Oficiais da PMDF debocharam do alerta de que golpistas estavam “preparados para a guerra”
Mesmo recebendo a informação de que haveria risco de violência em 8 de janeiro, policiais militares responsáveis pelas tropas riram
atualizado
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Os oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) presos e afastados após a deflagração da operação Incúria debocharam do alerta de que golpistas estavam “preparados para a guerra”, antes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. A denúncia, oferecida pela Procuradoria-Geral da Republica (PGR), cita as falas controversas dos militares, que formavam a cúpula da corporação na época dos atentados às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Antes do dia 8 de janeiro, a cúpula PMDF recebeu a confirmação da chegada de 74 ônibus ao DF, com público de aproximadamente 5.500 pessoas em toda a extensão da Praça dos Cristais, no acampamento montado nas imediações do Quartel-General do Exército.
Na noite de 7 de janeiro, o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra recebeu a informação de uma fonte dele, não identificada na denúncia, que antecipava as intenções dos golpistas. “Os insurgentes estariam preparados para uma ‘guerra’, para ‘tudo ou nada’, dispostos, inclusive, a confrontos fatais, sem intenção de retroceder”, diz o documento da PGR, enviado ao STF.
Segundo a fonte, os riscos não poderiam ser subestimados e que a situação estaria mais “séria do que muitos brasileiros estão imaginando”.
A informação com o alerta foi repassada para o coronel Klepter Rosa Gonçalves, então subcomandante da PMDF e posteriormente indicado para o comando da tropa, e para coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF em 8 de janeiro de 2023.
Logo depois, tendo conhecimento do alerta, os policiais militares compartilharam uma notícia publicada pelo Metrópoles, em que o governador Ibaneis Rocha (MDB) afirmou que as manifestações estavam liberadas na Esplanada se fossem pacíficas. Os oficiais trataram a informação com deboche e risos, teclando: “vai dar certo”, Rsrs. Vai sim”.
Sem Força Nacional
Em outra troca de mensagens, outro oficial da corporação, o major Flávio de Alencar, teria dito ao coronel Marcelo Casimiro que não permitiria “a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu? Não vou autorizar”, disse, na véspera dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Os dois estão entre os militares presos e afastados dos cargos nesta sexta-feira (18/8), durante operação conjunta da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A mensagem consta na denúncia apresentada pela PGR. Segundo os procuradores, os oficiais conversaram após receberem a informação de que o ministro da Justiça, Flávio Dino, tinha autorizado a presença da Força Nacional para garantir a segurança na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro.
O coronel relativizou o eventual emprego da Força Nacional, ponderando que, caso o governador autorizasse, as tropas nacionais atuariam apenas em pontos distantes da Esplanada e da Praça dos Três Poderes ou especificamente para proteção do Ministério da Justiça, Asa Norte e Aeroporto Internacional de Brasília.
Na sequência, Flávio, então responsável pelas tropas em campo no dia 8, reforçou que “confrontaria” eventual presença da Força Nacional. “Coronel, vou falar uma coisa pro senhor. Eu não tenho medo de ninguém, não, Coronel. Se eu sou o comandante aqui da área, a área é minha. Eu não vou autorizar, não. Já vou deixar o senhor ciente”.
Na avaliação da PGR, a conduta dos oficiais foi decisiva para os desdobramentos dos atos golpistas de 8 de janeiro.
“Diante de todos os riscos já conhecidos pelos oficiais da PMDF, não se contentaram os denunciados com o emprego de um efetivo deficiente, com o desiderato de permitir que os ataques aos Três Poderes se concretizassem. Os denunciados tinham receio de eventual atuação eficaz das forças federais, o que poderia comprometer a ação golpista”, argumentou a PGR.
“Por todo o exposto neste tópico, vê-se que a atuação isolada ou conjunta dos oficiais de alta patente denunciados teria sido suficiente para evitar os resultados lesivos ocorridos em 8 de janeiro de 2023”, ressaltou a denúncia.
Fake news
A denúncia da PGR contra os integrantes da cúpula da PMDF revela troca de fake news e mensagens conspiratórias sobre as eleições de 2022. Também mostra que os oficiais envolvidos sabiam dos riscos dos atos marcados para o dia 8 de janeiro e não agiram como deveriam.
Em um dos diálogos, a dois dias do segundo turno das eleições de 2022, o coronel Klepter Rosa Gonçalves – que era subcomandante da corporação na data das ações golpistas – compartilhou com o então chefe da PMDF, coronel Fábio Augusto Vieira, áudios atribuídos falsamente a Ciro Gomes, no qual fala em afastamento de “Xandão”, em referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que agora decretou a prisão de ambos.
De acordo com os áudios, na hora da confirmação da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República seria “restabelecida a ordem, se afasta Xandão [sic], se afasta esses vagabundo tudinho [sic] e ladrão, safado, dessa quadrilha”. “Não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido, como o Lula, voltar ao poder”.
Veja prints dentro da denúncia da PGR:
A mensagem compartilhada pelo comandante-geral diz ainda que o Exército teria preparado um golpe de Estado, que demandaria, como primeiro passo, levante popular com “o povo nas ruas”.
No mesmo dia, o coronel Fábio enviou a fake news ao coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, então comandante do 1º Comando de Policiamento Regional, responsável pela segurança da Esplanada dos Ministérios.
Após a vitória de Lula nas urnas, em 1º de novembro, Casimiro enviou a Fábio um quadro com três alternativas contra a posse do petista: suposta aplicação do artigo 142 da Constituição Federal; intervenção militar; e intervenção federal por iniciativa militar.
“Perspectiva golpista”
A PGR enfatiza na denúncia contra os militares que os conceitos apresentados por Casimiro ao então comandante-geral da PMDF tinham explicações “equivocadas e incompatíveis com a ordem constitucional”. Segundo a acusação, ainda em “perspectiva golpista”, Casimiro compartilhou: “Precisamos de uma intervenção federal, com a manutenção de Bolsonaro no poder!”.
No mesmo dia, Casimiro enviou ao chefe da corporação um vídeo com informações falsas sobre suposta fraude nas urnas eletrônicas. Em resposta, ele disse que “a cobra iria fumar”.
A PGR enfatiza que a cúpula da PMDF estava “contaminada ideologicamente” e esperava “insurgência popular que poderia assegurar a permanência de Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República”.
“Não houve ‘apagão de inteligência'”
A denúncia destaca que os oficiais da PMDF foram municiados com informações suficientes para que a corporação pudesse cumprir, com sucesso, o dever de interromper a movimentação que culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
“Não houve ‘apagão de inteligência’ ou falta de informações à Polícia Militar do Distrito Federal. Ao contrário, os denunciados receberam informes que tornavam evidente o perigo concreto e o risco de dano iminente aos bens jurídicos pelos quais deveriam zelar, com antecedência necessária para que mobilizassem suas tropas e obstassem os resultados danosos”, afirmou a PGR.
A acusação reforça que havia possibilidade de intervenção precoce e cumprimento do dever jurídico por parte dos policiais militares.
Operação Incúria
A Polícia Federal prendeu o atual comandante-geral da PMDF, coronel Klepter Rosa Gonçalves, o ex-comandante Fábio Augusto Vieira, e mais três oficiais, nesta sexta-feira (18).
Os mandados cumpridos pela PF e PGR foram assinados pelo relator do Inquérito nº 4.923 no STF, o ministro Alexandre de Moraes.