Relatório aponta que Comando Vermelho teria feito suposta aliança com prefeito de Manaus
O documento, de 63 páginas, sugere que a campanha do político, em 2020, tenha destinado cerca de R$ 70 mil aos integrantes da facção
atualizado
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Uma das principais vias de acesso para o narcotráfico no Brasil, a região do Amazonas é disputada por organizações criminosas, que faturam milhões com o comércio de entorpecentes no país e no exterior. Com o intuito de obter cada vez mais poder e influência, facções, como o Comando Vermelho (CV), passaram a fazer negócio com campanhas de políticos locais, incluindo, supostamente, a do atual prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).
Pelo menos é o que aponta relatório de inteligência elaborado pela Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Manaus, obtido com exclusividade pela coluna. O documento, de 63 páginas, sugere que a campanha do político, em 2020, tenha destinado cerca de R$ 70 mil aos integrantes da facção em troca de apoio.
O documento é fruto de análise minuciosa feita em celulares de integrantes da organização criminosa carioca. Um dos aparelhos periciados foi o de Lenon Oliveira do Carmo, conhecido como Bileno. Em julho deste ano, ele acabou morto durante confronto policial ocorrido na estrada do Puraquequara, na zona leste de Manaus.
Dois anos antes de ser abatido pela polícia, porém, o então líder do CV foi preso, quando todos os municípios do país realizavam eleições locais. À época, foram encontradas, em celular que estava com o traficante, mensagens que continham conversas suspeitas com candidatos às vésperas do pleito daquele ano.
Um dos diálogos traz como personagem o gerente do tráfico de drogas de Bileno, conhecido como Alex. No áudio, ele fala de supostos acordos com David e Marcos Rotta (PP), atualmente prefeito e vice-prefeito de Manaus.
Veja prints do relatório de inteligência:
Troca de favores
Segundo o dossiê produzido pelas forças de segurança de Manaus, Bileno era peça fundamental para o Comando Vermelho no Norte. Ele mantinha o controle do tráfico e autorizava reuniões entre os seus intermediários com postulantes a cargos no governo estadual.
Mensagens apontam que os faccionados foram supostamente procurados pelos assessores dos candidatos. A organização criminosa se comprometia a conseguir votos em comunidades dominadas pelo CV em troca de regularização de áreas invadidas e implementação de infraestrutura, como poços, asfalto e cisternas.
Ouça traficantes comentando sobre apoiar políticos:
Por meio de mensagens em áudios, o gerente do tráfico, Alex, juntamente com outros comparsas, chegam a fazer supostos acordos com assessores dos então candidatos a prefeito e vice-prefeito, David Almeida e Marcos Rotta, respectivamente. A intenção, de acordo com o relatório da SSP-AM, seria conseguir a maior quantidade de votos junto à comunidade. David e Marcos Rotta venceram a eleição daquele ano e, atualmente, comandam a capital do estado.
O suposto elo entre os candidatos e os narcotraficantes aparece em uma gravação obtida por quebra telemática em um dos aparelhos apreendidos. No áudio registrado em outubro de 2020, Alex fala supostamente com um assessor de David Almeida e Marcos Rotta, a fim de marcar reunião no sentido de acertar valores para compra de votos, conforme sugere a apuração.
Em setembro, em outro áudio, Alex confirmou aos comparsas que “fechou com o candidato”. O passo a passo das negociações era repassado diretamente a Bileno. Uma segunda gravação obtida pela Secretaria de Segurança detalha a relação.
Na ocasião, Bileno relata que, “por enquanto, está ‘fechado’ com o candidato de Marcos Rotta, no caso, David Almeida. Na sequência, o bandido diz que ele “deu até manilhas para fazer a ponte, além de sacos de cimento, e ficou de fazer poços e asfaltar as ruas da comunidade”. Depois, o traficante afirma que “não está gostando muito da proposta e está esperando uma proposta melhor dele para fechar”. Finaliza dizendo que, depois de fechar com ele [Marcos Rotta], “vai ser geral e que todo mundo deverá apoiá-lo”.
Veja o diálogo:
Em outro diálogo, Bileno confirma que os candidatos ficaram de cavar os poços artesianos, dar 500 canos e asfaltar as duas principais vias de duas comunidades. “Aí, depois, quando ele ganhar, irá asfaltar o resto.” O traficante diz que, se eles fecharem, “vai ser uma grande quantidade de votos”. Em seguida, faz as contas: “Deve ser de 15 [mil] a 30 mil votos na comunidade Bairro da Fé, de Francisca Mendes 1 e 2, de Puraquequara, de Coração de Mãe, de Bela Vista e de Colônia Antônio Aleixo”.
O criminoso ainda exige dos então candidatos um “trabalho social” na comunidade, mas ponto que, para isso, precisa de um “faz-me rir” e pede aos políticos que adiantem pelo menos R$ 40 mil. O “pacote completo” envolvendo o apoio nas comunidades de Santa Inês 1, Santa Inês 2, Ipixuna e outros lugares poderia, segundo os criminosos, ser negociado por R$ 70 mil.
Conforme o relatório de inteligência da SSP-AM, o material apreendido mostra como a “facção criminosa Comando Vermelho e seus comparsas estão diversificando sua atuação criminosa, tentando fazer alianças com atores políticos do Estado do Amazonas”.
O outro lado
A coluna entrou em contato, na quinta-feira (20/10) à tarde, a Secretaria de Segurança do Amazonas para falar sobre os desdobramentos apurados no relatório de inteligência. A pasta não respondeu até a última atualização desta matéria.
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Manaus foi acionada no dia seguinte, para que o prefeito David Almeida e seu vice, Marcos Rotta, se posicionassem. Em nota, o chefe do executivo municipal se manifestou informando que pedirá cópia do relatório produzido pela SSP-AM, do qual disse nunca ter tido acesso.
Leia a nota do prefeito David Almeida:
Em relação à matéria publicada no site Metrópoles com o título “Relatório aponta que Comando Vermelho teria feito suposta aliança com prefeito de Manaus”, o prefeito de Manaus, David Almeida, informa que pedirá cópia do relatório divulgado, o qual nunca teve acesso e que foi vazado para um portal de notícias, para então se pronunciar.
“Estou indignado que um suposto relatório de 2020 só tenha sido vazado dois anos depois e, coincidentemente, a 9 dias do segundo turno das eleições para o Governo do Amazonas. Pedirei na Justiça a cópia desse relatório para que, então, possa me pronunciar. Desde já, repudio todas as afirmações que possam nos ligar a qualquer ato ilícito e buscarei a devida reparação cível e criminal contra qualquer exploração sem base em provas.”