Pais de alunos do CEF 410 cobram respostas por morte de professor
Retorno do ano letivo no colégio é marcado por luto e preocupação também por parte dos estudantes
atualizado
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Por volta das 6h40 desta segunda-feira (10/02/2020), os alunos do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410 Norte começaram a chegar no colégio para o primeiro dia letivo de 2020. A volta às aulas foi em clima de luto, seis dias após o professor e ex-diretor Odailton Charles de Albuquerque Silva, 50 anos, ter morrido por envenenamento.
Há também uma faixa preta em frente à porta do colégio com os dizeres “CEF 410 Norte em luto”. Ao todo, 678 escolas abrem as portas para receber 460 mil estudantes da rede pública de ensino nesta segunda-feira (10/02/2020).
Mãe de um estudante do 9° ano, a doméstica Maria dos Remédios, 46, foi deixar o filho no CEF 410 Norte na manhã desta segunda-feira (10/02/2020) e demonstrou preocupação. “Nós não sabemos o que aconteceu. É natural que os pais estejam amedrontados com tudo isso. Estou insegura em relação ao colégio, mas enquanto não houver respostas sobre a investigação, não vou me precipitar em tirar o meu menino da escola. Gosto daqui e é o terceiro ano de matrícula dele. Não tinha tanto contato com o professor Odailton, mas vamos acompanhar o desfecho do caso”, disse a mãe.
Um estudante de 13 anos, que está no 8° ano, também comentou o clima de luto. “É triste voltar para as aulas com essa sensação de que algo muito ruim ocorreu. Eu me sinto envergonhado por ter sido no colégio que estudo há três anos. Mas nós gostamos de todos os professores aqui. Também achei legal a gente ter acompanhamento psicológico, para quem quiser e precisar”, ressaltou.
Este é o primeiro ano do filho do auxiliar de serviços gerais José Messias Martins, 47, no CEF 410 Norte. O jovem tem 16 anos e foi matriculado no 9° ano do ensino fundamental. “Nós moramos em Planaltina de Goiás e eu trabalho aqui perto. Matriculei o meu filho no mês passado e confesso que fiquei com muito receio ao trazê-lo hoje. Foi um caso muito grave. Não temos certeza de um envenenamento proposital, mas já pensou se for isso mesmo? É trágico. Achei que não ia ter aula. Agora, vou fazer questão de estar presente todos os dias para a gente demonstrar preocupação e cobrar respostas”, assinalou.
Professores do colégio e um representante do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro) recebem os pais na porta da escola e os convidam para entrar no colégio e acompanhar as primeiras atividades de volta às aulas. A imprensa não tem permissão para ter acesso à instituição de ensino.
Sem se identificar, um pai reclamou da falta de vistoria tanto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como do Corpo de Bombeiros na escola. “São crianças. Não estamos vendo preocupação em relação aos alunos. Queremos saber quais as medidas que podem ser tomadas para que os nossos filhos se sintam seguros dentro do ambiente. Minha filha não queria vir para a escola hoje. Isso é muito ruim”, afirmou.
A professora de psicologia da Unidade de Educação Básica (Unieb) da Coordenação Regional do Plano Piloto, Lídice Dourado Dias Braga, explicou que, nesta primeira semana, 50 profissionais vão fazer o trabalho de orientação e apoio psicológico na escola com alunos e professores. “O objetivo é a gente trabalhar um pouco dos sentimentos e as expectativas com relação à escola. Acalmá-los com relação ao acontecido e certificar que o ano vai transcorrer de acordo com o esperado no sentido pedagógico”, garantiu.
As atividades vão ocorrer nos dois turnos. Os profissionais se dividiram por salas. “Vamos trabalhar com dinâmicas preparadas pela orientação educacional e também pelo serviço de saúde do estudante. É uma ação única de acolhida. Com os pais vamos marcar uma reunião posterior.”
A servidora Daniele Avelino da Cruz, 33, tem uma filha matriculada no colégio e disse que apoia a direção do CEF 410 Norte. “Eu não fiquei com receio nenhum. Muitos pais estão aqui hoje para apoiar a escola. Os alunos estão tranquilos e em paz. Eu não quero acreditar que isso seja verdade. Na época da eleição, havia dois grupos e chegou ao nosso conhecimento que o diretor Odailton formou um para falar mal da outra chapa. Desde então, o clima ficou pesado. De qualquer forma, ele fez um bom trabalho. Eu, como mãe, preferi mudanças e apoio a atual gestão. O professor tinha boa relação com os pais e também era muito rígido”, assinalou.
Alguns pais disseram também que nesta segunda-feira (10/02/2020) os professores titulares do colégio não foram para a escola porque estão fazendo um trabalho na regional. No CEF 410 Norte, estão coordenadores temporários e os profissionais que fazem a acolhida.
Polícia investiga
A Polícia Civil investiga a morte do professor. O CEF 410 Norte passou por perícia. Além disso, dois aparelhos de servidores foram apreendidos e laudos são analisados. Enquanto o caso não é elucidado, a Secretaria de Educação (SEE-DF) e o Sindicato dos Professores (Sinpro) prepararam um esquema diferente para receber a comunidade escolar na 410 Norte.
Antes de morrer, o professor encaminhou áudios a amigos e familiares. Em um deles, disse que começou a passar mal após uma colega da escola, onde atuou por oito anos como diretor, lhe oferecer um suco de uva. Em outro, Charles, como era conhecido, denunciou suposto esquema de “rachadinha” no CEF 410 Norte. Na gravação, o ex-diretor afirmou que levaria a denúncia para a Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto.
O professor termina o áudio manifestando também o interesse de levar o caso à Justiça. “Vou botar no pau esse povo, comigo vai ser tudo na Justiça”, finaliza. Em nota, a Secretaria de Educação (SEE-DF) disse que vai aguardar as investigações policiais e a finalização do inquérito para se pronunciar.
Ouça o áudio:
Nota da escola
A direção do CEF 410 Norte afirmou, em nota enviada à imprensa na sexta-feira (07/02/2020), que nenhum funcionário da escola serviu qualquer “substância líquida” a Charles.
“A única substância líquida que o professor Charles ingeriu no CEF 410 Norte foi água, o que o fez por vontade livre, colhendo-a na sala dos professores diante de outras pessoas que ali estavam”, diz o documento.
Ainda no comunicado, o colégio frisa que, no dia do episódio (30/01/2020), apenas alguns servidores terceirizados e educadores estavam na escola, para preparar as dependências que estavam em obras. “Não havia nenhuma reunião agendada entre a atual equipe gestora e o ex-diretor”, pontuou a direção.
O CEF 410 Norte também salientou que não houve “nenhum processo de transição” entre a administração de Charles e a da servidora escolhida como nova gestora da unidade. Em áudios enviados a amigos, o docente relata que desconfiava de “algo em sua bebida”.
Sobre a alegação, o centro de ensino foi enfático: “O professor Charles, em todo tempo que permaneceu na escola, aproximadamente duas horas, antes de passar mal, em nenhum momento ficou sozinho com a servidora apontada”.
Por fim, a direção assegurou ter realizado todos os procedimentos iniciais de socorro ao docente – ele começou a passar mal dentro da escola. O CEF 410 Norte não se pronunciou a respeito do argumento de Charles de que haveria um suposto esquema de “rachadinha” na unidade educacional.
Enterro
Na última quinta-feira (06/02/2020), amigos e parentes se despediram do professor Charles. O enterro foi realizado no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul.
Em resposta à morte do educador, alunos da instituição estenderam uma faixa de “luto” na fachada do CEF 410. Profissionais do colégio afirmam “não haver clima” para continuarem com as atividades na escola, que passou a ser frequentada, também, por peritos da PCDF.
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