Vídeo: pais idosos de adultos com Down enfrentam o desafio do envelhecimento precoce de filhos
Dados alertam para uma nova realidade: uma primeira geração de pais idosos cuidando de filhos adultos com Down e envelhecimento precoce
atualizado
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Carlos Eduardo Quintas (foto em destaque) tem 48 anos, mas já é atendido por um geriatra. Hélio Vianna tem 54 anos, mas seu organismo apresenta comorbidades de uma pessoa de 70. Os dois têm Síndrome de Down e apresentam envelhecimento precoce. Em comum, eles também moram com familiares mais velhos, já idosos, e que descobrem novos desafios a cada etapa.
Pesquisas apontam para o envelhecimento precoce em adultos com Síndrome de Down. De acordo com estudo publicado na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, em todas as pessoas com Down analisadas houve perda de habilidades, principalmente a partir dos 50 anos . Em alguns casos, sinais do envelhecimento já eram possíveis de perceber a partir dos 25 anos.
Pelo levantamento do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), a faixa etária das pessoas com Down no DF varia de zero a 57 anos. Os dados alertam para uma nova realidade: uma primeira geração de pais idosos cuidando de filhos adultos com a síndrome. Neste 21 de março é a data para conscientização e visibilidade das pessoas com Síndrome de Down. O Metrópoles foi atrás de histórias de pessoas que estão vivenciando essa nova situação.
“É um desafio, a gente não tem mais a mesma energia”, conta o pai de Carlos Eduardo, José Quintas, de 78 anos. Ele contou que o filho está com depressão, sente mais cansaço e desânimo. Além disso, ele e a esposa, que tem 76, também lidam com o envelhecimento natural. “Na sua velhice, é colocado para você ao mesmo tempo uma criança, um adulto e um adolescente”.
Outro fator que também dificulta é a questão financeira. “Antes a gente queria passear e ia dirigindo, hoje já achamos melhor chamar alguém”. Os gastos com remédio e acessibilidade também são maiores.
Mas não é a primeira vez que a família Quintas se encontra em situação de ineditismo. Quando Carlos nasceu, não se tinha informações sobre a síndrome. “Nós somos pais de uma geração anterior, que não conhecia nada sobre pessoas com Down. Para se ter uma ideia, chamavam de mongol. Um pediatra, inclusive, disse que nosso filho ficaria em estado vegetativo”, relembrou.
Temores das famílias
Mais um ponto que causa preocupação em familiares é em relação à incerteza dos dias. “Existe um medo grande, por parte do cuidador, de falecer primeiro e com quem o parente ficará”, relatou a funcionária pública aposentada Lúcia Inês Oliveira, de 68 anos, irmã de Hélio Vianna. Os dois moram juntos há 22 anos, quando os pais faleceram.
Lúcia é 14 anos mais velha que Hélio, mas o envelhecimento dele apareceu primeiro. “Já operou catarata, tem afasia, pericardite, problemas na coluna e nervo ciático”. A irmã conta que o período de isolamento social intensificou a situação.
Segundo a irmã, após o período, ele apresentou depressão, problemas ortopédicos e dores no corpo. Ele ainda teve outros reflexos, já que chegou a ser internado duas vezes com Covid-19. Em uma delas, ficou 10 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Hoje, ele faz acompanhamento médico. Os dois irmãos, inclusive, consultam o mesmo geriatra. “Helinho faz fisioterapia respiratória e motora e iniciará atendimento com fonoaudiólogo e um geneticista”.
Atividades físicas
As famílias reforçam a importância de estimular atividades físicas para as pessoas com Síndrome de Down. Até o momento, a família de Devane Nascimento, de 50 anos, não identifica características de envelhecimento precoce. “Ela é muito ativa, tem uma boa memória, nunca esquece das coisas e continua levando uma vida normal sem muitas mudanças no comportamento”, informou a irmã Dilma do Nascimento, de 70 anos.
Segundo Dilma, ela tem uma rotina que segue à risca: acorda às 8 horas e já arruma a cama. “Não gosta de bagunça, é muito organizada”. A família destacou que ela está sempre com um relógio para cumprir todos os horários. “Também gosta de escrever e assistir jornal”, detalhou.
“Até pouco tempo, as pessoas com Síndrome de Down não tinham expectativa de vida muito alta. Então, agora, como profissionais, estamos conhecendo novos desafios”, afirmou o coordenador-geral da Assistência Social, Lemuel França, da Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE-DF). O especialista reforçou a importância em desenvolver atividades físicas. “Quem tem Down, não pode ficar parado”. Para o especialista, é necessário rever políticas públicas a fim de incluir as necessidades de pessoas com deficiência nas demandas cotidianas.
“Se sabemos que as pessoas com Síndrome de Down envelhecem mais cedo, o tempo para se aposentar não pode ser igual ao das outras pessoas”, defendeu. Segundo ele, os profissionais mais antigos na APAE que estão no mercado de trabalho desenvolvem as atividades há 16 anos. “É cruel esperar que tenham 35 anos de período de contribuição. Alguns são chefes de famílias e famílias que dependem exclusivamente dessa renda.”
A percepção de França não está apenas entre os especialistas. No Congresso Nacional tramita o Projeto de Lei nº 1118, que quer considerar como idoso pessoas com deficiência a partir dos 45 anos. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas está parado no Senado Federal desde 2019, com o nome PL nº401. Acompanhe neste link a tramitação.
No mercado de trabalho
Maria Clara Machado tem 30 anos e trabalha como auxiliar administrativo no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Desde 2017, ela está inserida no mercado. Ela lembra que se sentiu empoderada quando recebeu o primeiro salário. “Gastei cortando o cabelo e comprando meus óculos, fazendo minhas unhas e levando meus pais para jantar”, disse orgulhosa.
Para ela, o trabalho é uma forma de ganhar uma nova experiência. A jovem já trabalhou como auxiliar na Câmara dos Deputados e como vendedora em lojas de joias. Quando não está trabalhando, Maria aproveita para passear com o namorado, que também tem Down e trabalha no TST. Willian Lima da Silva, de 23 anos, é auxiliar de higienização de livros. Ele contou que gosta de ter a própria independência, ganhando o salário e se locomovendo sozinho para fazer o trajeto de casa para o serviço.
Preconceito
Apesar de terem a própria independência, muitas vezes o preconceito com a população com Síndrome de Down é grande. Na semana passada, um caso chocou o Distrito Federal. O jovem Warlley Eduardo Pires, 30 anos, morreu em uma unidade da rede pública de saúde após longas horas de espera por atendimento. A família apontou negligência médica e preconceito, devido à condição de saúde do homem: Warlley tinha Síndrome de Down.
O calvário da família Pires começou no dia 9 de março. Em vídeos, é possível ver o rapaz se debatendo no chão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA II ), no Setor O, em Ceilândia. Maria de Lourdes Pires, 50, mãe de Warlley, informou que, minutos após o registro das imagens, ele começou a perder os sinais vitais. “Morreu nos meus pés”, desabafou a diarista.
No atestado de óbito, uma das causas da morte deixou a família revoltada. O documento listava insuficiência renal, pneumonia, diabetes e Síndrome de Down como motivo da fatalidade.