ONG cobra notas de asfalto público na porta da fazenda de Liliane Roriz
A propriedade da deputada teve 1,5km de extensão pavimentado. A Adote um Distrital quer saber se o serviço contou com recursos do Estado
atualizado
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A ONG Adote um Distrital entrará com uma representação junto à Câmara Legislativa para pedir que a deputada Liliane Roriz (PTB) mostre as notas fiscais do serviço de pavimentação realizado na entrada de sua fazenda, em Luziânia (GO). Pairam suspeitas de que a parlamentar tenha feito um acordo com o Governo de Goiás para expandir as obras públicas de asfaltamento da GO-425 – ligação entre Luziânia e o Jardim Lago Azul, no Novo Gama – até a porta da sua propriedade.
Com um contrato de R$ 14 milhões para fazer benfeitorias nos 12km da rodovia, a empresa Eletro Hidro Ltda. (EHL) admitiu ter feito a reforma que levou melhorias à Fazenda Palma. Nesta terça-feira (28/11), o Metrópoles mostrou que a estrada vicinal de acesso ao imóvel da distrital recebeu 1,5km de asfalto. Apesar da proximidade, edificações vizinhas permanecem com barro e poeira na entrada.
A companhia confirma a realização do serviço, mas nega ter feito as intervenções com recursos públicos. “Recebemos do proprietário para fazer o serviço. Não vamos divulgar o contrato porque é um serviço privado”, afirmou um representante da gerência de gestão de contratos da empresa.A deputada Liliane Roriz se mantém em silêncio sobre o caso. A falta de explicações da representante da CLDF provocou reação da ONG Adote um Distrital. “Estamos cansados de pedir providências e a Câmara não fazer nada. Vamos pedir as informações relacionadas aos gastos e tentar entender por que as outras fazendas não foram asfaltadas. As pessoas assumem cargos públicos e acham que as coisas públicas são delas”, lamentou a coordenadora da ONG Adote um Distrital, Jovita José Rosa.
Segundo ela, um político não pode usar sua influência para conseguir benefícios com dinheiro público. “É um contrato com o governo. Se ela apresentar as notas, saberemos que o serviço foi correto”, completou.
Investigação necessária
O economista da associação Contas Abertas Gil Castelo Branco defende uma investigação rigorosa sobre o suposto favor. “É preciso saber se esse foi um favor cobrado junto com a obra, se foi um acordo com a empresa, com o governo ou se a deputada pagou mesmo pelo serviço. Esse tipo de vantagem aparentemente indevida não pode passar sem apuração”, disse.
A benfeitoria teria sido uma promessa feita há anos pelo governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), ao ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Os dois são aliados históricos e foram, no começo da carreira política, filiados ao PMDB.
A reportagem do Metrópoles esteve no local e constatou que o novo piso extrapola os limites da estrada pública e segue inclusive cerca adentro, em direção à fazenda da filha mais nova de Joaquim Roriz. Depois da porteira, é possível ver bois e vacas andando no asfalto recente.
A pista principal já ficou pronta, mas homens da EHL ainda trabalham no trecho da propriedade de Liliane. A Agência Goiana de Transporte e Obras (Agetop) – órgão do Governo de Goiás responsável pela seleção da empresa – afirmou que “não realiza obra em propriedades particulares” e que não não executou a pavimentação do acesso à fazenda de membros da família Roriz.
A agência ressaltou ainda que os contratos assinados entre a Agetop e empresas contratadas são auditados pelo Tribunal de Contas de Goiás (TCGO) e pela Controladoria Geral de Goiás, que não permitiriam a formalização de obras irregulares. “A Agetop não se responsabiliza pelas obras executadas pela EHL que não são objetos do contrato firmado com a Agência”, comunicou.
Improbidade administrativa
Se ficar constatada a fraude em licitação e demonstrado o desvio de finalidade administrativa do contrato com a Eletro Hidro Ltda. (EHL), a deputada pode sofrer um processo de improbidade administrativa. Segundo o artigo 39 da Constituição Federal, uma condenação desse tipo resulta em perda da função pública e devolução do dinheiro, além de perda dos direitos políticos.
“É preciso analisar o caso desde o pregão eletrônico. A pavimentação da fazenda estava prevista em contrato? Ela foi mesmo paga pela parlamentar? Se ficar demonstrado o desvio de finalidade no ato administrativo para benefício da parlamentar, cabe a improbidade”, disse o professor de direito constitucional Max Kolbe.
O responsável por investigar o caso é o Ministério Público de Goiás (MPGO). No entanto, até a última atualização desta reportagem, nenhum promotor havia se manifestado.
Repercussão na CLDF
Entre os parlamentares da Câmara Legislativa, a maioria dos deputados distritais ouvidos pela reportagem defendeu uma investigação rigorosa. “Se constatado que houve o uso de recursos públicos, é crime, e a Justiça precisa tomar providências. Ninguém pode, por ter boa relação, se beneficiar de dinheiro público. Esse é o tipo de coisa que não cabe mais na sociedade”, criticou Ricardo Vale (PT).
Mais ameno, o deputado Reginaldo Veras (PDT) afirmou não ter uma posição sobre o assunto, mas destacou que toda a região está sendo beneficiada por obras do governo local. “O Governo de Goiás tem feito a pavimentação de muitas estradas. Aquela região é uma grande produtora de laticínios. Por isso, ainda não vejo nada de errado”, defendeu Veras.
Alvos de gravações feitas pela deputada Liliane Roriz que resultaram na Operação Drácon, os distritais suspeitos de receberem propina para aprovar emendas preferiram adotar discrição em relação ao episódio envolvendo a delatora e colega de Casa. Foi o caso de Julio Cesar (PRB), Bispo Renato Andrade (PR) e Raimundo Ribeiro (PPS).
Já Cristiano Araújo (PSD) e Celina Leão (PPS) defenderam que a ex-aliada apresente documentação a fim de comprovar a contratação da empresa. “Não vimos ainda o contrato. Se foi feito com dinheiro público, precisa ser investigado. Aquela fazenda é muito valiosa. Com algumas cabeças de gado, ela já pagaria a pavimentação”, ironizou Cristiano Araújo.
“São denúncias graves, e os órgãos de controle precisam apurar”, resumiu Celina.
Condenada
Enquanto cuida de seus negócios privados, a deputada distrital trava uma batalha na Justiça para manter seu cargo eletivo. Condenada a 4 anos, 5 meses e 8 dias em regime semiaberto e ao pagamento de R$ 32,4 mil por compra de votos, pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), Liliane teria o pedido de cassação analisado pela Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) em 22 de novembro. A análise, porém, acabou adiada para esta quarta (29).
A parlamentar também será ouvida na 2ª Vara de Fazenda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), sob a condição de testemunha no processo da Operação Drácon, a respeito de um suposto esquema de corrupção em que distritais são suspeitos de aprovar emendas parlamentares em troca de propina. Liliane encontra-se de licença médica da CLDF e deve retornar ao trabalho nos próximos dias.