No ápice da pandemia, DF não reduz passageiros no transporte público
Governo diz que está seguindo protocolos de segurança. Motoristas, passageiros e pesquisadores afirmam que situação está longe do ideal
atualizado
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Apesar dos números cada vez mais preocupantes de casos de Covid-19 e óbitos decorrentes da doença, a capital do país não reduziu o total de passageiros que circulam nos veículos do transporte público durante a pandemia. O DF registrou uma média de 562 mil embarques diários em fevereiro deste ano; em março, foram 531 mil viagens por dia nos ônibus coletivos.
E a tendência é que os dados de abril aumentem, como consequência da liberação das atividades comerciais após a flexibilização das medidas restritivas pelo governo, no mês passado. O Metrópoles flagrou aglomerações constantes no sistema público de transporte (fotos em destaque e nas galerias abaixo), especialmente nos dias de semana, devido à necessidade de os brasilienses irem ao trabalho e voltarem para casa.
Pensando nisso, ao liberar a reabertura dos estabelecimentos, o Executivo distrital estipulou horários específicos para o funcionamento de cada atividade econômica, conforme o Decreto nº 41.913, publicado em 19 de março. Para a força-tarefa do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que acompanha as medidas de combate à pandemia da Covid-19, é preciso avançar. O grupo pediu à Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) que enviasse informações sobre novas medidas para garantir a aplicação dos protocolos de segurança sanitária em ônibus e no metrô.
A resposta da pasta foi enviada, em ofício, nessa quinta-feira (8/4). O documento lista as ações implementadas no combate à disseminação do novo coronavírus em coletivos. São elas:
- Disponibilidade de 100% da frota para operação do Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal – STPC/DF;
- Reforço de viagens, inclusive nos horários de pico, nas linhas que realizam a ligação de diversas regiões administravas do DF com o Plano Piloto;
- Reforço na higienização dos veículos;
- Divulgação da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção dentro dos ônibus, e fiscalização quanto ao cumprimento da determinação;
- Fiscalização em relação a circulação dos veículos com as janelas abertas.
A informação é analisada pelos integrantes do MPDFT, que não descartam a recomendação de outras medidas para evitar contágio da população pelo novo coronavírus. Ainda de acordo com o órgão de controle, foi criado recentemente um comitê para acompanhar os impactos da pandemia no transporte. Além do Ministério Público, o grupo é composto por Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e Defensoria Pública da União (DPU).
Viagem de risco
A adoção de novas medidas é algo urgente para os trabalhadores e usuários do transporte coletivo. A cobradora Conceição Ramos, 46 anos, voltou a trabalhar nessa semana, depois de ficar afastada do serviço por ter contraído a Covid-19.
“Tenho 80% de chance de ter pego no serviço”, pondera a mulher. Ela trabalha na linha 921, que faz o trajeto QNR-W3 Sul.
Veja fotos de aglomerações nos ônibus que circulam pelo DF:
“A gente não está seguro porque mexe com dinheiro, fica próximo das pessoas ali na frente, às vezes fica em pé perto da roleta. Mas é entregar nas mãos de Deus, né?”, resigna-se Conceição. “Acho que precisamos aumentar a frota toda pra diminuir as pessoas dentro dos ônibus. Devo lidar com 130 pessoas por dia, antes era ainda mais”, conta a trabalhadora.
A relação entre as medidas restritivas e a ocupação nos ônibus foi observada em estudo pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). No Boletim Covid-19 Nº 42, publicado em 2 de fevereiro, a companhia analisa a ligação entre o número de viagens no transporte público e o fechamento do comércio.
Conforme a Codeplan, a quantidade de pessoas que usaram o transporte público em 29 de janeiro de 2021, dia mais movimentado do mês, representou 59% do fluxo do dia 5 de março de 2020, também uma sexta-feira, mas da semana anterior ao início da pandemia.
Veja os dados:
Para o epidemiologista e coordenador da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant, os ônibus contribuem muito na transmissão da Covid-19. “O transporte público cria relações entre pessoas de bolhas diferentes, integra pessoas que trabalham em diversas áreas da sociedade, em diversos ambientes e locais, e permite que o vírus se espalhe”, explica o professor.
Segundo Brant, o três fatores determinantes na proliferação do coronavírus são: ventilação, densidade de pessoas e tempo de exposição. “Essas coisas são muito difíceis de manejar num ônibus lotado”, diz. Para o pesquisador, a pandemia cobra dívidas sociais, “coisas que estamos protelando a resolução há décadas, sem oferecer uma real solução para a sociedade. O transporte público é um bom exemplo disso”.
“A sociedade, como um todo, precisa criar opções para desafogar o transporte público, como home-office, turnos alternativos. O papel do governo neste momento tão importante que vivemos não é decidir sozinho, mas coordenar o debate com as diversas instâncias da sociedade”, pondera Jonas Brant.
Sujeira e demora
Para os passageiros, o risco é constante. Segundo o relatório “Como anda meu ônibus?”, 82,54% dos usuários do transporte urbano no DF afirmam não ser possível manter distanciamento dos outros passageiros. Em horários de pico, o resultado é ainda pior. Segundo o levantamento do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), 89% dos passageiros informaram que não conseguem manter o distanciamento
A cuidadora de idosos Maria Rita, 48 anos, pega três ônibus por dia para transitar de casa para o trabalho, no percurso Ceilândia-Guará. A mulher também já pegou Covid-19 e precisou ficar afastada, ainda mais por trabalhar com pessoas do grupo de risco.
“Os ônibus não são seguros, são todos sujos, não têm higiene. Os ônibus estão lotados, temos que ficar perto [uns dos outros], mesmo que a gente não queira. O governo precisa colocar mais ônibus, aqui no DF está muito pouco. Pra gente que trabalha pegando ônibus todos os dias, está muito difícil”, protesta a trabalhadora.
A situação não é diferente no metrô do Distrito Federal. Conforme usuários relataram à reportagem, as viagens são sempre cheias no início da manhã e à noite. Como os trens demoram, há fila no embarque e aglomeração dentro dos vagões. Foi o que ocorreu no feriado da Semana Santa, por exemplo.
“Se demora desse tanto, é impossível não ter aglomeração. Começa com as pessoas ficando na fila de espera. Quando o trem chega, todo mundo tem que entrar, ou se atrasa para o trabalho. E na volta para casa, temos que ir também, mesmo cheio, que a gente tem compromisso e não pode ficar o dia todo na rua”, lamentou, durante o feriado, um dos passageiros que esperava, na estação Águas Claras, transporte para Samambaia.
Veja foto tirada pelo usuário:
Para a também passageira Carliane Angélica de Sousa, é ainda mais difícil evitar um possível contágio pela Covid-19 no metrô, uma vez que não há banheiros nas estações e, segundo conta, retiraram os dispensers de álcool em gel que ficavam espalhados pelos terminais.
“Nem limpar as mãos a gente consegue”, lamenta. “E, ao contrário dos ônibus, não temos a opção de manter janelas abertas no metrô. É todo mundo aglomerado e abafado; não sei se, nessas condições, as máscaras são o suficiente”, encerra.
Outro lado
Questionada sobre a aglomeração em ônibus e vagões do metrô, a Secretaria de Transporte e Mobilidade do DF respondeu que está cumprindo os protocolos de higienização, fiscalizando o uso de máscaras e exigindo que motoristas e cobradores usem equipamentos de proteção individual.
Veja a nota da Semob na íntegra:
“A Secretaria de Transporte e Mobilidade esclarece que faz rigorosa fiscalização nos terminais rodoviários e garages e as operadoras do transporte público coletivo estão cumprindo o protocolo de higienização dos ônibus. De acordo com Lei Distrital 6.577/2020, os ônibus são higienizados antes da saída das garagens e ao chegar nos terminais, nos intervalos entre as viagens. A limpeza é feita com o uso de desinfetante de Hipoclorito de Sódio – Cloro Ativo, nas partes internas dos veículos, tais como corrimãos, barras de apoio de sustentação, roletas e apoios de porta. Além disso, todos os veículos são lavados ao final da operação, quando retornam à garagem.
A fiscalização da Semob envolve também a obrigatoriedade do uso da máscara nos ônibus. Os motoristas e cobradores devem usar o equipamento de proteção individual e somente permitir o embarque do passageiro que estiver usando a máscara. Caso o passageiro descumpra a regra ou retire o equipamento durante o percurso, o motorista pode interromper a viagem e solicitar apoio policial.
Caso o passageiro identifique alguma irregularidade na viagem, ele pode registrar a manifestação na Ouvidoria pelo telefone 162 ou pelo site http://www.ouvidoria.df.gov.br/. A equipe de fiscalização da Semob será acionada para providências.”
A pasta, contudo, não detalhou as medidas sanitárias adotadas no metrô. Em entrevistas recentes, o secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casimiro, informou que o sistema opera em sua capacidade total e a higienização dos vagões – também com desinfetante de Hipoclorito de Sódio (cloro ativo) – ocorre regularmente.