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No DF, 43 mulheres perderam a vida em abortos; sobreviventes contam dramas

Mulheres de todas as idades e classes sociais morreram ao tentar o procedimento na capital do país, seja no hospital ou em domicílio

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1 de 1 abortos-df (1) - Foto: Arte/Metrópoles

“O momento foi muito doloroso e angustiante.” O desabafo é de Luana*, 26 anos, ao relembrar sua maior dor: abrir mão do próprio filho.

A jovem passou pelo procedimento de aborto no ano passado, após uma gravidez inesperada. Já com 3 meses de gestação, porém, ela estava ciente de que a própria vida também estava em risco.

“Me pegou muito despreparada. Na época eu não tinha conhecimento nenhum sobre o aborto”, conta. “Mas não era cogitável para mim manter o bebê. Não porque eu não teria apoio ou porque algo amedrontador poderia acontecer, mas pela minha própria escolha. Na minha cabeça, não tinha outra opção.”

Luana conseguiu um medicamento para interrupção da gestação, comercializado ilegalmente no Distrito Federal, com o potencial risco de complicações de saúde e efeitos adversos. Ela sobreviveu, apesar das sequelas emocionais. No entanto, conforme indicado por dados disponibilizados no DataSUS, muitas “Luanas” não tiveram a mesma sorte: desde o ano de 1996 até 2019, 43 mulheres morreram ao passar pelo procedimento de aborto no Distrito Federal.

Destas, apenas 7 abortaram de forma natural. No sistema, não consta nenhum óbito por decorrente do procedimento legalmente autorizado, ou por causas médicas.

Causas

O sistema não classifica os óbitos por um único tipo de aborto. A maioria das vítimas têm entre 20 e 29 anos. Vale lembrar, porém, que se trata de uma subnotificação: abortar é crime no Brasil. As mulheres que o fazem, o fazem em silêncio.

A categoria “outros tipos de aborto” pode envolver, ou não, uma série de complicações – desde hemorragia excessiva, infecções ou embolia, até mortes por procedimentos que evoluíram sem um determinado molde de dificuldade.

Das 43 mulheres que morreram durante os procedimentos, 13 eram casadas, 26 solteiras, 3 estavam separadas judicialmente e 1 consta como inespecífico. Do total, 41 morreram no hospital, e outras duas, dentro de casa.

Há mais de duas décadas, Jéssica*, agora com 43 anos de idade, ficou entre a vida e a morte ao tentar interromper a gravidez em uma clínica clandestina que funcionava no Entorno do DF. Na época, com medo de revelar ao pai, militar, que estava esperando um filho, decidiu abortar ainda no primeiro mês, em um ato de desespero.

“Foi traumático por diversos aspectos. Eu vomitava sangue depois e passei anos num estado profundo de depressão.” Hoje com duas filhas, Jéssica atua como voluntária em uma organização não governamental (ONG) que trabalha com a recuperação de dependentes químicos. “Eu tento conversar muito com as meninas sobre prevenção: oriento, distribuo preservativos e explico de como é difícil passar por tal procedimento, como eu passei”, diz.

No Brasil

Durante o período, foram registradas 1.898 mortes no Brasil todo, o que torna o DF responsável por 2,3% dos casos.

A falta de pessoal para o procedimento de aborto legal foi denunciada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Feminicídio da Câmara Legislativa: apenas duas profissionais o realizam na rede pública, em toda a capital do país.

De acordo com relatório do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), seriam necessários, pelo menos, 170 trabalhadores nesta área. Ao longo dos últimos quatro anos, no DF, 102 meninas estupradas fizeram aborto legal.

O aborto não é qualificado como crime quando ocorre espontaneamente ou quando realizado por um médico capacitado, autorizado pela Justiça; as hipóteses permitidas, para tanto, são: em caso de risco de vida para a gestante, em gravidez decorrente de estupro ou se o feto sofrer de anencefalia.

A perda

“As pessoas acham que quem aborta não dá valor a vida, que só quer se livrar do filho”, diz Luana. “Isto não é verdade. Existe um grande apego, afinal, é uma vida que está dentro de você. Alguém que viria a ser um ser humano completo, construir uma carreira, família.”

A jovem relata ter recebido amparo dos amigos mais próximos depois de ter realizado o procedimento, mas a angústia continuou por muito tempo. “Só quem já passou por isto consegue entender.”

Autorizado pela Justiça

Recentemente, no DF, a 7a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve decisão proferida em primeira instância e autorizou um pedido de aborto seguro, em razão de gravidez resultante de abuso sexual, determinando que o DF ofereça o procedimento à autora.

A requerente relata que, após ter engravidado, em decorrência de estupro, solicitou ao DF a realização de aborto legal.

A relação sexual foi iniciada com uso de preservativo, mas, durante o ato, foi retirado sem consentimento da vítima – a prática é conhecida como stealthing (furtivo, em tradução livre), obrigando-a a dar continuidade à relação sexual.

Todavia, o DF negou o pedido da vítima, argumentando que o início da relação teria sido consentido.

Diante disso, a autora recorreu ao Judiciário, que confirmou o pedido de urgência para que o procedimento de aborto fosse realizado.

Em segunda instância, os desembargadores esclareceram que é dever do Estado prestar assistência integral à mulher em situação de gravidez decorrente de relação sexual involuntária, seja por violência sexual, seja por coerção nas relações sexuais.

Os magistrados entenderam que o aborto decorrente de crime é um exercício de direito, que independe da condenação do criminoso, bastando que a vítima apresente o registro policial ao médico.

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