Polícia Civil vai investigar se macaca foi alvo de tráfico de animais
O caso, ocorrido em novembro de 2024, também revelou a utilização de documentos supostamente falsos para justificar a posse do animal
atualizado
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A Polícia Civil do Distrito Federal, por intermédio da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA), instaurou inquérito policial para investigar o caso envolvendo uma macaco-prego, aprendida em um shopping de Brasília.
O caso, ocorrido em novembro, também revelou a utilização de documentos supostamente falsos para justificar a posse do animal. Após a apreensão, a macaco-prego foi encaminhada ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), onde recebe cuidados especializados.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) (TRF-1) determinou que o Ibama devolva a primata às tutoras, que a criavam já na nesta segunda-feira (23/12), quando acabam as 48 horas dadas pela Justiça do Distrito Federal à autarquia para cumprir a determinação. No entanto, o órgão ainda não havia sido notificado.
Assista:
O instituto vai recorrer da decisão, segundo o analista ambiental Roberto Cabral, um dos fiscais que abordaram Vitória Gabriela Rodrigues, 24 anos, responsável por Anne, a macaca.
Há quase um mês no Cetas-DF, Anne estaria bem inserida a outro grupo de macacos-prego, segundo Roberto. “Conseguimos colocá-la em um grupo que a aceitou e interage com ela. Voltar [Anne] para essa pessoa [a antiga tutora], na verdade, também é eliminar a relação que ela tem com indivíduos da própria espécie”, ressaltou.
O analista ambiental rebateu a declaração do desembargador responsável pela decisão, sobre o centro– para onde a macaca foi levada – supostamente enfrentar graves deficiências estruturais e de pessoal, que teriam comprometido a capacidade operacional do local.
“O Cetas passou por reforma há pouco tempo. Na questão estrutural, ele está totalmente adequado. Em relação ao pessoal, contamos com biólogos e veterinários que trabalham nesse centro de triagem, além de cooperações técnicas com o hospital veterinário da Universidade de Brasília”, afirmou.
Passeio no shopping
Um vídeo disponibilizado Ibama registrou a macaca-prego Anne minutos antes de ser abordada por dois fiscais da autarquia, em um shopping do Distrito federal. O episódio aconteceu em 16 de novembro deste ano.
Dias depois, o animal acabou apreendido pelo instituto por suspeitas de falsidade documental. Na última quarta-feira (18/12), porém, o TRF determinou que o animal fosse devolvido às tutoras que estavam com ele no centro comercial.
“Ela estava no shopping, que estava lotado por causa das festas de fim de ano, passeando com a macaca e a passando de mão em mão. Inclusive, no colo de pessoas com crianças”, contou.
“Felizmente, esse macaco ainda é filhote. Um animal desse adulto, se permanecer com esse tipo de comportamento, de ser levado [a centros de compras] e exposto a outras pessoas, pode chegar a morder e causar dano em alguém, ou até mutilar. Estar no shopping não faz parte das necessidades do macaco. É questão de capricho do dono”, ressaltou Roberto.
Vitória Gabriela teria sido abordada pelos fiscais enquanto andava em um carro de brinquedo com o animal na cabeça. A dupla do Ibama pediu que ela fosse ao estacionamento do shopping com eles, para evitar constrangimentos, e se deslocaram até o carro da tutora do animal – que estava estacionado em uma vaga para idosos.
Veja:
Ainda segundo Roberto, a tutora garantiu ter a documentação necessária do animal, apesar de não ter apresentado os papéis. Vitória Gabriela também disse que ganhou a macaca do ex-marido e chegou a ligar para alguém que seria o antigo companheiro.
No entanto, a mãe dela, a enfermeira Rosemary Rodrigues, 51, contou ao Metrópoles que o marido de Vitória Gabriela havia comprado o animal, pois a esposa não podia ter filhos. O casal teria ficado junto por dois anos, segundo ela.
A enfermeira também disse à reportagem bicho teria sido comprado por R$ 30 mil, em um criadouro de Santa Catarina, em fevereiro. Cerca de um mês depois, o marido de Vitória Gabriela morreu. O homem que atendeu à ligação dos fiscais do Ibama, porém, teria informado que todos os registros da primata estavam em situação regular e que ele até tinha mais três macacos, mas não quis se identificar nem passar outras informações.
Multa
Vitória Gabriela ainda precisou comunicar um endereço próprio, mas prestou informações de um imóvel da mãe que está alugado para outras pessoas, segundo o Ibama. Ela acabou multada pelo instituto por posse irregular do animal e foi notificada para apresentar a devida documentação do bicho.
Quando a tutora foi ao instituto, os fiscais verificaram que os registros apresentados seriam falsos. “Esse animal veio do tráfico, teve a mãe morta, e ela comprou a macaca de um traficante. Nós apreendemos o bicho, e a multamos por mantê-lo em cativeiro ilegal. Também comunicamos o crime ao Ministério Público”, destacou o analista ambiental Roberto Cabral.
Ainda na sede do Ibama, Vitória Gabriela teria mudado a versão e dito que havia ganhado a macaca do marido, mas que ele havia morrido em março. “Se me falam que a pessoa morreu, não consigo verificar a veracidade da informação. Só que é muito estranho, porque falei com alguém pelo telefone no momento da abordagem, e ela dizia ser o ex-marido dela”, completou o servidor do instituto ambiental.
Justiça determinou devolução às tutoras
A Justiça concluiu que os documentos apontados como falsos não passaram por perícia técnica. Entretanto, Roberto Cabral contestou esse entendimento e disse que a idoneidade ficou comprovada por meio do Sistema de Gestão de Fauna (SisFauna), que valida esses tipos de registros.
“Afirmamos com 100% de segurança que o documento é falso. Ele não aparece na hora em que entramos com o código do documento na plataforma. É como se eu entrasse no sistema do Detran [Departamento de Trânsito], colocasse o número de uma placa, e ela não aparecesse. Então, a autarquia sabe que aquela placa é falsa, porque ela não consta no sistema”, comparou.
O valor da compra também é motivo de estranhamento para o analista ambiental. “Esses animais valeriam cerca de R$ 80 mil, e elas compraram por R$ 30 mil. Na hora que você tem um macaco-prego comprado por esse valor, é óbvio que tem alguma coisa errada. Muitas informações precisam ser explicadas”, resumiu. Roberto Cabral.
Para o analista, o Judiciário não ouviu as argumentações do Ibama nem deu a possibilidade de o instituto mostrar que a documentação era, de fato, falsa. “O fato de o macaco não ser ameaçado de extinção não interfere. A legislação brasileira o protege, e o que o Ibama está tentando fazer é combater o tráfico, para evitar que esse animal acabe ameaçado”, ponderou. “É como se estivéssemos falando às pessoas que a lei ambiental não precisa ser cumprida”, concluiu.