerianos e não reagiu.
Ao ser apresentado para a imprensa nas dependências da delegacia de Moçambique, foi hostil. Tentou cobrir o rosto com uma garrafa e mostrou o dedo médio aos jornalistas. Ao ser questionado pelos crimes, respondeu: “Não tenho nada a declarar, vai falar com o meu advogado”. Os repórteres também perguntaram se ele conhecia Marcola e a resposta foi negativa. Confira na reportagem da TV VOA Portugues, de Moçambique.
Barão da droga
Leonardo Simbine, porta-voz da polícia de Moçambique, detalhou que os agentes apreenderam com Fuminho dois passaportes nigerianos e um brasileiro, todos falsos. Ele ainda portava 100 gramas de maconha, 15 celulares, cinco malas, um automóvel, 34.700 meticals (moeda moçambicana, o equivalente a 470 euros) e 5 mil rands (250 euros) em espécie e três relógios. Simbine classificou o brasileiro como “Barão da Droga”. A polícia local investiga as ligações do narcotraficante na região.
Parceiros comerciais de Fuminho tinham a função de organizar as viagens do narcotraficante na África e cuidar de toda a legista de hospedagem, transporte e reuniões. Eles também auxiliavam no transporte da cocaína para Europa.
Plano de ação
Por meio de nota, a Polícia Federal classificou o preso como “maior fornecedor de cocaína a uma facção com atuação em todo o Brasil, além de ser responsável pelo envio de toneladas da droga para diversos países do mundo”. No Brasil, as investigações que resultaram na prisão histórica foram conduzidas pela Coordenadoria Geral de Polícia de Repressão a Drogas e Crime Organizado (CGPRE), da PF.
O delegado Elvis Aparecido Secco, chefe da unidade especializada, explicou ao Metrópoles que a corporação já vinha investigando Fuminho há dois anos, por meio de um inquérito instaurado no Ceará. “No começo de 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em conjunto com PF, definiu que intensificaria o combate às facções criminosas. Decidimos, então, reunir todas as informações que tínhamos sobre esse criminoso. Ampliamos a nossa estrutura e concentramos as ações em em Brasília”, detalhou Secco.
Há 12 meses, os policiais federais deram início à montagem de um quebra-cabeça. A investigação teve foco no patrimônio e na movimentação dos familiares. As apurações contaram com informantes, transação de dados e um árduo e intenso trabalho de campo.
Os federais localizaram os familiares e amigos de Fuminho e passaram a rastreá-los. “Por meio de redes sociais e monitoramento, descobrimos que familiares e amigos do narcotraficante passaram a ir para África com uma certa frequência após março de 2018. Eles iam cinco, seis, sete vezes para África do Sul. Em alguns momentos, nossos policiais acompanharam essas pessoas até mesmo durante os voos”, detalhou Elvis Secco.
Infiltrados, policiais fizeram campanas e levantaram os endereços e locais frequentados pelo traficante. “Estávamos rastreando o tempo todo. Sabemos que ele foi para Maputo, capital de Moçambique, 40 dias antes da prisão. Ele entrou de forma clandestina, sem passar pela imigração. Era para ser uma viagem rápida de negócios, mas devido à pandemia do novo coronavírus, as fronteiras foram fechadas e ele não conseguiu voltar à África do Sul”, revelou o delegado. O narcotraficante ficou de quarentena em Maputo, sob vigilância velada dos policiais.
“A facção perdeu uma grande referência. Era o único em liberdade, responsável por movimentar milhões de dólares. Já apreendemos uma carga com 10 toneladas de cocaína que pertencia a ele”, completou Secco.
Por meio das redes sociais, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, parabenizou a ação da PF e afirmou que “vai trabalhar com as autoridades de Moçambique para trazer o criminoso ao Brasil, onde responderá por seus crimes”.
Fuga cinematográfica na “Terra dos Candangos”
A prisão enfraqueceu e praticamente extinguiu a possibilidade da facção colocar em prática o grande resgate de Marcola na Penitenciária Federal de Brasília, local onde a cúpula do PCC cumpre pena. Um bilhete interceptado por autoridades de São Paulo, no ano passado, apontava planejamento de uso de blindados e massacre de policiais no suposto ataque ao complexo. O papel estava codificado e foi localizado no esgoto, durante revista em uma das celas.
Segundo as apurações, a facção utilizaria dois helicópteros, além de granadas, metralhadoras de calibre .50 e fuzis. O aparato estava sob responsabilidade de Fuminho, braço-direito de Marcola.
De acordo com informações, os criminosos estariam aguardando o aval de Fuminho para colocar o plano em prática. Brasília era chamada pelos criminosos de “Terra dos candangos”. O PCC teria reunido um verdadeiro exército de alto nível e com criminosos que possuem conhecimento militar e de armamentos. A facção já teria mapeado os arredores do complexo penitenciário em Brasília com o uso de drones.
Informações colhidas pela Secretaria de Administração Penitenciaria de São Paulo apontam que mesmo antes de ser transferido para penitenciaria federal, Marcola havia atribuído funções e orientações a três presos da Penitenciaria de Presidente Venceslau (SP).
Segundo ofício enviado à Justiça paulista, Marcola ordenou que os internos Wilber de Jesus Merces, Valdeci Francisco da Costa e Márcio Domingos Ramos instruíssem Fuminho, através de cartas, a continuar com o planejamento de resgate.
Segundo o líder do PCC, se o resgate fosse inviabilizado por qualquer motivo dentro de alguns meses após a transferência, a facção deveria realizar o levantamento de agentes públicos e autoridades para eventual execução.
A suspeita, segundo o Metrópoles revelou com exclusividade, fez com que os ministérios da Justiça e da Defesa fechassem um acordo para intensificar a segurança do complexo, localizado em São Sebastião. Militares do Exército Brasileiro foram direcionados para a penitenciária de segurança máxima, onde ficaram de prontidão, com carros blindados. Em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) decretou Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no perímetro da complexo. O esquema conta com militares do Exército e da Força Nacional.
“Fuminho era o cara que poderia arquitetar um plano ousado para fazer o resgate na penitenciária federal de Brasília”, destacou Elvis Secco.
Com o material apreendido em Moçambique, a polícia brasileira poderá analisar se há mais detalhes do plano de resgate, assim como a atuação criminosa do preso no exterior.
Segundo o Grupo de Atuação Especial de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Paulo, Gilberto Aparecido dos Santos é considerado o maior traficante de drogas do Brasil. Há indícios de que ele exportava, mensalmente, ao menos uma tonelada de cocaína para a Europa.