Paranoá Parque, o condomínio que tem problemas de cidade grande
Criado em 2014 para famílias de baixa renda, residencial tem 25 mil habitantes e sofre com a violência e a falta de serviços públicos
atualizado
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Criado em 2014 para atender famílias de baixa renda do Distrito Federal, o Paranoá Parque atingiu, neste ano, o total de 25 mil moradores. O número é semelhante à população do Jardim Botânico e ultrapassa a quantidade de habitantes de cidades como Candangolândia, Park Way, Fercal, Núcleo Bandeirante e Varjão. Com dimensão de uma região administrativa, o condomínio passou a sofrer com problemas comuns às áreas mais populosas da capital: violência e acesso à saúde e à educação.
Atualmente, são 6.420 apartamentos ocupados por brasilienses com renda mensal de até R$ 1,6 mil. A boa estrutura das moradias, no entanto, mascara a falta de equipamentos públicos capazes de suprir as necessidades de quem vive no condomínio.
Cinco anos após a inauguração, o local ainda carece de escolas, unidades públicas de saúde e comércios próximos que atendam as necessidades dos residentes. Outra reclamação muito comum entre os moradores é a violência da região. O sentimento de insegurança que paira entre eles é reafirmado pelos números das forças de segurança do DF.
Segundo levantamento da Polícia Militar (PMDF), o Paranoá Parque foi responsável por 372 chamados só nos seis primeiros meses deste ano. Na prática, isso significa que a área é responsável por pelo menos duas ocorrências policiais por dia. O número, por pouco, não ultrapassa a região administrativa do Cruzeiro, que possui 5 mil habitantes a mais e manteve média de três acionamentos diários em 2019.
A Polícia Civil, por sua vez, computou 241 boletins de ocorrência no primeiro semestre deste ano, ou seja, um por dia. Os crimes mais comuns no local são: injúria (22,9%), ameaça (21,7%) e roubo a transeuntes (8,6%). A apenas 10 minutos de carro do condomínio, a 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) é a unidade mais próxima e responsável pela investigação da maior parte dos casos. A pouca distância entre os locais, de apenas 1,9 km, não parece inibir a onda de violência que tem tirado o sono dos moradores.
Os casos policiais envolvem até abandono de incapaz. Na madrugada de 5 de outubro, uma criança de 5 anos ficou ferida após cair do terceiro andar de um dos prédios, na Quadra 3 do residencial. Testemunhas contaram à PCDF que o menino teria ficado sozinho em casa enquanto a mãe comprava cigarros.
Pelo crime, investigadores da 6ª DP prenderam a mãe do garoto. Ela foi solta após pagar fiança de R$ 1 mil. O garoto, por sua vez, recebeu alta hospitalar na segunda-feira (07/10/2019). Ele, agora, ficará sob a tutela da avó materna.
Vídeo mostra momento em que a criança se levanta após a queda. Veja:
Insegurança
Outro recente caso de violência ocorreu há menos de duas semanas. Durante a madrugada de 30 de setembro, um morador de 39 anos foi morto a facadas após confusão na Quadra 2, Conjunto 1. O crime, tratado como latrocínio (roubo seguido de morte), resultou na prisão de três pessoas, todas acusadas de participar do assassinato.
As prisões foram feitas logo após a PCDF ter acesso a imagens que mostram a ação dos criminosos. No vídeo, registrado por câmeras de segurança do local, é possível observar os quatro suspeitos: um de moletom vermelho; outro de casaco cinza; um homem usando uma camisa do Flamengo e uma mulher de branco.
As gravações (veja abaixo) mostram a vítima, de regata preta e bermuda, conversando com um morador quando os suspeitos se aproximam. O homem, então, tenta fugir do grupo. Momentos mais tarde, ele aparece no canto direito da tela, subindo a rua em direção a um beco, onde foi encontrado morto.
Morando no local há três anos, Marizete Silva Carvalho (foto abaixo), 54 anos, precisou alterar sua rotina com medo de também ser vítima da violência. Avó, ela não deixa mais o neto brincar na rua quando o dia começa a escurecer.
“Ele só vai aonde eu for e só brinca aonde eu estiver. Infelizmente, tem havido muitos casos de roubo, tráfico e até morte. A gente sente que construíram isso aqui para o povo morar, mas esqueceram de nos dar garantias mínimas de sobrevivência”, critica.
Drogas
Com medo, um morador que pediu para não ser identificado reclamou do crescimento do tráfico de drogas no local. “O sentimento de impunidade é muito grande por aqui. Não importa a hora nem quem está por perto: é gente vendendo e se drogando o tempo todo. No meu bloco mesmo tem uma boca de fumo e eu vou fazer o quê? Não tenho para onde ir nem posso denunciar”, diz o homem, temendo retaliações.
Ao longo da semana, a reportagem esteve no local e constatou a prática criminosa na região. A comercialização das drogas é feita em quadras específicas e os locais são sinalizados (veja na galeria abaixo). O crime ocorre a pleno vapor mesmo durante o período da tarde e até próximo aos parquinhos, que, depredados, já nem são utilizados pelas crianças.
Educação
Pleito antigo dos moradores, a construção de uma escola que atenda a comunidade é pedido dos residentes desde 2017, quando uma criança de 8 anos, moradora do Paranoá Parque, passou mal de fome na Escola Classe 8 do Cruzeiro, localizada a 30 km de sua casa. Segundo o relato da mãe, o garoto não se alimentava, pois precisava sair de casa às 11h em decorrência da distância, e o lanche do colégio só era servido por volta das 15h30.
A unidade educacional foi a encontrada pela Secretaria de Educação do DF (SEE-DF) na época para alocar pelo menos 250 residentes do condomínio. Dias depois do incidente, o então governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), anunciou a intenção de construir uma escola nos arredores do residencial. A promessa, entretanto, não saiu do papel.
Dois anos depois, o condomínio segue sem nenhum colégio e viu o número de crianças e adolescentes que dependem da rede pública de ensino crescer 18 vezes. Segundo a SEE-DF, são 4,5 mil estudantes residindo no Paranoá Parque atualmente.
A demanda é grande, mas nem todos os alunos conseguem vaga em escolas próximas, como no Paranoá e Itapoã. Boa parte depende do transporte escolar público ofertado pela pasta para frequentar as aulas em unidades educacionais do Varjão, Cruzeiro, Lago Sul e Plano Piloto.
A escola mais perto do residencial é o Centro de Atendimento Integral a Criança (Caic) Santa Paulina, no Paranoá, e fica 2,5 km de distância. O trajeto rende aos estudantes uma caminhada de pelo menos 25 minutos, uma vez que não é fornecido o transporte para quem estuda na unidade.
Mãe de 7 filhos, Josinelma Lopes Monteiro, 38 anos, conseguiu matricular 3 dos garotos no centro de ensino e acompanha os pequenos no longo percurso, de segunda a sexta-feira, faça chuva ou sol.
“Estou cansada de fazer esse caminho para ir e voltar. Meus filhos entram às 13h e o sol nesse horário é forte. Eles chegam em casa reclamando do cansaço também. Dois dos meus meninos, um de 13 anos e outro de 15, largaram a escola porque não aguentam fazer esse trajeto”, disse.
Como outros moradores consultados pela reportagem, Josinelma lamentou a falta de estrutura do residencial: “Sinceramente, eu me sinto largada aqui. Isso é uma vergonha. Fizeram a maior campanha para anunciar o condomínio e depois que entregaram o apartamento esqueceram da gente”, lamentou a dona de casa.
Aos 7 anos, o filho de Marilene dos Anjos, 36, é outro a reclamar do cansaço causado pelo deslocamento. Por falta de vaga, o garoto só conseguiu ser matriculado em uma escola pública do Varjão – a 15 km de sua casa. “Ele volta exausto e dizendo que as perninhas estão doendo. Tem dias que não consegue fazer o dever de casa porque chega e dorme de tão cansado. Infelizmente essa é nossa realidade, tudo é longe”, criticou.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação informou que prevê para o Paranoá Parque a construção de quatro centros de ensino infantil, dois centros educacionais, três escolas classes, quatro centros de ensino fundamental e um de ensino médio. A expectativa da pasta é que as obras ocorram até 2022.
Saúde
Quem procura por assistência médica na região também reclama. Quando adoecem, os 25 mil moradores precisam recorrer à Unidade Básica de Saúde (UBS) 3 do Paranoá. O local é o único da região a atender exclusivamente os residentes do Paranoá Parque e funciona de forma improvisada.
Só nos seis primeiros meses deste ano, foram 15.648 atendimentos registrados na UBS, ou seja, o local recebe, diariamente, uma média de 87 pacientes. No centro, a assistência é feita pelas equipes de saúde da família compostas por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde.
Os casos que demandam urgência não podem ser realizados na unidade por falta de estrutura e, por isso, são realizados no Hospital da Região Leste (HRL) – antigo Hospital Regional do Paranoá. A elevada demanda levou o Governo do DF (GDF) a se mobilizar pela construção de mais uma unidade básica de saúde no local.
A expectativa do GDF é de que a nova UBS seja construída dentro de 15 meses, na Quadra 2, Conjunto 6. “Este é o prazo estimado entre a contratação de empreiteira e a entrega propriamente dita. Quando ficar tudo pronto, vamos transferir os atendimentos para lá e a outra unidade ficará exclusiva ao atendimento dos moradores do Paranoá”, explicou a diretora de Atenção Primária da Regional Leste de Saúde, Mirlene Guedes à Agência Brasília no início do mês.