“Não tem espiritualidade”, diz vítima de violência sexual em terreiro
Uma das mulheres que denunciaram o pai de santo Tiago Rodrigues da Silva lamenta que a violência tenha ocorrido sob pretexto “espiritual”
atualizado
Compartilhar notícia
“Ali não tinha espiritualidade. A partir do momento que a pessoa finge uma incorporação, a espiritualidade não apoia mais”. A avaliação é de uma das mulheres frequentadoras do Instituto Afro-Ameríndio Roça de Catimbó Jurema, na QNN 3, em Ceilândia Norte, que denunciou o líder Tiago Rodrigues da Silva (foto em destaque), 38 anos, por supostos crimes de importunação sexual, violência sexual mediante fraude e ameaça. Ao Metrópoles, ela contou como foram os momentos de abuso e como decidiu denunciar o caso.
A mulher, de 27 anos, prefere não se identificar. Ela contou que, em 27 de abril, estava em uma gira no terreiro – momento das atividades religiosas em que médiuns incorporam espíritos – quando foi se consultar com a entidade feminina Maria do Bagaço, que teria sido incorporada por Tiago.
“Nesse dia, eu estava brigada com meu marido. Estava mal psicologicamente e precisava de ajuda espiritual. Foi quando fui até ele”, diz. Durante a consulta, Tiago teria pedido que a denunciante entrasse com ele no “Quarto da Bagunça”.
“Assim que ele chegou, falou: ‘Sabe qual o seu problema? Gozar. Você precisa se sentir mulher de verdade'”, relata a mulher. Ela conta que Tiago começou a insistir que os dois deveriam ter relações sexuais. “Comecei a desconfiar que não tinha entidade nenhuma ali”.
Segundo ela, os dois ficaram cerca de 1 hora no quarto e, a todo momento, o pai de santo estaria usando a entidade para que a mulher aceitasse ter relações com ele.
“Ele se aproximou, pegou na minha cintura, mordendo os lábios e foi descendo a mão. Eu não deixei, mas ele foi me encoxando e deixando eu sentir que ele estava excitado”, completa. A mulher relata que, devido ao nervosismo e para se desvencilhar de Tiago, “aceitou” ter relações com ele. “Ele marcou para a próxima segunda-feira, 13h, e me deixou sair do quarto”.
“Quando eu estava saindo, ele disse que ninguém poderia saber. Porém, eu cheguei em casa e contei tudo para o meu marido”, complementa a vítima.
Revolta
Com apoio do marido e de outros amigos, ela teve coragem para denunciar o caso à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) 2, em Ceilândia (DF). “No dia que ele havia marcado comigo, ele mandou mensagem. Eu respondi, torcendo para ele não tocar no assunto, mas ele tocou. Foi quando, com orientação de outras pessoas, comecei a dar um pouco de corda para ele, para ter provas do que ele estava fazendo”, revela.
Ela conta que, após o caso ser divulgado, começou a receber mensagens de outras supostas vítimas do pai Tiago.
“As meninas ainda têm medo de denunciar. Têm medo de serem vítimas de algum trabalho. alguma macumba. Mas não tem motivo para terem medo. Ali não tinha espiritualidade. A partir do momento que a pessoa finge uma incorporação, a espiritualidade não apoia mais”.
Ela finaliza o relato dizendo que a sensação que fica é de revolta. “Muita revolta. Em vários momentos, a gente deixa de acreditar na nossa espiritualidade por pessoas assim. E pensar que poderia passar impune e ele poderia fazer isso com outras vítimas”.
O que diz a defesa de Tiago Rodrigues da Silva
Por meio de nota, Talaguibonan Arruda, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) e advogado de Tiago Rodrigues da Silva, afirmou que as acusações contra o “ministro de confissão religiosa Tiago Juremeiro são totalmente infundadas”.
A defesa do denunciado acrescentou que as duas mulheres que registraram ocorrência contra o líder religioso agiram “em conluio” para “extorquir o líder religioso em troca de favorecimento pessoal dentro da instituição religiosa”.
O advogado também lembrou que sempre havia uma terceira pessoa durante os atendimentos religiosos, “nunca ficando somente o consulente [o frequentador] e a entidade [incorporada por Tiago] sozinhos”, em cômodo algum do terreiro.
Além disso, Talaguibonan disse que Tiago registrou ocorrência na última segunda-feira (9/9) contra as duas denunciantes por extorsão. A data é a mesma em que as duas jovens prestaram queixa contra o líder religioso.
As supostas ameaças em troca de dinheiro envolviam a divulgação de conversas pelo WhatsApp, entre a denunciante de 27 anos e o pai de santo, aos demais integrantes do Instituto Afro-Ameríndio Roça de Catimbó Jurema. As mensagens tratavam de encontros que teriam sido marcados entre os dois, mas não chegaram a ocorrer.
Outra vítima
Outra pessoa que denunciou Pai Tiago, também conhecido como Tiago Juremeiro, relatou em depoimento à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) 2, em Ceilândia (DF), que o líder religioso a beijou de língua e a pressionou contra uma das paredes do terreiro.
A suposta vítima havia procurado o Instituto Afro-Ameríndio Roça de Catimbó Jurema em busca do desenvolvimento da própria espiritualidade. O abuso relatado pela jovem de 18 anos teria ocorrido após uma sessão religiosa, em abril deste ano.
A denunciante disse à polícia que, por volta da meia-noite, o pai de santo a chamou para conversar e a levou para um local escuro. Lá, começou a fazer perguntas sobre o relacionamento íntimo dela com outra pessoa e se aproximou dela, “visivelmente com o pênis ereto”. Enquanto a encurralava contra uma parede, Pai Tiago encostava o órgão genital nas partes íntimas da jovem por cima das roupas e a forçava a beijá-lo de língua.
A jovem relatou que repeliu a violência imediatamente e que pediu para Tiago parar, antes de o denunciado afirmar que ela o atraía “não só como pai de santo, mas como homem”. Dois dias depois, quando ela voltou ao terreiro, o líder religioso a levou até um quarto com cama, onde disse que “desejava transar com ela” e afirmou que a “faria gozar como nunca antes na vida”.
Como a jovem recusou as investidas, o pai de santo teria sugerido que os dois “passassem uma borracha no assunto” e oferecido um emprego para a suposta vítima, como forma de “calar a boca” dela. Ao registrarem as ocorrências contra Tiago, as duas denunciantes pediram que os fatos relatados fossem apurados criminalmente pela PCDF.
Leia o texto da defesa na íntegra:
“O Instituto Afro-Ameríndio Roça de Catimbó Jurema, neste ato tendo sua defesa patrocinada pelo causídico dr. Talaguibonan Arruda, vem esclarecer que são totalmente infundadas as acusações imputadas ao ministro de confissão religiosa Tiago Juremeiro, onde o mesmo está sendo vítima de um conluio praticado entre [a denunciante de 27 anos], seu esposo [nome do marido da denunciante de 27 anos] e sua afilhada [a denunciante de 18 anos].
Os mencionados fizeram parte do corpo mediúnico da instituição religiosa, sendo que entre Tiago Rodrigues da Silva e [a denunciante de 27 anos], houve troca de mensagens, onde [a denunciante de 27 anos] e Tiago Rodrigues manifestaram em mensagens interesse recíproco em marcar um encontro amoroso, sem que seus cônjuges tivessem conhecimento.
Ocorre que Tiago Juremeiro em nenhum momento desconfiou que tudo não passaria de uma armação entre as supostas vítimas e [nome do marido da denunciante de 27 anos], que após conseguirem prints de conversas entre as vítimas e o possível suspeito, passaram a extorquir o líder religioso em troca de favorecimento pessoal dentro da instituição religiosa, pedindo quantias em dinheiro a Pai Tiago Juremeiro e outras regalias dentro da instituição religiosa.
[Nome do marido da denunciante de 27 anos], juntamente com as supostas vítimas vinham desde abril deste ano constrangendo Pai Tiago Juremeiro a tolerar seus comportamentos inapropriados dentro da instituição religiosa, assim como ameaçando Pai Tiago Juremeiro e sua esposa de tornar públicas as mensagens das supostas vítimas se os mesmos não os dessem dinheiro.
Sobre as acusações de que Pai Tiago Juremeiro teria assediado [a denunciante de 27 anos], dentro de um Quarto da Bagunça, tal fato nunca aconteceu, vez que o líder religioso ao prestar consultoria espiritual incorporado por meio de entidades, os atendimentos sempre eram acompanhados de uma terceira pessoa, que acompanhava a entidade e o consulente, nunca ficando somente o consulente e a entidade sozinhos em nenhum cômodo da instituição religiosa.
Afirma ainda, pai Tiago Juremeiro que nunca beijou ou teve qualquer contato sexual com nenhuma das vítimas. Que houve, sim, conversas, somente com [a denunciante de 27 anos], sobre um possível encontro fora da instituição
religiosa.
O ministro de confissão religiosa Tiago Juremeiro, está bastante preocupado com a proporção das acusações feitas a ele e o fato de ter sua foto estampada nas redes sociais o intitulando como assediador, quando em verdade se tivesse ocorrido algo entre o sacerdote e as supostas vítimas, teria sido algo praticado entre pessoas adultas, maiores, capazes e totalmente desvinculado de qualquer ato religioso, até porque as práticas religiosas de origem afro-ameríndio repudiam todo e qualquer ato de violência praticado em seus cultos.
Pai Tiago Juremeiro, confia fielmente na Justiça e tem certeza que tudo será esclarecido, vez que tem certeza de sua inocência, lamentando apenas o fato de que inúmeras pessoas diante de uma acusação infundada, vão prontamente para a internet e começam a espalhar notícias falsas imputadas às pessoas algo grave.
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, assim como todos tem o direito ao devido processo legal com direito a ampla defesa e o contraditório. Infelizmente as pessoas julgam antes de conhecer todos os fatos e querem julgar as pessoas como se juízes fossem. Os prejuízos à imagem e a todo trabalho desenvolvido durante anos na instituição religiosa são incalculáveis.”