Pai de Necivânia viu a filha ser morta: “Não faz isso com ela”
Estudante de enfermagem foi assassinada a facadas pelo ex-companheiro na frente do filho de 8 anos, nesta quinta-feira (14/11/2019)
atualizado
Compartilhar notícia
Não foi apenas o filho de 8 anos que viu a morte de Necivânia Eugênio de Caldas, 37, na tarde desta quinta-feira (14/11/2019), na QR 217 de Santa Maria. O pai da manicure e estudante de enfermagem, Manoel Eugênio, também presenciou quando Francisco Dias Borges a atacou, no 29º caso de feminicídio no Distrito Federal neste ano.
“Não faz isso com ela! Não faz isso com ela!”, gritou Manoel (na foto em destaque, com a mão no peito), enquanto a filha era esfaqueada pelo ex-companheiro, preso em flagrante. Segundo amigos da família, o pai fez um desabafo emocionado em casa.
“Francisco acabou com tudo! Perdi o chão. Ele tirou a minha menina. Ele acabou com tudo!”, lamentou. Necivânia era o pilar da família, disseram amigos e parentes. Além de estudar, cuidava dos quatro filhos, de outros familiares e mantinha as contas em dia. Ela fazia enfermagem e, de acordo amigos, começaria a trabalhar no Hospital Regional de Santa Maria em breve.
Batalhadora
Amiga de infância da estudante e manicure, a microempreendedora Amanda Guedes de Sousa, 25 anos, contou que Vânia, como era conhecida, se destacava como uma mulher batalhadora e dedicada à família. Segundo a colega, vivia um belo momento, depois da separação de Francisco.
De acordo com a amiga e vizinhos, estava prestes a começar estágio em enfermagem no Hospital Regional de Santa Maria. “Ela estava muito feliz. O pai pagava os estudos. Ele amava muito a filha”, comentou.
Alegre, Vânia gostava de beber uma cerveja gelada com as amigas nos momentos de descontração. “Sem excessos”, lembra Amanda. E sempre ao som de música sertaneja, o estilo favorito da vítima. Vânia tinha uma menina de 5 anos – a única com Francisco – e três meninos, de 8, 17 e 19 anos.
O crime
O irmão de Necivânia teria tentado impedir o crime e também acabou ferido. Vizinhos agrediram o suspeito, que foi preso. A investigação está sendo conduzida pela 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria). É o 29º feminicídio registrado neste ano no Distrito Federal. O acusado do crime utilizou uma arma branca, ainda de acordo com a PM.
Necivânia conduzia a sua moto, uma Honda Bis, com o filho de 8 anos, no momento em que foi abordada por Francisco Dias Borges. Ele chutou o veículo e derrubou a mulher. Depois a esfaqueou no peito, embaixo do braço esquerdo e do direito. O casal havia se separado há uma semana. O suspeito, segundo testemunhas e familiares, sempre batia nela.
O irmão da vítima, Adailton Eugênio de Caldas, também foi ferido ao tentar impedir o crime. Ele foi socorrido pelos bombeiros e levado ao Hospital de Santa Maria. De acordo com a família, o homem tinha ameaçado a ex na semana passada. O filho viu o momento em que a mãe foi assassinada a facadas, e saiu gritando por socorro. “Corre, tia, corre! Francisco está matando a minha mãe”, disse.
O suspeito estaria esperando a vítima na quadra, ainda conforme o relato de testemunhas. Necivânia tinha ido cortar o cabelo do menino e voltava para casa, quando foi atacada.
Covardia
A cada 10 dias, uma mulher é vítima de feminicídio no Distrito Federal. A maioria dos algozes têm histórico criminoso, são presos e, quando são soltos, matam as vítimas. De 1º de janeiro a 7 de novembro, foram registrados 28 casos, número equivalente a todo o ano passado. Entre eles, 67,8% dos autores já tinham passagens por delegacias, segundo dados inéditos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) obtidos pelo Metrópoles.Sete já haviam sido detidos pela Lei Maria da Penha e 12, por outros delitos.
Ainda de acordo com o último levantamento feito pela PCDF, dos 28 assassinatos, os responsáveis foram indiciados em 23 ocorrências. Duas investigações seguem sem conclusão e três homens tiraram a própria vida após o crime. O índice de 93% dos inquéritos finalizados se deve, em boa parte, ao protocolo especial aberto pela polícia.
Neste 2019, o Metrópoles iniciou um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.