No aniversário do racionamento, brasilienses cobram fim da medida
Presidente da Caesb, no entanto, diz que é preciso esperar o período chuvoso acabar para avaliar a situação
atualizado
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O racionamento de água imposto aos brasilienses completa um ano na próxima terça-feira (16/1). O rodízio era uma lenda no Distrito Federal até janeiro do ano passado – antes, já se sabia da grave crise hídrica que levou o nível útil do principal reservatório da região, o Descoberto, a descer a índices nunca registrados. A tarifa de contingência havia sido implantada em outubro de 2016, numa tentativa de reduzir o consumo. Mas a medida não foi suficiente e, três meses depois, quase 90% da população passou a ter uma nova rotina.
Presidente do Sindicato da Indústria de Lavanderia e Tinturaria do DF e dono da Lavanderia Água Azul, na Asa Norte, Cláudio Mendes, 49 anos, acredita que está na hora de o racionamento chegar ao fim. Para ele, não há mais necessidade de a população enfrentar o rodízio, pois os níveis dos sistemas que abastecem os brasilienses superaram as projeções da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa).
De fato, os sistemas do Descoberto e de Santa Maria/Torto estão se saindo melhor que o previsto: no sábado (13/1), estavam em 38% e 32,8%, enquanto os índices aguardados eram 15% e 28%, respectivamente. O reservatório do Descoberto abastece 51% da população e o de Santa Maria/Torto, 39%. O restante recebe água de córregos, riachos e poços profundos.
O prejuízo que o racionamento está causando é grande, principalmente para o comércio, pois muita gente está deixando de faturar. Muitos equipamentos estão sendo prejudicados por conta da água suja que começou a chegar com a captação de água do Lago Paranoá.
Cláudio Mendes, 49 anos, presidente do Sindicato da Indústria de Lavanderia e Tinturaria do DF, e dono de uma lavanderia na 104 Norte
A gerente predial Lady Jane Oliveira, 29 anos, se adaptou. À frente da administração do edifício E-business, em Águas Claras, um prédio com 261 unidades divididas em 22 andares, ela implantou medidas para conter o consumo. Foram colocadas, por exemplo, peças que reduzem a água que sai das torneiras; o registro não é deixado mais completamente aberto; e a frequência de lavagem dos quatro pavimentos onde ficam 285 vagas de estacionamento agora é menor.
“Deveriam ser lavados todo mês, mas passamos a lavar a cada quatro. A gente apenas varre nesse intervalo”, comenta. Para ela, a situação nova trouxe mais conscientização, além de aliviar o bolso: “Houve redução considerável no valor da conta de água e de energia, pelo fato de acionar menos a bomba de água”, disse.
Captação artesanal
Apesar de afirmar que nunca ficou sem o recurso por conta da caixa d’água, o técnico em edificações Paulo Henrique de Assis, 40 anos, construiu uma engenhoca para captar a água da chuva, num investimento total de R$ 260. Com os dois tambores cheios – um de 200 litros e outro de 90 litros – é possível, segundo ele, além de aguar o jardim da residência, lavar as três áreas externas por até três vezes
Eu achei que era necessário ter o rodízio, porque a gente corria o risco de ficar sem água. Mas a falta de medidas políticas contribuíram para chegar a esse ponto.
Paulo Henrique de Assis, técnico em edificações
O racionamento em números
Desde que as torneiras passaram a ficar secas ao menos um dia da semana no DF, deixaram de ser distribuídos 980 litros por segundo, de novembro de 2016 a outubro de 2017, em comparação com o mesmo período anterior – queda de 12%. A quantidade daria para abastecer Ceilândia, por exemplo, onde o consumo é de 830 l/s, e ainda sobraria insumo, de acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb).
O uso do recurso per capita diário passou de 187 litros para 153 litros após a implantação da medida, segundo a empresa pública – uma redução de 18,8%. Foram economizados, portanto, 34 litros de água por pessoa. Com esse volume, seria possível dar cinco descargas em um vaso sanitário moderno.
De acordo com a Caesb, chegou-se até essa quantidade com o consumo consciente, obras como a de captação do Lago Paranoá e combate às intervenções irregulares. Produzindo 410 l/s atualmente, a unidade na região central de Brasília abastece o Lago Norte, Varjão, Paranoá, Setor de Mansões do Lago Norte, Taquari, alguns condomínios de Sobradinho II e comunidades próximas perto da Torre Digital. A previsão é de chegar até a capacidade máxima na próxima semana: 700 l/s.
De janeiro a novembro de 2017, foram fechados 1,8 mil “gatos”, que totalizam 4 mil pontos de consumo – com isso, a empresa estima deixar de ter um prejuízo em torno de R$ 4,35 milhões anuais.
Redução insuficiente
Apesar do uso individual ter caído, o número ainda está acima do recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU): 110 litros. O doutor em Recursos Hídricos e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Koide avalia ainda ser grande o uso da água.
Só é esse número porque a população de baixa renda consome muito menos que isso, mas a de renda maior consome o dobro. Os mais pobres respondem melhor ao racionamento porque uma parte não tinha caixa d’água e, até comprá-la, levou tempo.
Sérgio Koide, doutor em Recursos Hídricos
E o fim do racionamento?
Questionado pelo Metrópoles sobre o fim do rodízio de água, o presidente da Caesb, Maurício Luduvice, é enfático: “Ainda é cedo. A gente tem de esperar o término da temporada de chuvas. Assim como não nos guiamos pelos pessimistas no início, não podemos seguir os otimistas agora”.
De acordo com ele, o mais sensato é aguardar o período chuvoso acabar, em meados de abril, para saber se os níveis de água dos reservatórios estarão seguros o suficiente para pôr fim ao racionamento.
A expectativa é de que, em 2018, novas obras desafoguem ainda mais a rede de abastecimento, como a de um novo sistema no Gama – ainda em fase de licitação – nos mesmos moldes do Lago Paranoá, e a que trará água do Lago Corumbá. “No Gama, serão captados 320 l/s; e no Corumbá, inicialmente, 700 l/s”, exemplifica Maurício Luduvice.
Sérgio Koide também acredita que o melhor é esperar a seca chegar. Em outubro do ano passado, não choveu como o esperado para o mês que oficialmente encerra a estiagem, lembra o especialista. “Quando em um mês não há precipitações, significa que tudo, no sentido de armazenamento de água, foi prejudicado”, exemplifica.
Choveu abaixo da média no Distrito Federal por três anos consecutivos. Em 2017, foram 1.303,6mm, 15,3% abaixo do comum para 12 meses. O meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Hamilton Carvalho, no entanto, aponta que 2018 deve ser um ano “típico”, diferente dos antecessores. “A gente prevê que a estação chuvosa seja normal.”