Panatenaico: asfalto do BRT era “ralo” para desvio, diz ex-funcionário
Segundo homem que atuou na área financeira do consórcio responsável pelas obras, pavimentação ajudou a multiplicar danos aos cofres públicos
atualizado
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Apontadas como grande escoadouro de dinheiro, as obras do BRT Sul tiveram um mecanismo particular de desviar recursos dos cofres públicos: o asfalto. A afirmação é de um funcionário que atuou na área financeira do consórcio responsável pela execução do projeto, formado pelas empreiteiras Via Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Setepla Tecnometal Engenharia. Sob a condição de anonimato, ele revelou ao Metrópoles como funcionava o esquema criminoso investigado na segunda fase da Operação Panatenaico, deflagrada nesta sexta-feira (11/5).
Em um dos exemplos citados pelo ex-funcionário, o consórcio estava ciente de que precisava usar 24 centímetros de concreto em certos trechos, no entanto assentava apenas 17cm. “Todos sabiam que algo errado estava ocorrendo. Mesmo assim, as notas emitidas superfaturavam o serviço. Simplesmente era pago o valor por um material que nunca chegou a ser usado”, contou.“Tenho conhecimento que muitas irregularidades eram cometidas quando ocorria a pavimentação. O asfalto era um dos grandes ralos por onde escoava o dinheiro”, disse o homem.
As declarações reforçam os laudos realizados pela Polícia Federal que teriam constatado o direcionamento e a fraude na licitação, enquanto auditorias do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e da Controladoria-Geral do DF apontaram superfaturamento de aproximadamente R$ 208 milhões. O valor corresponde a cerca de 25% do custo total do empreendimento fraudado. A obra foi orçada inicialmente em R$ 587,4 milhões, mas executada por R$ 704,7 milhões.
Engenheiros sabiam
Ainda de acordo com o ex-funcionário do consórcio, quando as medições da espessura da massa asfáltica eram feitas, os engenheiros recebiam orientação para atestar dados fraudados nas notas técnicas. No entanto, alguns profissionais teriam se recusado a participar do esquema, segundo a fonte ouvida pela reportagem. “Pelo menos dois engenheiros pediram demissão por não concordarem com o que estava ocorrendo”, relatou.
Além das fraudes envolvendo a pavimentação, também teria ocorrido superfaturamento na construção do viaduto que existe na altura do Park Way. “Houve mudança na estrutura de aço, sem necessidade. Tudo para aumentar os gastos e parte do dinheiro ser desviada”, afirmou.
O mesmo teria ocorrido com o assentamento das chamadas pedras rachão – espécie de paralelepípedo –, nas quais deveria haver apenas terra batida.
Essa era uma tônica das fraudes: colocar materiais em locais onde não havia a menor necessidade
Ex-funcionário do consórcio responsável pelo BRT
Operador do DER-DF
O esquema criminoso teria o aval da comissão executora da obra, formada por servidores do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF). Tanto que um dos membros do grupo, Samuel Dias Júnior, teve os bens bloqueados pela Justiça Federal e pedido de prisão feito pela PF na segunda fase da Operação Panatenaico. A detenção, contudo, foi negada.
O servidor era o responsável pela fiscalização da execução das obras, por elaborar as medições e atestar as faturas apresentadas pelo consórcio.
Procurado pela reportagem, o DER-DF confirmou, em nota, que Samuel Dias faz parte dos quadros do órgão, no entanto não está exercendo nenhuma função atualmente. “No momento, o servidor encontra-se à disposição do Núcleo de Gestão de Pessoal e não está lotado em nenhum setor ou departamento, pois está de licença não remunerada”, disse o órgão.
Samuel Dias não foi localizado pela reportagem para comentar o assunto.
BRT na Panatenaico
O BRT Sul, ou Expresso DF, foi inaugurado em junho de 2014, no âmbito das obras para a Copa do Mundo de 2014. Com 43km de extensão, sendo 35km em faixas exclusivas, a via liga as regiões administrativas de Santa Maria e do Gama ao Plano Piloto. O sistema transporta em média 220 mil passageiros por dia e foi criado para reduzir o tempo de deslocamento entre as duas cidades e o centro de Brasília.
O edital de licitação para a escolha das empresas que ficariam responsáveis pela construção do corredor do BRT Sul foi divulgado em 2008, quando José Roberto Arruda (PR) estava à frente do Palácio do Buriti. As obras, contudo, começaram apenas em 2011, na gestão do governador Agnelo Queiroz (PT) e do vice Tadeu Filippelli (MDB). Os três foram alvo de mandados de busca e apreensão nesta sexta-feira (11/5).
O outro lado
Conforme afirmou o advogado Alexandre Queiroz, a defesa de Filippelli ainda não tem conhecimento do teor das delações. “Estamos requerendo uma cópia e iremos nos manifestar depois que tivermos acesso aos autos do processo”, disse o defensor do ex-vice-governador.
“Nenhuma obra investigada no âmbito da operação foi realizada no governo Arruda. Ele se encontra à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários à elucidação dos fatos”, afirmou Luís Henrique Machado, advogado do ex-chefe do Executivo local.
Paulo Guimarães, defensor de Agnelo, informou que não se manifestaria. A Via Engenharia, em nota, ressaltou que a “obra entregue em junho de 2014 teve a participação da empresa no consórcio, cuja liderança, por força contratual, era de total responsabilidade da Andrade Gutierrez”. Segundo a empreiteira, todos os esclarecimentos a respeito da construção do BRT Sul deverão ser prestados às autoridades.
O Metrópoles não conseguiu contato com os demais citados.