Operação Hórus: moradores do Sol Nascente relatam agressividade de PMs
Segundo denúncias, os policiais eram donos de terrenos grilados na região. Os militares faziam patrulhas nas propriedades e expulsavam quem ocupava as áreas
atualizado
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Um dia após a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) deflagrarem a Operação Hórus e prenderem sete policiais militares por grilagem de terras no Sol Nascente, a reportagem do Metrópoles foi até o setor habitacional e ouviu pessoas que se dizem vítimas dos acusados. Os moradores contam que os policiais agiam como donos de terrenos na região e, quando estavam em serviço, faziam patrulhas nas propriedades e expulsavam quem ocupava as áreas sem autorização deles. Os relatos coincidem com a investigação que resultou na denúncia do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
“Cheguei a comprar um lote, em 2015, por R$ 40 mil. Quando comecei a levantar as paredes, um policial parou a viatura e me obrigou a sair. Por ele ser PM e como eu sabia que era terreno irregular, retirei os materiais e saí. Uma semana depois, soube que ele estava vendendo o terreno para outras pessoas”, contou a moradora que pediu para não ser identificada. A área fica no Condomínio das Acácias, no Sol Nascente.
O negócio é tão rentável que a reportagem encontrou um lote sendo ofertado por R$ 90 mil. “Os grileiros brigam feio por essas terras. Tem gente de toda espécie por trás. Há muito dinheiro envolvido e eles protegem as propriedades. É normal ver esses PMs fazendo ronda nos lotes. Quem mora aqui sabe exatamente quais terrenos são de PMs. Eles sempre passam nos mesmos locais no fim da tarde”, relatou outra moradora. “Ou seja, entra polícia no Sol Nascente, sim, mas não nos sentimos seguros porque eles estão protegendo o que é deles, não a gente”, reclamou.
Grilagem
A suposta participação de policiais militares no parcelamento irregular do solo na cidade, considerada uma das maiores favelas da América Latina, foi revelada pelo Metrópoles. Em 2017, uma reportagem especial mostrou que o medo e a grilagem dominavam o Sol Nascente.
As construções irregulares estão por toda parte. Os grileiros fazem aterramentos, degradam a natureza e parcelam lotes. Cada unidade pequena, de até 200 metros quadrados, é vendida por um preço médio de R$ 30 mil.
A comercialização é fácil e rápida. Muitas vezes, a dívida é quitada em apenas uma parcela ou paga com a entrega de carros ou imóveis em outras regiões do DF. Os anúncios são feitos por meio de faixas e em sites de venda na internet.
Milícia
Um dos policiais militares presos é tio da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Acusado de participar de uma milícia responsável pelo esquema, o primeiro-sargento João Batista Firmo Ferreira é irmão de Maria Aparecida Firmo Ferreira, mãe de Michelle, esposa do presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
A denúncia do MPDFT a qual o Metrópoles teve acesso descreve que Firmo, assim como outros investigados, “negocia lotes de ‘beco’ [áreas destinadas originalmente para passagens de pedestres] esbulhados na cidade de Ceilândia e outros terrenos de áreas públicas ‘griladas’”.
Um dos diálogos, conforme a denúncia, confirma o modo de agir da organização criminosa, que se valia de violência para expulsar pessoas dos lotes de interesse.
Em uma das conversas grampeadas, de 31 de julho de 2015, o primeiro-sargento comenta “que tem um vagabundo querendo invadir a chácara de novo”. “João narra que falou para o cara ligar pra ele cedo, porque ele vai ‘arruma’ (sic) uns pistoleiros. João diz que já mobilizou ‘uns polícias’ (sic) lá para ajudá-lo”, transcreve um trecho da denúncia.
A atuação de Firmo na venda de lotes é destacada em outras conversas. Em 16 de junho de 2015, ele disse que vendeu um barraco “na 115” por R$ 60 mil. O interlocutor questiona se o governo não demoliu e ele responde “que derrubou, mas já construiu novamente, murou e já tem gente morando lá e que a pessoa que comprou vende por R$ 80 mil”. “João diz que está terminando um outro barraco no outro setor”, completa o relato do grampo telefônico.
Os investigadores afirmam, ainda, que a análise dos dados bancários de João Firmo reforçaram o vínculo dele com a organização criminosa. Foram identificadas duas transferências para Francisco Cardoso, em 27 de julho de 2015, que totalizam R$ 8 mil.
Operação
De acordo com as suspeitas dos investigadores da PCDF e do MPDFT, os alvos estariam agindo como milicianos e atuariam para beneficiar o esquema ilegal de parcelamento de terras no Sol Nascente, região considerada uma das maiores favelas da América Latina.
O pedido de prisão preventiva de João Batista foi expedido pela Auditoria Militar do Distrito Federal. O MPDFT e a PCDF também cumpriram 15 mandados de busca por meio da primeira fase da Operação Hórus, que foi acompanhada pela Corregedoria da PM. João Batista é morador e conhecido na região. Segundo os investigadores, os acusados foram responsáveis pelo surgimento de dezenas de loteamentos ilegais na área.
À reportagem, a PMDF afirmou que colaborou com as investigações e que o caso corre sob sigilo de Justiça. O Palácio do Planalto foi acionado, mas não havia se pronunciado até a última atualização desta matéria. A operação esteve sob comando da Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e aos Crimes contra a Ordem Tributária (Cecor) para combater a grilagem de terras do Setor Habitacional Sol Nascente. O MPDFT atua na ação por meio do Gaeco.
Organização criminosa
É um desdobramento de investigação iniciada na 19ª Delegacia de Polícia (P Norte) há oito anos. Ao longo da apuração, foi identificado, dentro da organização criminosa, um núcleo que atuava como braço armado para cometer crimes relacionados às invasões de terras – entre eles, ameaças e homicídios.
Essa primeira fase é voltada justamente à desarticulação desse núcleo, composto por policiais militares denunciados pelo Gaeco, pelo crime de organização criminosa. De acordo com o MPDFT, eles eram responsáveis por proteger e dar suporte aos grileiros, bem como por comercializar parte dos terrenos. As investigações têm como base informações contidas em inquérito policial militar instaurado pelo Departamento de Controle e Correição da PMDF para apurar os fatos.
A ação foi batizada de Hórus – o deus do sol, segundo a mitologia egípcia. É uma referência ao Sol Nascente.
Veja o nome dos PMs presos:
Agnaldo Figueiredo de Assis
Francisco Carlos da Silva Cardoso
Jair Dias Pereira
João Batista Firmo Ferreira
Jorge Alves dos Santos
José Deli Pereira da Gama
Paulo Henrique da Silva
Véi da 12
Outro investigado na Operação Horus é o sargento José Claudio Bonina, conhecido como “Véi da 12”. Promotores e policiais cumpriram um mandado de busca e apreensão na casa dele. Não há mandado de prisão contra o militar. Ele é conhecido por ostentar um revólver calibre .12. Costuma fazer muitas apreensões de drogas e armas. Nas últimas eleições, candidatou-se pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) a deputado distrital, mas não foi eleito.