Conheça as histórias de mulheres que arriscam a vida diariamente na profissão
Fátima vive em alta velocidade para salvar vidas, Raquel atua na linha de frente em conflitos e Claudia comanda uma equipe responsável por prender criminosos e conduzir investigações complexas
atualizado
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Na profissão que escolheram, elas são constantemente desafiadas. Além dos obstáculos inerentes a cada atividade, precisam superar os estereótipos e combater, no dia a dia, o preconceito de gênero. Atuando em ambientes nos quais a presença de homens é majoritária, as mulheres ouvidas pelo Metrópoles mostraram que o profissionalismo atrelado à força de vontade é a fórmula para superar qualquer adversidade.
As histórias relatadas aqui são de superação e, claro, de inspiração. Conheça a simpática dona Fátima, condutora do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); Raquel Leda, ou melhor, soldado Leda, que descobriu a paixão pela disciplina militar; e a delegada Claudia Alcântara, que tem uma respeitável carreira na Polícia Civil.
Sob as sirenes, a agilidade que faz a diferença entre a vida e a morte
Ela tem 61 anos, é casada, tem dois filhos e um neto. Percorre as ruas da cidade em alta velocidade, com sirene ligada e um objetivo: salvar vidas. Maria de Fátima é condutora do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência há 10 anos. Exerce a função desde a criação da unidade. Motorista de carreira, dona Fátima, como é chamada pelos colegas, não pensa em se aposentar e distribui gargalhadas por onde passa.
Disposta e sempre com um batom realçando os lábios, ela conta que a adrenalina sobe quando escuta o barulho da sirene. “Muitas pessoas ainda não abrem passagem para a ambulância e algumas se assustam. Isso dificulta muito nosso trabalho”, relata. Apesar das adversidades, não tem tempo ruim para ela, que cobre plantões aos fins de semana e durante a madrugada. Nas ocorrências, dona Fátima ajuda a segurar equipamentos e auxilia nos resgates. Atualmente, o Samu tem duas mulheres cumprindo a função de motorista.
A dura rotina eventualmente se torna ainda mais árdua por um problema que nada tem a ver com a profissão: o preconceito de gênero. “Um dos episódios mais tristes foi quando socorremos um homem que estava com princípio de infarto. Só tinha mulher no atendimento. Ele nos olhou e perguntou quem conduziria o veículo. Quando viu que eu era a motorista, se recusou a ir. As filhas tiveram que intervir.”
O paciente era bem mais alto que Fátima, que mede 1,54m, e até mesmo o porte físico dela foi alvo de preconceito. “Ele me viu como uma mulher de idade, baixinha e frágil. Não acreditou que eu exercia minha profissão de forma correta e segura”, conta. Ao chegar à unidade de saúde, o médico pediu para que o paciente fosse encaminhado ao Hospital de Base. “O senhor teve que assinar um termo de responsabilidade porque ficou com medo de ir comigo”, lamenta.
Mesmo com mais de 30 anos de carreira, os filhos de dona Fátima ainda se preocupam com a mãe. Sempre ligam quando se deparam com uma viatura do Samu em alta velocidade. Em casa, quem dirige é o marido, mas dona Fátima não se contém no banco do passageiro e os deslocamentos acabam em acaloradas discussões. “É sempre uma briga. Fico alertando ele durante o caminho sobre os buracos e ultrapassagem”, gargalha, ao admitir que não se sente muito confortável na condição de co-piloto.
Força e resistência na linha de frente
Quando passou no concurso da Polícia Militar aos 24 anos, Raquel Leda, hoje com 30, não sabia que estaria embarcando na maior aventura da sua vida. Isso porque na adolescência ela chegou a dizer para o irmão, que estudava em em colégio militar, que nunca seguiria carreira em alguma corporação ou uma das Forças Armadas. “As coisas boas que acontecem na nossa vida não são planejadas”, disse, ao lembrar do passado.
Formada em publicidade e relações públicas, com pós-graduação em direito público, Raquel não sente falta da rotina dentro de um escritório, dos terninhos e dos saltos altos para trabalhar. Em 2011, quando integrou o Patrulhamento Tático Móvel (Patamo), teve a certeza de que queria seguir carreira militar.
Sempre gostei de praticar atividade física e aqui isso é muito cobrado. Não deixo de fazer nada porque sou mulher. Na verdade, tenho que me esforçar até mais para acompanhar os colegas
Raquel Leda, policial militar
Além do curso de Patamo, que exige conhecimento teórico e esforço físico, Raquel é uma das paraquedistas da Polícia Militar.
A única policial da família desperta preocupação na mãe, que já chegou a sugerir que ela fizesse serviços administrativos. “Hoje, eles entendem que faço o que amo. Mas no início todos estranharam, diziam: ‘Como assim? Policial?'”, brinca. O expediente no quartel do Patamo começa às 7h. Por lá, eles praticam esportes e ficam de prontidão caso haja alguma ocorrência. Raquel é a segurança de sua equipe.
Quando há conflitos, atua na linha de frente “Seguro o escudo como qualquer um ali”, garante. A policial destaca que, quando está na rua, ainda sente que algumas pessoas acham estranho uma mulher em uma equipe operacional da PM, mas respeitam da mesma forma.
Noiva de outro policial militar, Raquel revela que, longe do quartel, não abre mão da vaidade. É maratonista e, atualmente, se dedica à organização do casamento. “Ele compreende muito bem a minha rotina e sempre me incentivou”, conta. O casal pensa em ter um filho e, ao falar sobre o assunto, Raquel sorri e pondera: “Quando temos filhos, nos arriscamos menos. Não sei como farei quando esse dia chegar”.
A troca da farda pelo distintivo
A trajetória da delegada-chefe da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), Claudia Alcântara, é repleta de histórias e conquistas. Aos 52 anos, a policial não pensa em se aposentar, foca na carreira e faz planos para o futuro. Ex-policial militar, Cláudia foi escrivã por 10 anos. “É engraçado, deixei a Polícia Militar e fiz o concurso da Polícia Civil porque achei a farda de uma escrivã que ainda fazia o curso da PCDF muito bonita. Queria me vestir daquele jeito”, sorri ao lembrar.
Formada em direito, Cláudia tem uma carreira repleta de conquistas profissionais. Já chefiou a delegacia especializada que hoje corresponde à Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), assumiu a direção do Departamento de Recursos Humanos da corporação, foi diretora da Academia de Polícia, secretária de Justiça do Distrito Federal, corregedora-geral da PCDF, delegada da Coordenação de Repressão aos Crimes contra o Consumidor, a Ordem Tributária e a Fraudes (Corf) e da Delegacia de Atendimento Especial à Mulher (Deam), além de diversas passagens como chefe e chefe-adjunta de delegacias regionais, como Brazlândia, Recanto das Emas e Taguatinga.
Hoje, a delegacia que ela chefia tem 12 mulheres, mas, no início da carreira, Claudia provou para muita gente do que era capaz. “Eu passei no concurso muito nova, tinha 20 anos, mas aparentava menos. Sempre fui muito magra, e as pessoas não acreditavam que eu era policial”, lembra.
Entre as dezenas de investigações que chefiou, um caso ficou registrado na memória, não pela dificuldade em ser solucionado, mas pela reação de um criminoso.
Prendemos um traficante cujo apelido era Fofão. Quando eu o interroguei, ele chorava muito. Questionei o motivo, e ele me disse que nunca imaginou que um homem com a reputação criminal que ele tinha seria preso por uma delegada. Só me restou rir da situação
Claudia Alcântara, delegada
Casada há 32 anos e mãe de dois filhos, Claudia conta que o segredo para manter o relacionamento foi a distinção entre os papéis de policial e de mãe. Em casa, ela não comenta sobre o trabalho e se dedica a fazer o que gosta: vai a academia, cozinha e recebe amigos. “Muitas vezes, meu marido descobre as minhas investigações por meio do jornal”, ressalta.
O capricho e a dedicação da delegada se refletem na unidade policial. Por lá, as cores das paredes são mais frias, há flores e até mesmo doces para os visitantes. O aconchego, ao contrário de muitas delegacias, lembra um ambiente familiar. “A ideia é essa, gosto de trabalhar com a comunidade. Essa delegacia aqui é deles”, concluiu.