Ouvidoria da Saúde do DF usa até queixas de mortos para bater meta de produtividade
Denúncia aponta 732 reclamações suspeitas. PCDF investiga se avaliações foram infladas para maquiar índices de resolutividade
atualizado
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A Polícia Civil do Distrito Federal investiga suspostas fraudes no registro de manifestações na Ouvidoria-Geral da Secretaria de Saúde do DF. De acordo com denúncia protocolada no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), existem 732 casos com indícios de irregularidades.
É possível que as demandas tenham sido infladas, assim como as avaliações positivas. O intuito seria elevar os índices de produtividade do órgão.
Conforme apuração da PCDF, parte das queixas enviadas à Ouvidoria – e seguidas de elogios aos servidores – teriam sido feitas por parentes e amigos do chefe do órgão, Marcos Paulo Freire Malgueiro Lopes, e do gerente Thyerys Araruna Almeida.
Em um dos casos, foi usado o CPF de um homem que já morreu. Mesmo com atestado indicando óbito registrado há anos, ele figura como sendo responsável por fazer 58 registros na Ouvidoria da Saúde local.
No relatório da Ouvidoria, também aparecem 81 manifestações de um cidadão que mora em Portugal. Pelo menos no que está computado oficialmente, da Europa ele teria feito reclamações sobre problemas em leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e falta de remédios nos hospitais de Brasília. Apesar de apontar defeitos nos serviços, o homem sempre avaliava as demandas como solucionadas.
Metas
De acordo com a denúncia à qual o Metrópoles teve acesso, a Ouvidoria estipula metas de resolutividade. Em 2019, a produtividade a ser batida era de 40% e a Secretaria de Saúde alcançou o percentual. Em 2020, subiu para 50% e, de acordo com dados da pasta, o índice também foi atingido. Nas duas situações, as planilhas foram elaboradas na gestão de Marcos Paulo, que chegou a ser premiado pelo seu desempenho no cargo.
Porém, no levantamento ainda em investigação pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e aos Crimes contra a Administração Pública (Cecor), os dados foram supostamente fraudados.
Como funciona
As suspeitas pelo alto índice de produtividade começaram porque a resolutividade de uma manifestação só é calculada de acordo com a avaliação do usuário, após o recebimento da resposta.
Ou seja, não basta demandar, perguntar e ser respondido: é necessário dar uma nota para o processo. O cidadão pode, ainda, avaliar como resolvida ou não.
Para tanto, é necessário disponibilizar nome, CPF e contato pessoal. A manifestação não pode ser anônima. Assim, de acordo com a documentação apresentada ao MPDFT, existem mais de 200 demandas atribuídas a apenas quatro pessoas.
Por meio do CPF, foi possível identificar que esses atendimentos teriam sido feitos por Marcos Paulo Freire Malgueiro Lopes e Thyerys Araruna Almeida.
Ocorrências suspeitas
De acordo com a denúncia, há outras 500 ocorrências suspeitas. Ao todo, são 732 registros passíveis de terem sido fraudados.
Em outra situação estranha, o filho do gerente da Ouvidoria aparece como autor de 82 registros, todos com notas elevadas para os atendimentos. A esposa de Thyerys, segundo a denúncia, fez 67 apontamentos e também avaliou positivamente todos eles.
A esposa do ouvidor Marcos Paulo é outra que aparece com frequência na lista de pessoas que demandam o órgão: 21 no total.
O outro lado
Procurada, a Secretaria de Saúde respondeu não ter sido notificada sobre a denúncia de possível fraude no sistema de avaliação de sua Ouvidoria.
O ouvidor informou por meio de nota que “os processos de trabalho da unidade seguem protocolos estabelecidos e controlados pela Ouvidoria Geral e pela Controladoria Geral do DF”, disse. Segundo Marcos Lopes, ele e a equipe dele estão “tranquilos quanto a lisura dos procedimentos e à disposição dos órgãos competentes e da população do DF para quaisquer esclarecimentos e dúvidas”.