Padre do DF é investigado por estupro de adolescente: “Aquilo doía muito”, diz vítima
Sessões quase que semanais de abuso tiveram início em 2014, época em que a vítima estava com 13 anos. Sacerdote foi afastado do cargo
atualizado
Compartilhar notícia
Com quase duas décadas de serviços prestados à Igreja Católica, o padre Delson Zacarias dos Santos (foto em destaque), 47 anos, é alvo de uma investigação na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Ele é acusado de estupro de vulnerável, supostamente ocorrido entre os anos de 2014 e 2021. As denúncias fizeram a Arquidiocese de Brasília afastar o religioso de suas funções.
Por se tratar de uma investigação que envolve menor de idade, as informações sobre o caso não podem ser divulgadas pela polícia e são sigilosas até o final do processo.
No entanto, o Metrópoles apurou, com exclusividade, a abertura do inquérito contra o sacerdote que acumula passagens por paróquias no Riacho Fundo I, Sobradinho e Lago Sul. Além de ministrar aulas no seminário de Brasília e na Faculdade de Teologia (Fateo).
A violência sexual praticada contra um jovem – que não terá a identidade revelada para preservar a integridade da vítima – iniciou-se quando ele tinha apenas 13 anos. Em contato com a reportagem, o rapaz descreveu os longos seis anos e seis meses nos quais sofreu abusos quase semanalmente.
A investida do religioso teria começado na casa paroquial, antes de um casamento, em 2014: “Você se masturba ou assiste pornografia?”, questionou o padre ao então adolescente. O jovem respondeu que não, mas o sacerdote insistiu no assédio.
Na ocasião, o religioso pediu que o jovem se levantasse e abaixasse as calças. O suspeito queria ver o órgão genital do rapaz. “Eu resisti e ele me disse para não ter medo, que ele não faria nada. Nesse momento fiquei assustado, mas confiei. Abaixei as calças e ele tocou no meu pênis”, conta.
“Ele notou que fiquei em choque e pediu que eu levantasse as calças. Depois, voltei a me sentar no sofá em que eu estava. Ele, então, me pediu desculpas e disse que eu não precisava contar nada para os meus pais e que aquilo não aconteceria novamente”, revela.
Apesar da pouca idade, o rapaz diz que sabia que o que havia acabado de acontecer era um assédio. “Tinha consciência de que se tratava de abuso. Por outro lado, acreditei que aquilo não aconteceria novamente e vi sinceridade no padre”, relembra o jovem.
Duas semanas depois, os ataques tornaram a acontecer. “Ele me convidou para o quarto de visitas e pediu que eu me deitasse na cama, para que fizesse uma massagem. Ele me prometeu que não faria nada. Confiei e deixei. Então, eu tirei minha camisa e deitei. O Pe. Zacarias pegou o creme passou em minhas costas e começou a fazer a massagem, em instantes peguei no sono”, relembra.
“Quando acordei, estava sem meu short e ele estava alisando minhas nádegas e minhas pernas. Me dei conta e pedi para me vestir. Ele disse para eu tomar banho e ‘brincou’ dizendo que ia tomar banho comigo, mas eu disse que não. Depois me deu uma toalha limpa e sabonete lacrado e disse mais ou menos assim: ‘Vou tomar banho com você, hein? Estou brincando’. Após o banho me vesti e fui para casa, com um pedido dele: que não contasse a ninguém o que tinha acontecido.”
Segundo a vítima, próximo ao Natal de 2014, ele procurou o religioso na intenção de se confessar, mas teve o sacramento negado. “Ele foi bem sincero comigo, dizendo que não poderia me confessar pois ele estava realizando práticas de abuso comigo”, relembra.
“Papo na cama”
Padre Zacarias é conhecido por ser bastante atuante com o público jovem. A convivência com ele sempre aparentou ser amistosa, para quem via de fora. “Nos momentos em estávamos a sós, ele aproveitava para fazer as ditas massagens. Certo dia, ele intitulou essa prática de ‘papo bed’, ou seja, papo na cama. E me convidava sempre: ‘Vamos para o papo bed?”, conta o rapaz.
“Eu nunca estive confortável com tais atos, mas sempre me senti coagido a fazer aquilo. Por diversas vezes, eu dava um basta e pedia que a sessão de massagens e abusos parassem, o que na maioria das vezes era respeitado sem muitas insistências”, conta o rapaz.
Segundo o jovem, depois de um tempo, as massagens evoluíram para a masturbação. “Ele me colocava na cama, me molestava, abusava e fazia sexo oral para me excitar, o que era inevitável. Em certos momentos, picos de raiva subiam sobre mim, o que me faziam elevar meu tom de voz. Eu falava que não queria mais aquilo”, recorda.
Ao Metrópoles, a vítima disse que sempre viu o sacerdote como uma “boa pessoa”. Que era presenteado com frequência e que encarava o religioso como um pai. “Por muitas vezes ele dizia que me tinha como um filho. Quando eu ficava irritado com os abusos e falava bem sério com ele, ele reconhecia sua falha e sempre me prometia que iria parar, mas sempre voltava a fazer”, lamenta.
Os abusos ficaram ainda mais intensos em meados de abril de 2017, quando aconteceu pela primeira vez a conjunção carnal. “O Pe. Zacarias propôs o ‘papo bed’ e começaram as sessões de abusos. Fiquei sem reação quando ele tirou as calças. Senti meu coração bater forte. Ele forçou a penetração, sem preservativos. Aquilo doía muito”, relembra o rapaz.
“No início eu pedia para parar, depois de um tempo não tinha mais voz para conter as ações e tudo o que eu fazia era deixar a consciência dele trabalhar e perceber o mau que estava fazendo. Eu deixava, não porque gostava, mas porque aceitar e ficar em silêncio era menos dolorido do que fazer força para dificultar o ato”, relembra o rapaz.
A vítima conta que o padre chegou a tirar fotos dele sem roupa. “Eu pegava no sono nu e acordava com barulhos do celular tirando fotos, outras vezes passando o pênis no meu corpo, beijando meus lábios e me depilando. Ele me fez ejacular diversas vezes, e preservava meu esperma em um paninho de limpar óculos e meus pelos em um pote”, revela.
Apesar dos acontecimentos, o jovem diz que nunca teve dúvidas sobre a sua orientação sexual. Que chegou a namorar meninas em algumas ocasiões. “Já que a sua namorada não está aqui para você pegar ela, eu vou te pegar”, teria dito o padre.
Já no início de 2021, um novo ataque voltou a ocorrer. “Em um sábado, ele começou a fazer massagens e pensei que nada fosse acontecer, até que tudo começou a se repetir. Ainda com roupa, ele passava a bunda dele sob meu pênis e insinuava uma penetração, tirou sua calça e continuou, mas quando tentou tirar minha calça eu me levantei. Ele me virou de bruços, tirou minha calça, eu coloquei o travesseiro sob minha cabeça e deixei que a consciência dele agisse”, narra.
Depois desse acontecimento, o jovem se afastou da presença do sacerdote e decidiu denunciá-lo à polícia. Atualmente, o caso corre em segredo de Justiça.
O que diz a Arquidiocese
Procurada pelo Metrópoles, a Arquidiocese de Brasília, em nota, informou que a igreja presta assistência protetiva e psicológica aos envolvidos e instaurou um processo de investigação. Além de ter providenciado o afastamento do acusado de seu ofício sacerdotal.
Leia na íntegra:
“O Sr. Arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa, ao tomar conhecimento da acusação de abuso sexual contra menor feita em desfavor do Pe. Delson Zacarias dos Santos, providenciou prontamente o seu afastamento cautelar da função paroquial, determinando o afastamento preventivo do seu ofício sacerdotal até o efetivo esclarecimento dos fatos impróprios apontados, e deu início à chamada ‘investigação prévia’, atualmente em curso.
Além disso o Arcebispo, recebeu a suposta vítima e seus familiares em audiência, acolhendo e manifestando sua proximidade de pastor, prestando assistência protetiva e psicológica aos envolvidos, zelando e expressando o compromisso da Igreja com a proteção de crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis, em consonância com as normas eclesiásticas promulgadas por São João Paulo II, e completadas pelo Papa Bento XVI e, mais recentemente, aperfeiçoadas pelo Papa Francisco, no Motu Proprio Vos estis lux mundi.
A Igreja de Brasília conta com uma Comissão Arquidiocesana de Proteção de Menores e Pessoas vulneráveis, presidida pelo Padre Carlos Henrique. Nosso compromisso é cuidar que os ambientes de nossas comunidades sejam seguros e confiáveis para as crianças e adolescentes, acolher as vítimas e as testemunhas de eventuais abusos com todo o respeito e cuidado. Nada mais para o momento.
Do Gabinete Episcopal
Sede da Cúria Metropolitana de Brasília-DF, 08 de julho de 2021″
O outro lado
O Metrópoles entrou em contato com o padre Delson Zacarias por telefone nesta sexta-feira (9/7), mas ele disse que somente seu advogado comentaria o caso. A reportagem, então, conversou com Everton Nobre, defensor do líder religioso.
De acordo com Everton, eles ainda não tiveram acesso ao inquérito e também não obtiveram detalhes do afastamento por parte da igreja.
“Ele não foi comunicado formalmente, apenas por telefone, desse afastamento [da igreja]. A gente ainda não teve acesso a nenhum boletim de ocorrência registrado, então ainda não temos conhecimento formal dos fatos que pesam sobre ele. Fica até difícil a gente dar alguma declaração sendo que a gente sabe de boatos. Porque é procedimento formal da igreja afastar preliminarmente, é claro. Então, a gente está aguardando essa comunicação para entender do que se trata ainda, porque nós não temos conhecimento dessas acusações”, afirmou.
Everton diz que padre Zacarias soube do afastamento da igreja na semana passada e que, em seguida, a defesa procurou a Polícia Civil para obter mais informações. “No final da semana passada, ele foi informado, mas nada documentado, de que havia uma investigação e que iriam afastá-lo. Então, ele não está nas atividades da paróquia e está aguardando essa comunicação formal do que pesa contra ele, do que se trata isso, porque é difícil você se manifestar sobre algo que você não tem conhecimento”, disse.
“Quando ele recebeu essa informação [do afastamento da igreja], me falou que havia uma acusação, mas que ele não sabia do que se tratava, então ele pediu para que eu fosse até a delegacia. Só que na delegacia não havia nada registrado formalmente”, acrescentou o advogado.
Questionado se o padre nega ou admite as acusações de abusos, o defensor disse que “não entrou nesse mérito com ele”.
“Eu não entrei nesse mérito com ele, porque eu só posso conversar com ele com relação a isso quando eu tiver acesso a quem é esse menor, quando que aconteceu, como aconteceu, quem seria, qual a localidade. Então, eu não tenho como prestar informações do mérito desse assunto se eu não tiver em posse do que pesa contra ele”, declarou.
Everton disse que irá à Delegacia de Proteção à Criança e do Adolescente (DPCA I) tentar obter cópia da ocorrência, para tomar conhecimento dos fatos.