Ocupação na Asa Sul tem mais de 40 anos, quase mil moradores e continua crescendo
Segundo o GDF, a situação da Vila Cobra Coral é discutida, mas ainda não há definição para a regularização da comunidade
atualizado
Compartilhar notícia
Instalada no coração da capital federal, a ocupação conhecida como Vila Cobra Coral se mantém há mais de 40 anos na L4 Sul. O espaço, com mais de 47 mil metros quadrados, ainda segue em expansão. No entanto, novas invasões têm causado preocupação aos moradores antigos, que relatam sofrer com o crescimento da criminalidade no local.
De acordo com o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF (PDOT), a ocupação, localizada ao lado da Embaixada da China, não pertence a nenhum Setor Habitacional de Regularização nem faz parte das estratégias definidas como Áreas de Regularização de Interesse Social ou Específico (ARIS ou ARINE) ou, ainda, como Parcelamento Urbano Isolado (PUI).
“É um lugar que continua crescendo e a gente gostaria que o governo olhasse por nós, para que haja mais segurança mesmo, porque ficamos sem ter a quem recorrer”, diz Tico Magalhães, um dos moradores e produtor cultural.
No último mês, a vila foi alvo de operação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contra o tráfico de drogas. Sem previsão de quando a área deve ser regularizada, residentes buscam lidar com os problemas da violência realizando manifestações artísticas no local.
A arte salva
Uma das atividades culturais desenvolvidas na região é o grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, que trabalha com artes cênicas, artes plásticas e música. Idealizador da iniciativa, Tico Magalhães conversa atualmente com a Secretaria de Cultura para que o Seu Estrelo, que já existe há 16 anos em Brasília, seja transformado em patrimônio cultural e imaterial do DF.
“Nós misturamos teatro, música, circo, dança. Antes da pandemia da Covid-19, tinha oficina todos os dias, mas agora tivemos que transformá-las em virtuais”, conta. “A arte nos une aqui. Há crianças que vimos crescer nesse meio cultural”, acrescenta Tico.
“Sabemos, claro, que existe esse outro lado [do crime]. Mas não representa o todo”, defende.
Atualmente, existem cinco centros culturais na região. Um deles, é o Circo Inventado. Arthur Sinimbu (foto em destaque), 35, é um dos artistas integrantes. Hoje, ele reside com o filho de 5 anos no terreno que abriga o circo.
“Eu ajudo o mestre nas aulas de capoeira. Mas, como estamos temporariamente parados [devido à pandemia], fico cuidando daqui enquanto isso”, conta.
Segundo a produtora cultural Danielle Freitas, 39, os residentes estimam cerca de mil pessoas vivendo no local, uma vez que são aproximadamente 250 casas. Moradora da vila há 15 anos, ela criou duas filhas na comunidade e se preocupa com o futuro da área.
“Novas invasões vêm chegando e é complicado, porque não temos o que fazer. A gente conversa muito com o governo sobre isso, mas continua acontecendo”, diz. “A Vila Telebrasília, que cresceu de forma parecida com a nossa, com moradores do início de Brasília, está sendo regularizada e a Cobra Coral não”, protesta.
Trabalhos sociais
Além do movimento cultural, a Vila Cobra Coral abriga templos religiosos de diferentes credos, como igrejas católicas, evangélicas, centros umbandistas e espíritas. “Como crescemos todos juntos aqui, há bastante tolerância entre os diferentes”, afirma Danielle.
Devido à pandemia do novo coronavírus, contudo, apenas uma igreja católica está aberta atualmente. Segundo a missionária Maria Célia Rodrigues, 36 anos, a capela tem promovido ações sociais nos últimos meses, como forma de ajudar a população mais carente.
“Nos períodos mais difíceis da pandemia, nós nos reunimos com a comunidade para fazer bazar, feirinha, doações… Agora, estamos fazendo um levantamento da quantidade de crianças para doarmos brinquedos, roupas e material escolar no Natal”, destaca.
“A vila tem muitas pessoas do bem, trabalhadoras. Sofremos com a violência e, por isso, acreditamos que o trabalho religioso tem muito a acrescentar. Eu vejo com grande esperança este lugar”, completa Maria.
Um dos pioneiros, Sérgio Murilo Araújo Silva, 60, mora na ocupação há 40 anos e defende a regularização do loteamento. Com a esposa, ele criou as três filhas no local. Agora, tem sete netos e um bisneto, que também nasceram na região.
“Tem uma parte nova lá em cima, onde as pessoas fazem as coisas erradas, e isso reflete para cá, como se fosse todo mundo bandido. Mas aqui mora gente de idade, gente com deficiência, gente do bem, trabalhadora. Eles [os envolvidos com criminalidade] não representam a nossa comunidade”, ressalta.
Regularização e fiscalização
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), já existe uma discussão no governo sobre a situação fundiária da Vila Cobra Coral. Além da pasta, a conversa envolve a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab-DF), a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram). Porém, ainda não há definição sobre o assunto.
O Ibram, por meio da Superintendência de Fiscalização, Auditoria e Monitoramento (Sufam), informou que é competência do órgão apenas parte das ocupações, no caso as que estão invadindo o Parque da Asa Sul.
“No final do ano passado, a Sufam autuou 63 ocupações irregulares. Além do auto de infração, também foi entregue intimação demolitória. O processo de retirada das residências que ocupam a unidade de conservação está encaminhado e aguarda deliberação para que as ações sejam executadas”, disse, em nota.
Já a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) informa que, ao longo dos últimos 20 anos, realizou mais de 50 ações, entre notificações, intimações demolitórias e ações de desconstituição de edificações no local.