Operação do BRB para salvar Correio Braziliense entra na mira do MPF por suspeita de fraude
Investigadores afirmam que empréstimo, viabilizado pelo Banco de Brasília, está entre irregularidades alvos da Operação Circus Maximus
atualizado
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Uma operação financeira montada com o objetivo de salvar da falência o jornal Correio Braziliense entrou na rota dos procuradores da República que investigam esquema criminoso de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de influência e pagamento de propina envolvendo o Banco de Brasília (BRB).
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a suspeita é de que empresários, funcionários públicos e agentes financeiros autônomos agiram no sentido de obter vantagens ilícitas do BRB, um banco público, que tem 96,85% das ações ordinárias controladas pelo Governo do Distrito Federal. Estima-se, segundo farta documentação da Justiça e do MPF, que o esquema teria movimentado R$ 400 milhões, sendo que, pelo menos, R$ 40 milhões teriam sido pagos em propinas.
Entre os três empreendimentos citados como suspeitos na decisão da 10ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), está a recuperação financeira do jornal Correio Braziliense, que há alguns anos acumula dívidas milionárias, repercutindo no atraso de salários e benefícios, como pagamento de férias e 13º de seus empregados, no não recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de seus funcionários e na manutenção de seu quadro de pessoal. Uma crise que atinge todo o grupo Diários Associados.
Com dificuldades de obter crédito no mercado por falta de garantias, o jornal se viu na dependência de uma operação de resgate que veio pelas mãos do governo de Rodrigo Rollemberg (PSB). Reuniões registradas em atas, as quais o Metrópoles teve acesso, tinham como objetivo encontrar uma solução para enquadrar o Correio Braziliense em uma classificação de risco capaz de sustentar um aporte financeiro para o qual eles não tinham lastro.
Para conceder empréstimos, especialmente se o banco é público, os diretores assumem responsabilidade solidária de garantir que o beneficiário não vai lesar o patrimônio da instituição. Mas, no caso do Correio Braziliense, já rolando dívidas em outros bancos, os dirigentes do BRB alertaram que não havia segurança para a realização do empréstimo.
Como o jornal tinha uma classificação de risco incompatível com o empréstimo pretendido, de R$ 56 milhões, a cúpula do BRB encontrou uma saída – agora sob suspeição. Se não era possível mudar a avaliação mercadológica do jornal no auge de sua crise, que era “A-“, a providência escolhida foi alterar o Manual de Risco da BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM).
Houve, assim, a reedição do protocolo que exigia nota mínima de “A” no Comitê de Crédito e no Manual do BRB. E o novo pré-requisito foi rebaixado para “A-“, uma iniciativa sob medida para atender o negócio.
Para formalizar a operação, o banco precisava de garantias de que não estaria exposto a um calote, já que tem de dar satisfação a acionistas, correntistas, servidores e GDF. Assim, o Correio Braziliense entregou, em alienação fiduciária, seu imóvel sede, na Quadra 2, Lote n° 340 do Setor de Indústrias Gráficas (SIG). A negociação foi feita na forma da emissão de debêntures, que são títulos de crédito referentes a um empréstimo.
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Em agosto de 2016, o BRB adquiriu o ativo e repassou o dinheiro ao Correio Braziliense. Respeitado o prazo de carência, o jornal teria de iniciar a quitação de seu empréstimo em 36 prestações, com pagamentos mensais de juros e intermediárias, de seis em seis meses, equivalentes a um sexto da dívida total. A primeira parcela foi acertada em maio de 2017, mas, em dezembro, quando venceria a segunda quota, o Correio Braziliense não conseguiu honrar o compromisso.
Ingerência política
O procedimento ortodoxo em uma situação como essa seria a execução da dívida a pedido de qualquer um dos acionistas do banco. Nesse momento, houve grande ingerência política do governador Rodrigo Rollemberg para assegurar que o prédio do jornal não fosse tomado pelo BRB. No balanço financeiro do banco, há inúmeros imóveis arrestados pela instituição que disponibiliza os bens para a venda em leilões.
Mais uma vez, os agora ex-diretores do banco, presos preventivamente desde terça-feira (29/1) pela Operação Circus Maximus, se prontificaram a mudar procedimentos internos para atender aos negócios do jornal. Em maio de 2018, a BRB DTVM convocou seus cotistas para uma assembleia geral extraordinária com o objetivo de avaliar a proposta de reestruturação da dívida do Correio, em virtude do não cumprimento de obrigações financeiras (pagamento da amortização e juros contratados).
Alguns diretores chegaram a demonstrar desconforto e preocupação com as consequências de uma operação tão fora dos padrões para atender a um cliente privado. Até porque, pairavam dúvidas sobre a execução do imóvel que tinha sido dado em garantia em outras negociações.
A vacina para neutralizar resistências internas e criar um suposto ambiente de legalidade já existia desde 2015, quando o então presidente do BRB, Vasco Cunha Gonçalves, agora preso na Papuda, mudou norma do banco que proibia a contratação de parentes de diretores. Na ocasião, segundo afirma o juiz federal da 10ª Vara do TRF-1, Vallisney de Souza Oliveira, baseado em delações premiadas, membros da instituição financeira alteraram o estatuto do BRB para permitir a nomeação de familiares.
A mudança possibilitou que Marco Aurélio Monteiro de Castro, cunhado de Vasco, fosse o responsável justamente pela Diretoria de Controle. Ele passou a chefiar a área de auditoria e compliance do BRB. A intenção era de que não houvesse “empecilhos ao andamento e desenvolvimento da organização criminosa recém-instalada”, diz a decisão do magistrado, que embasa os pedidos de prisão preventiva e temporária.
Com as bênçãos do governo e as normas moldadas para a realização do novo negócio, os cotistas deliberaram, na assembleia do dia 22 de maio, sobre dois cenários. O primeiro previa a aprovação da proposta do Correio Braziliense que ampliava o vencimento do empréstimo de três para cinco anos, com pagamento de juros a partir do 13º mês, amortização a partir do 25º mês, rentabilidade de 140% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) e liquidação final no vencimento.
O segundo cenário, por sua vez, reprovava o plano apresentado com pedido de abertura do procedimento de execução da alienação fiduciária do imóvel sede do Correio Braziliense.
Na deliberação, registrada na ata da assembleia, o cotista responsável pelas contas da Fundação e Apoio à Pesquisa do GDF (FAP-DF), que representam mais de 90% do total de cotas, enviou manifestação de voto favorável, posicionando-se, então, pela aprovação da proposta de reestruturação.
A renegociação, na prática, resultou na dilatação do prazo de pagamento da dívida e na redução substantiva dos juros, que caíram de 12% para 8,5%.
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Outras suspeitas
Além da recuperação financeira do Correio Braziliense, dois empreendimentos estão no centro da investigação da força-tarefa da Greenfield, do Ministério Público Federal: o Edifício Praça Capital, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA); e o LSH Lifestyle Hotel, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
O líder do esquema, segundo os investigadores, era Ricardo Leal, apelidado de Chuck, Criança ou Kid, pela precocidade com que iniciou suas peripécias financeiras. Leal foi arrecadador das campanhas de Rodrigo Rollemberg (PSB) ao Senado (2010) e para o Governo do Distrito Federal (GDF) em 2002 e 2014. Desde 2015, ele assumiu o comando do Conselho de Administração do BRB, indicando vários nomes de sua confiança para o corpo diretivo do banco.
Leal está entre os investigados da Operação Circus Maximus que tiveram prisão decretada pelo juiz Vallisney Oliveira. Na decisão que embasou uma série de autorizações judiciais para cumprimento de prisões e diligências de busca e apreensão, o magistrado descreve “um cenário de possíveis crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e tráfico de influência supostamente praticados por empresários, funcionários públicos e agentes financeiros autônomos em dois empreendimentos e, potencialmente, um terceiro”.
No primeiro caso citado pela ação do MPF, integrantes do BRB teriam recebido propina em troca de investimentos do banco no LSH Lifestyle Hotel, antigo Hotel Trump. O aporte do Banco de Brasília em empreendimento carioca que não se mostrava bom negócio para a instituição foi realizado mesmo assim – na base de vantagem indevida, sabe-se agora.
Para construir o hotel, a LSH foi ao mercado e lançou debêntures (títulos de dívida) junto a instituições financeiras para a captação de recursos. A operação totalizou R$ 80 milhões, em valores corrigidos. Desse total, 42% são do BRB, ou seja, R$ 33,6 milhões. O banco entrou de cabeça no negócio, adquirindo, administrando e custodiando o fundo por quase quatro anos, entre 2013 e 2017.
Praça Capital
Outro empreendimento suspeito citado pelos investigadores é o edifício Praça Capital. Segundo o MPF, na captação de recursos junto ao BRB feita pela sociedade formada entre as empreiteiras Odebrecht e Brasal, “a estrutura criminosa se repete”. O Ministério Público Federal detalha que integrantes do banco cobravam vantagens indevidas para a aquisição de cotas em fundos de participação do complexo construído às margens da EPTG.
“Pelo seu insucesso, [o Praça Capital] causou notável prejuízo aos investidores e beneficiários dos fundos de investimento, tanto mais pela irresponsabilidade de dirigentes e gestores que investem milhões em negócios aparentemente fadados a dar prejuízo”, destaca o MPF.
Outro lado
Todos os citados foram procurados pela reportagem. O BRB afirmou, em nota, apoiar e cooperar “integralmente com todos os órgãos competentes que conduzem a operação”. Pontuou, também, que a ação corre em segredo de Justiça e todas as informações serão repassadas exclusivamente às autoridades policiais. “O BRB adotará todas as medidas judiciais cabíveis visando preservar o banco e suas empresas controladas”, completou.
Segundo o LSH Hotel, os fatos investigados referem-se a um período anterior à atual administração da companhia. Frisou, ainda, que a empresa colabora com a PF e o MPF. “O LSH Hotel se mantém operando normalmente e sem impacto para os hóspedes”, concluiu.
O advogado Marcelo Bessa, do Grupo Brasal, uma das empreiteiras responsáveis pelo Praça Capital, afirmou que “a empresa não cometeu nenhum ato ilícito, nem seus executivos. A companhia tem certeza de que as investigações demonstrarão a lisura de seus atos e empreendimentos”.
Na edição impressa de quarta (30), o Correio se manifestou sobre as acusações. O jornal disse que “a emissão de debêntures mencionada na decisão judicial foi uma operação estruturada, que seguiu todas as regras do mercado financeiro. Ressalta ainda que toda a operação foi balizada em garantias reais e que a empresa não foi alvo de nenhuma medida investigativa relativa à operação. O Correio vai procurar as autoridades para se colocar à disposição e esclarecer qualquer dúvida”.
Por meio de nota, o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes) anunciou que Vasco Cunha Gonçalves deixou o cargo de diretor-presidente da instituição na tarde dessa terça-feira (29). “A renúncia foi formalizada em carta escrita de próprio punho e encaminhada ao governador do estado, tendo o Banestes informado a decisão ao mercado.”
Em função dos fatos tornados públicos na Operação Circus Maximus, totalmente alheios ao Banestes, a administração do banco designou o diretor de Tecnologia da instituição, Silvio Henrique Brunoro Grillo, para exercer interinamente o cargo de diretor-presidente, acumulando as duas funções.
O futuro diretor-presidente do Banestes será indicado pelo acionista controlador da companhia, o governo do Espírito Santo, e eleito pelo Conselho de Administração do banco, sendo posteriormente submetido à aprovação dos órgãos competentes. Ao mercado, o Banestes destacou que os fatos investigados “são referentes exclusivamente ao BRB”.
As defesas dos demais citados não haviam sido localizadas até a última atualização desta reportagem.