Para arrumar viaduto que caiu no Eixão, GDF tira verba da Rodoviária
Documentos aos quais o Metrópoles teve acesso mostram que o governo remanejou dinheiro disponível para a reforma do terminal
atualizado
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A obra de recuperação do viaduto sobre a Galeria dos Estados entrou no dilema do cobertor curto nas contas do Governo do Distrito Federal (GDF). Documentos internos aos quais o Metrópoles teve acesso mostram que, para pagar os R$ 10,9 milhões destinados à restauração do elevado, a administração pública local fez uma engenharia financeira: tirou recursos da reforma da Rodoviária do Plano Piloto e também da pavimentação da DF-285, que leva até Minas Gerais.
As informações contrastam com declarações do governo. O Palácio do Buriti afirmou, em diversas situações, que a verba para quitar as obras de recuperação do viaduto sobre a Galeria dos Estados sairia da reserva de contingência de R$ 50 milhões reservada para intervenções necessárias em viadutos e pontes. Entretanto, os planos mudaram.
Um despacho do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) de 14 de dezembro de 2018 solicita a suplementação orçamentária para pagar a obra do viaduto, sob responsabilidade da Via Engenharia, empreiteira vencedora da licitação. O órgão pontua que o valor virá do cancelamento de parte dos trabalhos destinados à reforma da Rodoviária do Plano Piloto. A mesma mudança de destino é citada em, pelo menos, outro documento.
Confira:
Estrada sem asfalto
Não foi só a reforma da Rodoviária que teve recursos “garfados” para irrigar a obra do viaduto no Eixão. Quatro dias após o DER-DF enviar despacho no qual informava o cancelamento de parte da verba destinada ao principal terminal de Brasília, um novo documento, desta vez da Subsecretaria de Captação de Recursos, da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), mencionava a DF-285.
A pista, nas proximidades do Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD-DF) e do Núcleo Rural Lamarão, liga a capital da República a Minas Gerais. A previsão era levar pavimentação para 10 quilômetros, entre o Km 6 e o entroncamento com a DF-100, além da criação de ciclovia e acostamento em ambos os sentidos. A intervenção abrangeria também “drenagem, terraplenagem, sinalização horizontal e vertical”. Mas nada disso sera executado por enquanto.
O despacho, da última terça-feira (18/12), diz o seguinte: “Informo que os recursos previstos para o atendimento da solicitação de inclusão da implementação de melhorias, adequações e pavimentação da rodovia DF-285 não serão mais disponibilizados para este fim”. A pasta acrescenta que, “em razão da importância e urgência da obra [de reconstrução do viaduto] e a disponibilidade imediata do recurso, foi feita a nova destinação”.
Fica no papel
As obras na rodovia DF-285 estavam nos planos recentes do DER-DF. Em 3 de outubro deste ano, o diretor-geral da autarquia, Márcio Buzar, pediu ao secretário de Planejamento,Orçamento e Gestão, Renato Brown, R$ 19,1 milhões de financiamento do Banco do Brasil para a execução do projeto em 2019.
O restante do orçamento previsto para a obra – R$ 145 mil neste ano e R$ 3,3 milhões em 2019 — seria coberto com recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide Combustíveis).
O próprio DER-DF apontou o quão importante seria a melhoria da via para quem circula na região. “Pretende-se, com essa obra, mitigar os transtornos decorrentes dos longos períodos de estiagem, facilitar o deslocamento da população e do transporte da produção agrícola”, afirmou o diretor-geral do DER-DF no ofício.
O outro lado
Em nota, a Seplag argumenta que houve um remanejamento entre contratos para melhorar a gestão dos recursos. “É preciso esclarecer que nenhuma obra ficará sem orçamento. Lembrando que ele é dinâmico e sofre alterações ao longo do ano, de acordo com as necessidades dos órgãos”, disse.
Ainda segundo a pasta, “os recursos para as obras citadas são de contrato com o Banco do Brasil, no valor total de R$ 500 milhões, sem contrapartida, destinados para o programa de mobilidade integrada e em obras de infraestrutura no DF”.
A secretaria destaca que ainda não houve licitação para as obras de intervenções da DF-285. “Por isso, os recursos previamente destinados para a rodovia foram remanejados para as obras da Galeria dos Estados, que já estão em andamento. Essa é uma determinação do contrato firmado com o Banco do Brasil, que exige que as obras estejam em andamento para receber os recursos”.
Os valores destinados inicialmente para a obra do elevado ficarão disponíveis para o DER-DF utilizar nas intervenções da rodovia em 2019, segundo a Seplag. “Quanto à pavimentação da DF-285, informamos que a obra ainda está sendo licitada, ou seja, ainda não entrou na etapa em que há necessidade de empenho de recursos financeiros”, disse.
Em relação aos recursos da reforma da Rodoviária do Plano Piloto, a pasta informa que “a obra recebeu os valores do mesmo contrato do Banco do Brasil que foram cancelados de uma fonte, mas logo suplementados para a melhor gestão dos recursos de acordo com o cronograma de execução das obras”.
O DER-DF, por sua vez, disse que a obra do viaduto está em andamento com 30% executado: “Já foram faturados R$ 2,5 milhões de um total de R$ 10,9 milhões. Os serviços são relativos ao pagamento de execução de 100% das fundações, blocos e início de armação dos pilares. Concomitantemente, está realizando os rasgos na laje para refazer a proteção da mesma”.
Já a Novacap informou que “a Rodoviária do Plano Piloto está em obras de recuperação e revitalização das plataformas e demais áreas internas e adequação às normas de acessibilidade. Até o momento, foi entregue a Plataforma A completa”.
A empresa responsável pela reforma desde 20 de novembro de 2017 é a ConcrEpóxi Engenharia Ltda. “O valor de investimento na Rodoviária é de R$ 36,5 milhões e, até agora, foram aplicados cerca de R$ 11,8 milhões”, acrescentou a Novacap.
O Banco do Brasil disse que “não comenta operações comerciais com seus clientes”.
Ficou para depois
Parte do viaduto sobre a Galeria dos Estados, na área central de Brasília, desabou em 6 de fevereiro deste ano. Somente em agosto, a licitação foi concluída, consagrando a Via Engenharia como vencedora do processo. A primeira previsão era a de entregar o elevado restaurado em setembro, mas o prazo foi estendido até o fim de 2018 e, agora, cogita-se concluir a estrutura apenas em 2019.
A fatura chegará nas mãos do governador eleito Ibaneis Rocha (MDB), que toma posse em 1º de janeiro. Isso porque os documentos do GDF detalham que R$ 2,4 milhões para a reconstrução do viaduto serão pagos em 2018. Outros R$ 8,4 milhões ficarão para o próximo ano.
Por meio da assessoria de imprensa, o governo de transição diz que a equipe do futuro secretário de Obras, Izidio Santos, acompanha o empreendimento de perto, inclusive com o apoio da Via Engenharia.
A assessoria afirma que a obra continuará “conforme projeto e programação atual”. Porém, o prazo será “bem menor” do que o previsto pela atual gestão, promete o governo de transição.
No caso da Rodoviária do Plano Piloto, a licitação para a reforma do terminal ocorreu no último ano da gestão do então governador Agnelo Queiroz (PT) e previu investimento de R$ 36,5 milhões. Até agosto de 2018, Rollemberg tinha utilizado somente R$ 11,8 milhões desses recursos.
Segundo a Novacap, a reforma deve terminar em junho de 2019 e prevê a correção dos problemas no piso, teto, além de instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias. A obra também tem, de acordo com a companhia, o objetivo de aprimorar a sinalização de acessibilidade, recuperação de calçadas e drenagem interna de águas pluviais.
Apesar das obras se arrastarem há quatro anos, a população ainda não sente as melhorias no terminal. Conforme o Metrópoles noticiou em agosto, os passageiros que frequentam o local enfrentam uma série de dificuldades, muitas delas chegam a ameaçar a integridade física dos cidadãos.
Em outubro, um caso assustou os brasilienses: após uma empresa de telefonia romper cabos de sustentação acidentalmente, parte de uma plataforma foi interditada porque, naquele momento, as autoridades acreditavam que podia haver risco de desabamento. Em novembro, o trecho foi liberado pela Defesa Civil, após ser descartada a possibilidade de a estrutura ceder.
Veja vídeo do dia em que houve a interdição:
Responsabilidade sobre a queda do viaduto
Desde que o viaduto caiu, DER-DF e Novacap travam uma queda de braço para saber de quem era a responsabilidade sobre a estrutura. Quando o atual presidente do DER-DF, Márcio Buzar, assumiu o cargo, ele encaminhou documento ao Tribunal de Contas do DF (TCDF) no qual assumia, em nome do DER, a responsabilidade pela não manutenção do viaduto.
Para a associação de engenheiros do DER-DF, imputar a culpa ao departamento seria uma forma de responsabilizar o último gestor e evitar acusações de negligência por parte da Novacap. Afinal, Márcio Buzar ocupou o cargo de diretor de Edificações da estatal, justamente a quem os processos de recuperação do viaduto estavam submetidos.