Prédios residenciais de quadra-modelo passam por reformas e perdem características originais
Projetos de obras na 107 Sul alteram o desenho de Niemeyer, criador dos edifícios da região. Governo empurra responsabilidade de fiscalização de um órgão para outro
atualizado
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Os prédios desenhados por Oscar Niemeyer – e que estão tombados como patrimônio da humanidade – estão perdendo sua estética original. As obras que transformam os edifícios sem que haja qualquer punição aos responsáveis pela desconfiguração. O caso mais recente é o bloco C da 107 Sul.
Após as constantes reclamações dos moradores por causa dos pombos que ocupavam vãos da fachada e cobogós, uma assembleia decidiu fechar os espaços. A decisão foi tomada em fevereiro deste ano. No lugar dos vãos livres, apelidados de pombais, estão tijolinhos vermelhos que formam uma barreira.
Nem mesmo a fachada dos cobogós escapou às mudanças. É possível perceber que, por dentro deles, há paredes cobrindo os quadradinhos. Os pombos, ao contrário do que se esperava, continuam lá, alojados junto aos aparelhos de ar-condicionado.
“Na hora, fiz um discurso em defesa do patrimônio histórico, mas não me escutaram e seguiram em frente”, afirma Tereza Eleutério, moradora do prédio há cinco anos e coordenadora do arquivo permanente do Arquivo Público de Brasília (ARPF). Ela fez uma denúncia à Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) à época, mas, até hoje, não obteve resposta e o local sequer recebeu visita de um auditor do órgão. “Me senti derrotada”, desabafa.
Esse tipo de intervenção se tornou praxe na região. “Essas mudanças são tão comuns que achava que era permitido”, afirma a babá Claudete Gomes, que trabalha na quadra.
História esquecida
As quadras-modelo da Asa Sul, que incluem a 107, a 108, a 307 e a 308, são consideradas de extrema importância histórica para a cidade. Elas foram algumas das primeiras construídas no Plano Piloto, propostas no plano urbanístico de Lucio Costa. O urbanista dizia que, a cada quatro quadras residenciais, deveriam ser construídos um clube, uma escola, uma igreja e comércio com todos os serviços necessários para atender a comunidade local. Não à toa, artistas como Burle Marx, Athos Bulcão e Niemeyer arregaçaram as mangas para criar belos exemplares arquitetônicos.
Por isso, essa Unidade de Vizinhança, como são chamadas as quatro quadras-modelo, foram tombadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e fazem parte do acervo protegido pelo Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan). “Além de serem importantes para a identidade de nossa cultura, são protegidos por lei”, explica Vera Ramos, arquiteta e ex-diretora de patrimônio cultural do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Jogo de empurra
Os órgãos não assumem a responsabilidade pela fiscalização. No jogo de empurra, a Administração Regional de Brasília afirma que não autorizou nenhum projeto na quadra-modelo. Já o Iphan garante que só cuida de “questões maiores”. “Nós nos preocupamos com modificações na malha viária ou mudanças que fujam ao desenho urbanístico de Lucio Costa. Fachadas não fazem parte do nosso tombamento”, explica Carlos Madson, superintendente do órgão.
Para Madson, quem deveria cuidar do assunto é o GDF. No governo, a Agefis afirma que não possui especialistas para avaliar estética de prédios em seu quadro de pessoal. O órgão diz verificar se os projetos de obras estão de acordo com o que foi autorizado pela Administração Regional de Brasília. A agência conta que não recebeu nenhuma denúncia sobre o bloco C da 107 Sul e promete enviar um auditor ao local “o quanto antes”.
A Secretaria de Cultura do DF deveria garantir a preservação do tombamento. A subsecretária de Patrimônio na Secretaria de Cultura do DF, Ione Carvalho, afirma que, no passado, eles verificavam a adequação dos projetos de reforma ao tombamento. Porém, há dez anos, eles perderam o poder de fiscalização. “O departamento de Patrimônio do DF foi transformado em secretaria e perdeu a capacidade de fiscalizar”, explica.
Um grupo de trabalho foi formado dentro da Secretaria de Cultura para formular um esboço do Instituto de Patrimônio, que será responsável pelas futuras fiscalizações e pela realização de pesquisas sobre a história da região. “Mas, com essa crise financeira, é inviável propor a abertura de uma nova instituição”, ressalva Ione. Até lá, a secretaria necessita do apoio de outros órgãos para ser avisada sobre projetos de modificação e, então, emitir pareceres de especialistas. Porém, isso nunca ocorreu.