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A sensação de ser observada, o medo do assédio e o desespero durante as perseguições são sentimentos comuns às mulheres vítimas de stalking – termo usado para se referir ao ato de perseguir alguém, tanto pelas redes sociais quanto presencialmente.
Levantamento inédito produzido pela Polícia Civil (PCDF) aponta que 297 mulheres do Distrito Federal foram alvos de homens obcecados desde que a Lei 14.132/21, que criminaliza esse tipo de perseguição, passou a vigorar, em 31 de março deste ano.
O mapeamento, elaborado pela Divisão de Análise Técnica e Estatística (Date) e analisado pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher I (Deam I), reflete uma explosão de ocorrências, logo após a regulamentação da lei. Os quase 300 casos foram registrados entre 31 de março e 26 de maio.
O número representa, em média, cinco registros policiais de mulheres perseguidas de forma obsessiva por homens em todas as regiões da capital da República por dia.
Homens também são vítimas de stalking, mas o levantamento da Deam se restringiu às ocorrências em que as mulheres são o alvo. Segundo estatísticas dos EUA, país que mais estuda o assunto no mundo, 15% das mulheres e 6% dos homens vão ser vítimas de um perseguidor em algum momento da vida.
Com a nova lei, as ocorrências deixaram de ser simples contravenções penais, como perturbação do sossego ou constrangimento ilegal, e passaram a ter incidência penal própria, com pena de seis meses a dois anos de prisão.
O pouco tempo em vigor ainda não viabilizou a definição dos perfis de vítimas e autores de stalking no DF, mas o que foi notado pelos investigadores é que o crime de perseguição não respeita classe social, faixa etária ou profissão.
Perseguição profissional
Apenas em abril deste ano, 141 mulheres registraram boletim de ocorrência por meio da delegacia eletrônica ou nos balcões da Deam I e II, em Ceilândia. No mês seguinte, em maio, o número aumentou ainda mais, com 154 registros apenas nos primeiros 26 dias. Outros dois casos foram registrados em 31 de março, dia da sanção da lei.
Segundo a delegada adjunta da Deam I, Simone Alencar, as apurações de stalking resultaram no indiciamento de 29 suspeitos. “Cada um dos casos é investigado com rigor e, em boa parte deles, há a preocupação em conseguir medidas protetivas para as vítimas”, disse.
A delegada explica que os stalkers se dividem em duas classes: os “afetivos”, nos quais existe relação interpessoal entre vítima e perseguidor; e os “profissionais”, quando não há qualquer ligação entre a mulher e o homem obcecado por ela.
“Geralmente, os casos do stalker afetivo ocorrem no âmbito da Lei Maria da Penha, quando o homem não aceita, por exemplo, o fim de um relacionamento e passa a perseguir a ex-companheira”, explica a delegada.
Já no caso dos perseguidores profissionais, a obsessão pode ocorrer em questão de minutos, apenas com uma conversa ou um simples contato visual, seja pessoalmente ou por meio de redes sociais, por exemplo. “Temos muitas apurações em que profissionais liberais fazem algum tipo de atendimento e o cliente simplesmente começa a forçar o contato, passa a acompanhar, perseguir, até que a situação toma proporções perigosas e a vítima resolve registrar ocorrência”, revela.
Massagista perseguida
Um caso clássico de stalking, que lembra enredo de filme de suspense, ocorreu na vida real recentemente. Uma massoterapeuta de 30 anos viveu momentos de pânico após atender, durante algumas sessões de massagem, um funcionário público de 45 anos. O homem ficou obcecado pela profissional e passou a marcar hora semanalmente para novos atendimentos.
Com o passar o do tempo, o cliente tentou dominar a agenda da profissional. Apenas ele poderia ser atendido. Mas quando a mulher o bloqueou em aplicativos de conversa e recusou novos agendamentos, o servidor partiu para a intimidação e decidiu persegui-la com perfis em redes sociais e também pessoalmente.
Após o homem invadir o local de atendimento da massoterapeuta, na Asa Sul, enquanto havia outros clientes aguardando, a profissional resolveu tomar medidas drásticas e procurar a polícia. A situação foi considerada grave pela PCDF, que requereu medidas protetivas para a vítima.
Obsessão médica
Outro caso de perseguição profissional ocorreu com uma médica de 27 anos, que atende em um consultório na Asa Norte. Um homem de 30 anos se encantou com a profissional de saúde, que costumava ser ativa nas redes sociais. Ele tentou marcar uma consulta ao entrar em contato com ela, mas não havia horário vago para os próximos dias.
Com a negativa, o homem passou a persegui-la nas redes sociais e teve o perfil e comentários bloqueados pela médica. Irritado, o stalker descobriu o endereço do consultório e foi até o local tentar forçar seu atendimento. Assustada, a vítima procurou a Deam. O homem foi intimado a prestar esclarecimentos, mas ainda não foi ouvido.
Contudo, após receber a intimação dos policiais, ele desapareceu. “É preciso deixar claro para todas as mulheres que sofrem essa perseguição não protelar o registro de ocorrência, pois algo mais grave pode acontecer, como algum tipo de violência física ou sexual”, ressaltou a delegada Simone Alencar.
Dezenove dias antes da sanção da lei, um caso de stalking chamou a atenção no DF. Um homem foi preso depois de invadir as dependências do Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães) da Polícia Militar do Distrito Federal, no dia 12 de março. O suspeito perseguia uma cabo lotada na unidade policial e queria forçar um encontro. Policiais o renderam e ele foi conduzido até a 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul).
O Metrópoles apurou que o perseguidor é um comerciante de 49 anos, que mora em Águas Lindas (GO), no Entorno do DF. Ele estaria, há semanas, perseguindo a cabo da PM. O homem teria monitorado, inclusive, as redes sociais da policial.
O suspeito passou por audiência de custódia e a Justiça determinou que o comerciante usasse tornozeleira eletrônica por um período de três meses. Ainda foi estipulado que ele deve manter distância mínima de 300 metros da militar.
Verlinda Robles
De acordo com a lei que inclui no Código Penal a modalidade do crime de stalking, tentativas persistentes de aproximações físicas, recolhimento de informações sobre a vítima, envio repetido de mensagens, bilhetes, emails, perseguições e aparições nos locais frequentados pela vítima são alguns dos exemplos que podem ser configurados como crime.
A penalidade poderá aumentar, se o crime de stalking for direcionado a menores de idade (crianças e adolescentes), mulheres e idosos, se houver participação de mais de uma pessoa ou se houver a utilização de arma.
A senadora Leila Barros (PSB-DF) foi a responsável por defender mudanças na lei – que, até então, não tipificava stalking como crime. A aprovação do projeto foi dedicado a Verlinda Robles, vítima de um stalker em 2016.
A radialista foi perseguida por mais de dois anos, teve que abandonar sua residência e mudar para uma cidade a mais de 600km de distância de onde vivia anteriormente para escapar de seu perseguidor. O homem que a perseguia dizia estar “cumprindo o propósito de Deus”, pois Robles seria a “sua prometida”.
O caso ocorreu em Nova Andradina (MS). Começou com ligações para a emissora e pedidos de música. Na etapa seguinte, o perseguidor conseguiu o telefone dela. Mandava perfumes, roupas e até dinheiro para a rádio onde Verlinda trabalhava.
A radialista decidiu procurar a polícia quando descobriu que o stalker mudou o endereço das faturas dela para a casa dele. Mesmo depois que ela mudou de cidade, presentes e ligações continuaram. Ele chegou a ameaçá-la de morte caso a encontrasse com outro homem. Como a situação não se enquadrava na Lei Maria da Penha, ela demorou dois anos para conseguir na Justiça medida protetivas contra Juarez Cardoso dos Santos.
Vizinha perseguidora
No dia 5 de abril, já na vigência da nova lei, outro caso de stalking deu o que falar na capital da República. Uma mulher de 55 anos foi presa pela Polícia Civil após perseguir um casal de vizinhos em Vicente Pires.
Ela praticou contra as vítimas atos de injúria e que perturbavam a liberdade e a privacidade. A situação durou 14 anos. De acordo com a polícia, o casal, de 47 e 39 anos, passou a ser perseguido pela autora após iniciarem a construção de uma casa.
A obra fica ao lado da residência onde a suspeita mora. A partir de então, a vizinha passou a ofender o proprietário, chamando-o de burro por ter erguido o imóvel daquela maneira. No decorrer dos anos, a mulher passou a subir em uma escada, que havia encostado no muro que divide os imóveis, para xingar o casal.
Em outra ocasião, as vítimas acordaram com os xingamentos da mulher e, ao saírem no quintal verificaram que ela havia jogado diversas coisas dentro da piscina, tais como absorvente, papel higiênico, embalagem de marmita, caixa de sapato, fezes e areia (foto acima).
A mulher foi solta no dia seguinte e a família disse que ela tem problemas psiquiátricos.