“Não temos vagas”: a via-crúcis de moradores do DF em busca de emprego
Com dificuldades para voltar ao mercado, parte dos 308 mil desempregados recorre a bicos para pagar contas. Buritizáveis apresentam projetos
atualizado
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Pedro Leonardo de Araújo respira fundo ao olhar para um canto vazio no barraco de três cômodos. Ali ficava uma geladeira, bem mais valioso que o rapaz de 24 anos havia conseguido comprar na vida, mas, sem dinheiro e desempregado, teve de vendê-la para pagar o aluguel. “Não é uma decisão fácil, mas a única maneira de levantar uma grana rapidamente”, lamenta o morador de Ceilândia Sul.
O rapaz integra uma triste estatística no Distrito Federal: está entre as 308 mil pessoas sem emprego na capital do país. Cozinheiro, músico e pintor, a versatilidade de Pedro não tem ajudado a deixá-lo de figurar na taxa de 18,7% de cidadãos sem ofício formal no DF.
Acho que o preconceito pesa um pouco. As pessoas não falam na cara, mas dá para perceber que sentem um desconforto quando entrevistam um negro, tatuado, com cabelo black e morador da Ceilândia
Pedro Leonardo de Araújo, desempregado
Pedro Leonardo se refere à outra estatística: das 308 mil pessoas sem ocupação formal, 76,5% são negros.
Nesta sétima reportagem da série DF na Real, o Metrópoles aborda o drama de uma camada expressiva da população de Brasília que tenta recolocação no mercado de trabalho. Nas matérias anteriores, os temas foram saúde, segurança pública, educação, problemas no Sol Nascente, situação na Rodoviária do Plano Piloto e o calvário de quem depende de transporte público. Em cada edição, os 10 candidatos ao GDF são questionados sobre propostas para, caso eleitos, solucionar as principais mazelas da cidade.
Informalidade
Os dados constantes na mais recente Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) revelam as falhas nas políticas públicas a fim de inserir os jovens no grupo daqueles sob regime da Consolidações das Leis do Trabalho (CLT). O levantamento aponta que do total de desocupados, 42,9% têm menos de 24 anos.
Como a maioria daqueles excluídos dos postos tradicionais de trabalho, Pedro Leonardo mergulhou na informalidade para sustentar-se. No fim da tarde e à noite, de segunda a sexta-feira, ele revende salgados na rua e na porta do campus da Universidade de Brasília (UnB), em Ceilândia. De manhã, bate perna entregando currículo em lojas e empresas da cidade, realidade dura de quem tenta se reposicionar.
Entre um e outro bico, o rapaz mantém o sonho de viver da música e compõe rap. Com dificuldades, conseguiu gravar recentemente uma canção que retrata um pouco da realidade de jovens moradores da maior e mais populosa região administrativa do DF.
Um dos versos exibe o desejo de Cyjey — seu nome artístico — por tempos melhores. “Nova era nos espera; o topo da favela; Ceilândia é minha quebra”. “Não deixa de ser um desabafo para tudo o que eu e um monte de desempregado têm vivido”, diz.
Com diploma, no bico
Na vizinha Taguatinga, carrocinhas de cachorro-quente, panos espalhados no chão com toda a sorte de produtos e ambulantes nos semáforos reforçam os dados da última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, pela primeira vez, apontou ser maior no país o número de cidadãos trabalhando por conta própria ou em vagas sem carteira assinada em relação àqueles com emprego formal.
Élika Barbosa de Sousa, 35 anos, integra o exército de brasileiros obrigados a se reinventarem na informalidade para garantir o sustento. Formada em comunicação social, nunca conseguiu exercer o ofício de jornalista. “Como não fiz estágio porque precisava trabalhar, ficou difícil ingressar no mercado depois”, conta.
Até 2013, ela teve empregos duradouros. De lá até o início deste ano, passou por seis empresas e acabou dispensada de todas com a mesma justificativa: “Alegavam corte de gastos”. Cansada de peregrinar de porta em porta de empresas, ela decidiu apostar no negócio próprio. No início do ano, Élika perdeu a mãe e herdou uma banca em uma feirinha de Taguatinga Sul. Com a ajuda do pai, comprou um lote grande de produtos de maquiagem e começou a revender no local.
Os ganhos ainda estão bem distantes de quando era assalariada, mas ela espera que o pequeno empreendimento prospere. “Nunca deixo de vender, mas não dá para fazer muita coisa. Por isso, nos fins de semana, ajudo uma amiga em buffet de eventos. A gente vai se virando como pode.”
Sem emprego e fim do sonho da casa própria
Para Letícia Bispo Souza Araújo, 30, o desemprego tirou-lhe mais do que a renda mensal: ela também viu esvair o sonho de ter a casa própria. Após ser dispensada de uma faculdade particular, onde trabalhava na área administrativa, o orçamento da família despencou.
Só com a renda do marido, ela não conseguiu dar o dinheiro necessário para pagar as chaves de um apartamento financiado ainda na planta. “Tivemos de vender o ágio, pois era um valor muito alto que não dispúnhamos na época”, relembra.
Embora dispare currículo por e-mail e visite empresas diariamente, são raras as oportunidades de entrevista. Enquanto não se reposiciona no mercado formal, faz diversos bicos. Além de vender sapatos e maquiagens, capta clientes para um escritório de advocacia. “Vou à luta e não fico parada, mas é muito inconstante: em alguns meses consigo tirar um valor razoável, no outro não entra nada”, diz Letícia, que também teve de trancar a faculdade de nutrição no sexto semestre.
“Oba-oba”
Apesar de os candidatos ao GDF apresentarem à população uma gama de projetos para criação de empregos, o professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos classifica os discursos como “oba-oba”.
Para o especialista, Brasília apresenta, historicamente, uma taxa de desemprego elevada em função da forte migração de pessoas do Norte e do Nordeste e de outras regiões mais pobres em busca de oportunidade na capital do país.
“Você pode criar a melhor política de geração de emprego em Brasília, mas a taxa vai continuar alta, porque criou-se uma cultura de que em Brasília é mais fácil conseguir emprego. Então, enquanto não houver crescimento econômico sustentável no país e uma política séria nos estados mais pobres, qualquer coisa que se prometa no DF é oba-oba”, opina o docente.
De Goiás para o DF
Fransuely Alves Costa, 31, ilustra perfeitamente o cenário narrado pelo professor da UnB. Há dois meses, ele deixou o interior de Goiás para tentar a sorte no mercado de trabalho de Brasília. Apesar da larga experiência como pedreiro, pintor, encanador e eletricista, até agora só encontrou portas fechadas.
“Venho todos os dias na agência do trabalhador, mas não aparece nada. Chega a ser frustrante e desesperador”, desabafa. Ele conta ter começado a trabalhar aos 16 anos e nunca ficou sem emprego. “Pelo contrário: cheguei a dispensar serviço por não dar conta da demanda. É a primeira vez que passo tanto tempo desempregado”, afirma Fransuely .
O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio), Adelmir Santana, também concorda que a maioria das propostas dos buritizáveis para frear o desemprego não passa de discursos vazios. Para ele, medidas bem mais simples e de fácil execução teriam um efeito mais rápido.
“Não tem como dissociar a geração de emprego à questão nacional. Hoje, o nível de comprometimento para quem paga salário é monstruoso, e criar postos formais de trabalho se tornou muito difícil no país. São questões que saem da competência do governador”, diz Santana, que complementa: “O que o governo local poderia fazer é reduzir a burocracia para se abrir uma empresa e transformar Brasília atraente ao turismo, que consegue abranger outras 60 atividades diversas”.
O que dizem os buritizáveis sobre o desemprego no DF: