Parentes de mortos em ônibus na BR-070: “Não foi acidente, foi crime”
Familiares de Maria de Deus Fernandes e Francisco Ferreira da Silva deram o último adeus às vítimas mortas no ônibus que tombou na BR-070
atualizado
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Tristeza, saudade e revolta marcaram os enterros de Maria de Deus Fernandes Crateus e de Francisco Ferreira da Silva, que ocorreram nesta segunda-feira (23/10). Os dois fazem parte da lista de mortos após um ônibus de turismo tombar na BR-070 no último sábado (21/10), na BR-070. Indignados, os parentes querem justiça após a tragédia.
“Não foi um acidente, foi um crime”, contou o comerciante Lourival Martins, 53 anos. Ele era genro de Maria de Deus, que vinha do município Coelho Neto, no Maranhão, para visitar a família.
Lourival era o responsável por buscar a sogra na rodoviária. Ele conta que os dois estavam conversando durante o fim do trajeto. O homem mostrou à reportagem uma mensagem enviada por Maria de Deus minutos antes da capotagem, quando informou que o ônibus tinha sido parado em Águas Lindas de Goiás, onde passou por vistoria. Maria tinha 64 anos.
“Vai dar tudo certo”, teria dito a sogra em áudio ao genro. Enquanto esperava por ela na rodoviária, Lourival ficou sabendo do acidente na BR-070 e foi para a via. “Eu que reconheci o corpo, e reconheci só pelo brinco e pela correntinha que ela usava”, contou o homem.
“A gente ficou muito transtornado. É um choque muito grande”, disse, com tristeza o genro. “A gente estava planejando a festa que ia fazer pra ela”, completou a vendedora Ana Lúcia Leal, 47, prima de Maria de Deus. Ela contou que Maria vinha com frequência para o Distrito Federal, e sua chegada era sempre era marcada com comemoração.
Amigos e familiares tratavam ela pelo apelido carinhoso de “Deusinha” ou “Deusa”. Durante seu velório, ela era descrita por amigos e familiares como uma pessoa muito alegre e que sonhava morar em Brasília para ficar perto das filhas e dos netos. Deusa deixa quatro filhos: dois na capital federal, um em Rio Verde (GO) e outro em Coelho Neto (MA).
Advogada, a sobrinha Bárbara Crateús defende que os responsáveis pelo transporte devem ser penalizados pelo o que ocorreu. “Não foi uma fatalidade, ele colocou em risco. O que quer que ele quis esconder colocou como prioridade, muito além da vida dos passageiros”, ressalta Bárbara.
O ônibus de turismo que capotou deixou ao todo cinco pessoas mortas, sendo quatro ainda no local do acidente e uma, no hospital.
“Ele foi se despedir”
Francisco foi passar 20 dias no Maranhão, para visitar parte família que mora no estado. “Parece que ele foi se despedir”, desabafou o agente de portaria, Joede Abreu, 52, genro de Francisco. “Ele foi um pai pra mim. Cheguei do Maranhão aqui e ele me ajudou muito, me ensinou. É uma tristeza muito grande”, completou.
A advogada Rayane Duarte, 32, sobrinha-neta de Francisco, também considera a tragédia que abateu a família um crime doloso. “No momento que recebeu a ordem de parar e perseguiu com o veículo, assumiu o risco”, destacou. “Todos estão revoltados. Ele ajudava todo mundo. Vai fazer muita falta”, completou.
Francisco tinha 71 anos e era conhecido pelos amigos e familiares pelo apelido “Zé Bedeu”. As pessoas próximas o retrataram como homem generoso, carinhoso e atencioso. Familiares também destacaram que era trabalhador. Mais de uma vez, cumpriu duas ou três jornadas de trabalho por dia.
Francisco deixa oito filhos. Todos moravam em Águas Lindas (GO). O filho Cleyton Alencar agradeceu a presença dos amigos do pai, minutos depois que baixou o caixão do pai. “Vamos sentir muitas saudades”.
Veja o nome das vítimas:
1. Maria Eliete Gomes da Silva, 57 anos;
2. João Freire de Sousa, 57 anos;
3. Maria de Deus Fernandes Crateus, 64 anos;
4. Francisco Ferreira da Silva, 71 anos;
5. Claudia Maria Moreira, 49 anos.
Ônibus clandestino
O veículo atuava de forma clandestina e fazia o trajeto Maranhão-Brasília. O motorista foi abordado por fiscais da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) no posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) da BR-070, pouco depois de Águas Lindas de Goiás, onde passou por vistoria. Na ocasião, ficou constatado que se tratava de transporte pirata.
O dono da empresa de transporte de turismo responsável pelo veículo que tombou na Rodovia BR-070 matando cinco pessoas e deixando 17 feridos, na noite desse sábado (21/10), tentou despistar o ônibus durante a escolta da ANTT. Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), responsável pela investigação do caso, Alexandre Henriques Camelo dirigia um carro particular na via e queria atrapalhar a fiscalização de acompanhar o transporte pirata.
De acordo com a corporação, quem conduzia o ônibus era Felipe Alexandre Gonçalves Henriques, filho de Alexandre Henrique. Em depoimento na delegacia, porém, Alexandre informou que era ele quem conduzia o ônibus no momento em que o veículo derrapou e tombou, o que foi desmentido por passageiros. Ambos responderão por homicídio doloso continuado, com dolo eventual. A audiência de custódia deles estava prevista para ocorrer na manhã desta segunda-feira (23/10).
A ocorrência registrada na 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro) seguiu para a 17ª DP (Taguatinga Norte), onde o inquérito será conduzido. De acordo com o delegado-chefe Mauro Aguiar, o motorista do ônibus estava sendo escoltado pela fiscalização da ANTT e tentou fugir em alta velocidade na BR-070.
“O Alexandre queria livrar o ônibus da escolta. Foi para o posto da PRF após saber que o transporte de turismo tinha sido parado. Durante a escolta, ele entrou no meio, entre o ônibus e o veículo da ANTT, com um carro particular. Ele mandou o filho acelerar e ir embora, que ele tentaria segurar a escolta para trás”, conta o delegado.
Inicialmente a informação era de que haviam sete mortos, como consta no boletim de ocorrência registrado na PCDF – sendo que dois não haviam sido identificados. No entanto, o delegado que investiga o caso informou que há cinco óbitos confirmados: quatro tiveram morreram ainda no local do acidente e uma, no hospital.