1 de 1 DF na real – desobstrução da orla do Lago Paranoá
- Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Marcos André de Oliveira anda em meio à sujeira e lamenta: “É uma pena estar tudo abandonado”. O desabafo do autônomo de 31 anos é sobre a QL 24 do Lago Sul. Situada às margens do Lago Paranoá, a quadra foi alvo de desobstrução da orla. Atendendo a uma determinação judicial, a Agência de Fiscalização (Agefis) removeu grades e muros a 30 metros do espelho-d’água, mas, apesar das promessas do Governo do Distrito Federal (GDF) de revitalização, a área permanece carente de equipamentos públicos.
“Disseram que fizeram isso para devolver o lago para as pessoas, mas quem vem aqui se divertir, se não tem um banheiro, não tem como comprar lanche, não tem onde depositar o lixo? Só passaram o trator e foram embora”, criticou o morador do Lago Sul.
Ele não é o único a demonstrar preocupação com o estado precário da maior parte dos cerca de 80km de margens da bacia artificial. Em agosto de 2015, a atual administração iniciou o processo de remoção das estruturas. O trabalho foi finalizado em janeiro deste ano, com um saldo de 1,7 milhão de metros quadrados desobstruídos, num total de 454 lotes recuados.
Mas, apesar de as remoções terem sido acompanhadas do discurso de “democratização da Orla do Lago Paranoá”, a maioria das áreas não recebeu qualquer tipo de melhoria. O professor e mergulhador Alexandre Motta, 38 anos, se entristece ao contemplar as bordas cheias de lixo e praticamente inacessíveis aos moradores.
Como as pessoas vão ocupar o lago se o governo não coloca uma placa de sinalização indicando os pontos de acesso? Como alguém vai ocupar o lago sem ter o mínimo de segurança? Como vão ocupar isso aqui se o Estado não permite que um comerciante se instale em um metro quadrado para vender um lanche? Se não criarem atrativos, o povo não vai usufruir do espaço
Alexandre Motta, professor e mergulhador
Nesta oitava reportagem da série DF na Real, o Metrópoles aborda como um dos principais cartões-postais de Brasília ficou largado ao relento após a agressiva investida de tratores. E, em vez de revitalização, as demolições empreendidas pelo governo local deixaram um rastro de escombros.
Cenário de destruição
Na QL 28, na altura do Conjunto 4, após os tratores da Agefis derrubarem as cercas, o que ficou foi um amontoado de ferros contorcidos e pedaços de concreto pelo chão. Os moradores do local ainda esperam as melhorias. Alguns, cansados das promessas, decidiram por conta própria refazer o paisagismo na área pública.
“Cada morador tem uma posição em relação às derrubadas e respeitamos todas as opiniões. O que questionamos é o fato de deixarem pior do que estava. Simplesmente derrubaram tudo e não chegaram com a infraestrutura”, explica o presidente da Associação dos Moradores da QL 28 do Lago Sul, Edésio Souza.
9 imagens
1 de 9
Após derrubada de cercas e grades na altura da QL 26 do Lago Sul, espaço foi tomado pelo mato
Rafaela Felicciano/Metrópoles
2 de 9
Na QL 28, tratores da Agefis removeram cercas e grades, mas local nunca recebeu intervenção
Rafaela Felicciano/Metrópoles
3 de 9
Sem lixeiras, frequentadores da orla do Lago Paranoá depositam restos de comida e garrafas em qualquer lugar
Rafaela Felicciano/Metrópoles
4 de 9
Sem acesso à beira do lago, alguns frequentadores abriram trilhas
Rafaela Felicciano/Metrópoles
5 de 9
Parte da orla do Lago Sul não tem coleta regular de lixo
Rafaela Felicciano/Metrópoles
6 de 9
Apesar das promessas do GDF, áreas desobstruídas não receberam melhorias e estão abandonadas
Rafaela Felicciano/Metrópoles
7 de 9
Professor e mergulhador, Alexandre Motta reclama da situação de precariedade de boa parte da Orla do Lago Sul
Rafaela Felicciano/Metrópoles
8 de 9
Na quadra ao lado, benfeitorias prometidas também não chegaram
Rafaela Felicciano/Metrópoles
9 de 9
O autônomo Marcos André Oliveira reclama que, após a desobstrução na altura da QL 24, a infraestrutura não chegou. Lixo toma conta do lugar
Rafaela Felicciano/Metrópoles
Falta segurança
Na parte norte do espelho-d’água, as áreas desobstruídas da orla não foram as únicas deixadas de lado pelo poder público. De embarcações, é possível observar margens totalmente degradadas e com entradas de difícil acesso. Os amigos Manuel Alves e Nelson da Silva, 75 e 63 anos, respectivamente, tiram o sustento do lago há mais de três décadas por meio da pesca.
Experientes, já sabem os atalhos para estacionar o mais perto possível da água antes de colocarem o barco a remo no lago, mas confessam ter medo da violência. “Eu saio para pescar, mas evito perder o carro de vista, porque já tentaram roubar. Apesar de eu ter autorização para pescar, nas poucas vezes em que a segurança apareceu, foi para repreender e dizer onde eu posso ou não trabalhar”, diz Manuel.
Derrubadas seletivas O educador físico e técnico de remo Célio Dias Amorim, 42 anos, apoia a desobstrução, mas não entende por que algumas residências foram poupadas pela Agefis. “Acho que faltou pulso do GDF. Muitas casas permanecem com construções até a beira do lago.”
O Governo do Distrito Federal alega que alguns imóveis no setores de Clubes e de Mansões ficaram de fora das operações por contarem com escritura até a água e, portanto, não permitem intervenção do Estado.
Tendo o lago como seu local de trabalho, Célio acredita faltar vontade política a fim de tornar o espaço convidativo. “As pessoas frequentam o Parque da Cidade justamente porque se sentem atraídas. No lago deveria ser a mesma coisa: temos um parque aquático lindo e público no meio da cidade, mas quem busca fazer uma atividade ao ar livre ainda fica muito dependente dos clubes, pois a Orla do Lago Paranoá tem pouquíssimos pontos de acesso, e os que existem não contam com infraestrutura”, critica.
“Rollemberg foi picareta”
Na avaliação do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB) “manipula” a política de preservação do Lago Paranoá e não deixa claro para a população quais são os reais propósitos para a área.
“O GDF manipula e sabota suas próprias intenções ao não transparecer quais os pontos têm de ser preservados no lago. Temos santuários, nascentes, passagens de água alimentadoras do espelho-d’água, que devem ser protegidas antes de qualquer oba-oba. E isso é inegociável, pois se trata de um compromisso com o futuro de Brasília”, destacou.
O docente ainda chamou o governador de “picareta” pelo modo como lançou um concurso para escolher o escritório de arquitetura e urbanismo para executar o projeto de revitalização da orla. “Fizeram tudo sem consultar a população. Disseram que os moradores puderam se manifestar, mas algo extremamente maldivulgado. Rollemberg foi picareta em suas intenções. Espero que o próximo governo não tenha medo e fique rouco de tanto dialogar com a comunidade”, finalizou.
7 imagens
1 de 7
O servidor Marco Conde mostra sujeira na Orla do Lago Norte
Rafaela Felicciano/Metrópoles
2 de 7
Áreas que não passaram por desobstrução também carecem de melhorias no Lago Norte
Rafaela Felicciano/Metrópoles
3 de 7
Área da Orla do Lago Norte próxima à UnB e em estado de abandono
Rafaela Felicciano/Metrópoles
4 de 7
Os poucos locais de acesso à Orla do Lago Norte não são identificados com placas de sinalização
Rafaela Felicciano/Metrópoles
5 de 7
Pescadores reclamam da falta de segurança às margens do lago
Rafaela Felicciano/Metrópoles
6 de 7
O educador corporal e técnico de remo Célio Dias Amorim entende faltar atrativos para que a população, de fato, usufrua do lago
Rafaela Felicciano/Metrópoles
7 de 7
Andando pela Orla do Lago Norte, é comum encontrar lixo e objetos abandonados
Rafaela Felicciano/Metrópoles
O outro lado
Por meio de nota, o GDF destacou algumas intervenções pontuais, como: a inauguração do Deck Sul; a entrega de uma trilha com 6,5km de extensão entre os Parques Península Sul e Asa Delta, ambos na QL 12; e o início das obras de infraestrutura e urbanização da Praia Norte, no Setor de Mansões do Lago Norte.
“Além dessas entregas imediatas, o governo trabalha com um projeto que irá revitalizar 38km da Orla do Lago Paranoá. A seleção do projeto de urbanismo e paisagismo foi realizada por meio de concurso público. A proposta vencedora foi anunciada em 21 de abril”, diz o texto.
O vencedor do certame foi o arquiteto Eron Danilo Costin, de Curitiba (PR), que deverá trazer sua equipe para desenhar o projeto de revitalização de 38km da orla. Mas, apesar de o contrato já estar assinado, os usuários do lago ainda devem demorar para ver as promessas saírem do papel. Pelas estimativas do Palácio do Buriti, a licitação para decidir qual empresa executará as obras só será feita em 2019.
Veja o que dizem os candidatos ao GDF:
11 imagens
1 de 11
Alberto Fraga (DEM) é formado em direito, administração e educação física, e é mestre em segurança pública. Coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) aposentado, passou pelo MDB e pelo PTB antes de se filiar ao DEM. O candidato lidera a coligação Coragem e Respeito pelo Povo, formada pelos partidos DEM, PR, PP e PSDB.
O parlamentar declarou patrimônio de R$ 4.831.975,79 à Justiça Eleitoral e tem como vice Alexandre Bispo, do PR
Michael Melo/Metrópoles
2 de 11
Alexandre Guerra (Novo): “A desobstrução da Orla do Lago Paranoá tem que ser criticada. Acho um absurdo do jeito que foi feita. Derrubar sem colocar nada, sem planejar uma contrapartida com projetos, não é certo. Está tudo abandonado e virou ponto de drogas. Se fosse feita de forma planejada e organizada, eu poderia ser a favor, mas não do jeito que foi feita”
Michael Melo/Metrópoles
3 de 11
Antônio Guillen (PSTU): "A falta de uma política habitacional para a população mais pobre do DF e o sucateamento da assistência social é parte da política de Rollemberg e dos governos anteriores de colocar as terras do DF a serviço da especulação imobiliária. Há 10 anos, não há concurso para a carreira de assistência social e muitos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) nem sequer possuem assistentes sociais atualmente. Defendemos o fim dos leilões da Terracap e a destinação de 5% do orçamento para a construção de moradias populares, sem custo para a população de baixa renda. Também é preciso contratar mais servidores da carreira de assistência social, abrir novos Cras, albergues, e acabar com o contingenciamento de verbas para os programas de assistência social"
Michael Melo/Metrópoles
4 de 11
Eliana Pedrosa (Pros): “Antes de tudo, vamos garantir a segurança dos usuários e dos moradores naquela região. Não só na prevenção da violência, mas no uso das águas do Lago Paranoá. Então, a partir daí, começaremos a política de incentivar o uso comunitário para práticas de esporte e lazer”
WALTERSON ROSA/ESPECIAL PARA O METRÓPOLES
5 de 11
Fátima Sousa (PSol): “Vamos manter política de desocupação da orla das invasões de luxo, para dotá-la de espaços de convivência e lazer. Porém, com respeito às normas ambientais, regras desrespeitadas em algumas obras. Além de garantir acesso, criaremos mecanismos para que a orla seja frequentada. Por isso, vamos fazer parcerias, ter equipes multiprofissionais de educação física e agentes sociais de esporte e lazer. E é por isso que vamos liberar o Metrô aos domingos, para que quem mora mais longe também possa viver a cidade plenamente”
Michael Melo/Metrópoles
6 de 11
Ibaneis Rocha (MDB): “Sou favorável à desobstrução, mas me preocupa muito o que o atual governador está fazendo, de asfaltar áreas perto do lago, porque fatalmente dejetos escorrem para as águas. Talvez repensaria essa prática. No mais, quero criar parques para que as pessoas tenham acesso ao lago a partir deles, além de dar segurança aos frequentadores e moradores da região. Com isso, você mantém o local público e ao mesmo tempo assegura sua preservação ambiental”
RICARDO BOTELHO / ESPECIAL PARA O METRÓPOLES
7 de 11
Candidato do PT ao GDF, Júlio Miragaya é economista. Foi presidente do Conselho Federal de Economia e presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) de 2012 a 2015, no governo de Agnelo Queiroz (PT). Miragaya disputa uma eleição pela primeira vez. Está em uma chapa puro-sangue – no DF, o PT não se coligou com nenhum partido
FILIPE CARDOSO/ESPECIAL PARA O METRÓPOLES
8 de 11
Paulo Chagas (PRP): “Nossa proposta é muito simples: vamos dar continuidade ao que tem sido feito, pois o maior problema no nosso país é um governo que assume não dar continuidade aos projetos do antecessor, deixando esqueletos pelo caminho. Já que a desobstrução da orla é irreversível, precisamos de um projeto para mantê-la limpa, organizada e com segurança aos seus frequentadores”
Hugo Barreto/Metrópoles
9 de 11
Renan Rosa de Arruda (PCO): “A Orla do Lago Paranoá é pública e, nesse sentido, toda ela deve ser de usufruto da população, com a criação de vias de acesso e de transporte, além de construções de parques, áreas de lazer, banheiros e outros equipamentos públicos que atraiam a população para aquela região”
VINÍCIUS SANTA ROSA/METRÓPOLES
10 de 11
Rodrigo Rollemberg (PSB): “Depois de ter desobstruído 1,7 milhão de metros quadrados de orla e ter entregue o espaço à população, o nosso compromisso é: implantar os três primeiros trechos do projeto do Masterplan da Orla do Lago Paranoá, escolhido por meio de concurso público; terminar a implantação das ciclovias, iluminação e de vegetação da faixa de APP, especialmente nas QLs 10 e 8; e concluir as obras do Polo 03 do Projeto Orla. As obras serão feitas por meio de execução direta pela Novacap, e as mais complexas, por financiamento”
Rafaela Felicciano/Metrópoles
11 de 11
Rogério Rosso (PSD): “O Lago Paranoá é da população do DF, mas também é local de moradia de muitas pessoas. Várias partes do lago já têm acesso ao público e devemos investir cada vez mais para, além de proporcionar diversão, lazer e contemplação, também levar segurança e conforto a todos que usufruem dele”
JP RODRIGUES/ESPECIAL PARA O METRÓPOLES
Quer ficar ligado em tudo o que rola no quadradinho? Siga o perfil do Metrópoles DF no Instagram.