Paciente com Covid-19 denuncia negligência e morre em hospital do DF
Távulo Cordeiro gravou obras no local onde pacientes estavam internados e precisou pedir para que um dos médicos vissem seu exame
atualizado
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Um paciente internado no Hospital Regional do Gama (HRG) enviou mensagens denunciando negligência na unidade de saúde antes de morrer vítima da Covid-19. Távulo Cordeiro, 44 anos, ficou três dias na unidade de saúde e disse não ter sido assistido, durante a internação, por nenhum médico ou enfermeiro na unidade, onde estava desde a última terça-feira (16/3). O óbito foi registrado na tarde deste sábado (20/3).
Durante a internação, Távulo gravou em fotos e vídeo obras que aconteciam no local, a despeito dos pacientes em estado grave ali internados, todos com suporte de oxigênio.
“Estou agonizando, tive que brigar por um médico”, disse. Em seguida, ele relatou que ninguém sequer olhou a tomografia que foi feita de seu pulmão. “Minha tosse só piorando, mal conseguindo respirar, só me deram soro até ontem”, narra Távulo, que em poucas horas não resistiria.
Por fim, ele completa: “Para piorar, estão abrindo parede no meio das pessoas que precisam respirar. Só os técnicos de saúde fazendo o impossível, tentando aliviar a dor e sofrimento”.
Veja as imagens:
O paciente foi para o Hospital Regional do Gama por decisão da mãe, Francisca Cordeiro, 66 anos, que é servidora na unidade de saúde. Ela conta que os primeiros sintomas surgiram no dia 16. Távulo procurou o posto de saúde do Riacho Fundo, onde foi orientado a voltar para casa e se isolar.
“Esse foi o primeiro erro. O Távulo falou que estava piorando, eu falei pra ele ir na radiologia [do HRG, onde ela trabalha] pra fazer uma tomografia. No mesmo dia ele fez um teste [para Covid-19], deu negativo. Mas eu falei que estava errado. Quando as colegas abriram o resultado da tomografia, mais de 30% do pulmão estava tomado”, contou a servidora.
“Improviso Covid”
A mãe conta que o filho só foi internado no hospital após a intervenção de um médico conhecido. “Sou muito grata ao médico, que não deixou meu filho ir pra casa sem tratamento”, disse. Apesar disso, ela afirma que o filho só foi assistido por outros profissionais ao ingressar na unidade de saúde. Segundo ela, a ala onde o filho ficou é chamado pelos pacientes de “Improviso Covid”.
“Na área de Covid do hospital está uma confusão. Ele reclamou várias vezes que o oxigênio estava ardendo na narina. Isso é porque eles estão dividindo o oxigênio entre os pacientes. Não tem mais”, protestou a servidora. Com o filho no hospital, mas sem cuidados médicos, Francisca tentou várias vezes transferi-lo para outro setor menos conturbado, sem sucesso. “Ontem ele me mandou mensagem dizendo que estava ruim, tinham transferido ele para uma sala”, relatou.
A nova sala ficava no Posto 5 da unidade de Saúde: é a ortopedia, que, segundo ela, foi adaptada para alojar pacientes com o coronavírus. O espaço tem 20 leitos. Foi lá que Távulo gravou as imagens das obras. Antes disso, o paciente contou à mãe, por mensagem, sobre as obras.
“Foram destruir a parede, aquele pó muito fino, para quem está com suporte ventilatório… Fui na direção e falei ‘Vocês estão loucos, vão matar todo mundo que está aqui!’”, prosseguiu Francisca. Ela não sabia que o filho tinha gravado imagens para denunciar à imprensa.
“Fui descobrir que ele mandou pra vocês agora. Não sabia nem o local que ele estava. Ninguém passava informações sobre ele. Isso é horrível, sabíamos porque ele tinha celular e carregador e eu podia entrar por trabalhar lá”, lamenta a mãe.
Ela ainda conta que nessa sexta-feira (19/3) foi visitar o filho e percebeu que ele estava sem medicação. Francisca imediatamente reclamou para a direção da unidade de saúde, que providenciou os remédios. “Eu reclamei às 14h, conseguiram remédio às 17h. Para quem está sem ar, isso é muito tempo”, disse a mulher, com a voz embargada.
“Ele foi atendido e tudo mais, botaram os aparelhos, mas não tivemos mais contato. Quando foi hoje de manhã, ele mandou mensagem para a esposa ‘Amor, tão falando que vão me intubar hoje, eu amo vocês’. Essa foi a última frase dele, foi a última frase que a gente ouviu dele hoje de manhã. E agora ele está morto”, resumiu a mãe. “Estou muito chocada porque vi ele ontem e hoje não vejo mais, falei com ele ontem, mas hoje não falo, não vou mais falar”, completou.
Apesar de trabalhar no hospital, Francisca não tem dúvidas de que o filho foi vítima de negligência. “Foi negligência sim. Se tivesse entrado antes, não teria tido esse resultado, foi negligência sim. Um rapaz jovem, só teria morrido se fosse da vontade de Deus”, afirmou a mãe. “Sempre defendi meu local de trabalho, meu hospital, como sempre chamei. Mas desta vez não. Se foi assim comigo, que trabalho aqui, imagine quantos mais estão sofrendo”, protestou.
Outro lado
Questionada sobre as denúncias de superlotação e de falta de médicos, equipamentos e remédios, além das obras em andamento na unidade de internação, a Secretaria de Saúde (SES) disse que o HRG está trabalhando com alta demanda para que nenhum paciente fique desassistido.
“A direção lamenta a morte do paciente e informa que ele estava na ala reservada para casos de Covid-19, não se tratando portanto de uma ala improvisada. O paciente recebeu toda assistência da equipe médica do HRG”, registrou a pasta, em nota.
A pasta disse ainda que, diante da crescente demanda de pacientes, foi iniciada uma obra na ortopedia para ampliação do número de leitos Covid-19. Por esse motivo, na quinta-feira (18/3), os pacientes da ortopedia foram transferidos para o antigo pronto-socorro pediátrico. “O HRG encontra-se abastecido de EPIs, medicamentos e oxigênio”, finalizou a Saúde.