Calçadas estão fora da lista de prioridades do governo
Quando o assunto é mobilidade urbana, os pedestres dificilmente são lembrados. Calçadas em bom estado são raras no DF
atualizado
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Caminhar em Brasília é uma aventura. A cidade planejada com tantas pistas largas, áreas verdes que convidam a atividades ao ar livre, emolduradas por um céu de tirar o fôlego, deixou os pedestres de lado. Até hoje, quando o assunto é mobilidade urbana, eles ficam em segundo plano. Motoristas e ciclistas são prioridade. Com isso, a situação das calçadas (quando elas existem) é crítica.
A aposentada Nélia da Silva, 73 anos, conhece bem os desafios de andar livremente por aí. Na passagem sobre as linhas de metrô em Águas Claras, na Rua Copaíba, por onde transita frequentemente, ela precisa se apoiar para subir na calçada. O acesso é difícil, possui um degrau e não oferece rampa ou escada. “Muitas vezes, prefiro caminhar no meio da pista”, assegura.
O péssimo estado de conservação da passagem também trouxe transtornos para a dona de casa Raquel Rodrigues. “Tenho dificuldades para circular com o carrinho de bebê do meu filho e, mesmo quando ele vem andando, tenho que pegá-lo no colo para não tropeçar ou cair nos buracos”, conta.
Quem trabalha na limpeza da cidade também reclama da situação precária. “Tenho medo disso desabar”, admite a gari Maria Euzita, 55. “Trabalho nessa região desde dezembro e a situação é sempre a mesma”, completa. A falta de preservação e manutenção faz com que o número de quedas aumente.
Ruim pra todo lado
Em um trecho na QI 25 do Guará II, a reportagem do Metrópoles encontrou duas pessoas que se acidentaram em diferentes pontos da rua. “Em março, enquanto fazia caminhada, tropecei no desnível da calçada e quebrei os dentes superiores. Foi horrível, gastei um bom dinheiro e passei um mês tomando medicamentos”, relata Terezinha Silva, 74. Para evitar novos acidentes, a aposentada traçou uma nova rota para os exercícios matinais. “Caminho em direção ao Guará I”, conta.
A cabeleireira Márcia Alves, 34, trabalha na região há 10 anos e coleciona histórias de incidentes. “Na última vez em que caí, machuquei o joelho. Recentemente, os buracos da pista foram tampados, mas esqueceram de revitalizar as calçadas”, disse.
No Setor de Oficinas da Candangolândia, a situação se repete. O asfalto é novo, porém, a calçada não tem continuidade. O cimento termina de repente. “Moro no Céu Azul, mas, duas vezes por semana, passo por aqui para ir à associação de idosos. Além de andar com cuidado para não cair, tenho de desviar da cerca de metal que invade a calçada”, ressalta a dona de casa Sebastiana Silva.
A ocupação irregular das calçadas, ou do pouco que resta delas, também é nítida no Setor de Rádio e TV Sul. Os pedestres disputam espaço com carros, desviam de pedaços de concreto e precisam andar por cima de uma grande quantidade de terra.
“A única parte que restou da calçada foi o meio-fio, por isso é melhor passar entre os carros”, explica o estudante Fábio Oliveira, 36, enquanto se equilibra entre os automóveis. “Acho um absurdo. A calçada está destruída. Não há espaço para pedestres”, destaca a copeira Josilei Magalhães, 39.
O mestre em engenharia de transportes da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Silva defende uma reação do poder público. “O governo, mesmo passando por uma crise financeira, prioriza as grandes obras de viadutos, a duplicação de pistas, as ações com impacto visual, em vez de recuperar ou fazer novas calçadas”, critica. A acessibilidade não é uma preocupação.
“É quase cultural: buraco na rua é prioridade. Contudo, além da necessidade de conservação por parte do poder público, é preciso conscientizar os motoristas de que eles não estão acima dos pedestres, não há motivos para bloquear passagens”, defende.
Questionada sobre a falta de manutenção das calçadas (ou a ausência delas), a Novacap informou que existe um projeto para recuperação de todas elas. A previsão, segundo o órgão, é de que sejam recuperados 449,5 mil m² de calçadas. Não há dinheiro, porém, para financiar as obras. Nem previsão. As reformas custariam R$ 50,7 milhões em todo o DF.
De acordo com a Novacap, as administrações regionais terão de fazer um levantamento das calçadas que precisam de recuperação. Em 2014, 4,2 mil m² de passeios e 2,2 mil metros de meios fios foram recuperados. Os custos ficaram em R$ 227.629,58.