“Padrinho” mantinha 15 laranjas no DF para lavar dinheiro do tráfico
Laranjas eram recrutados para depositar grandes quantias de dinheiro, variando entre R$ 20 e R$ 150 mil, em contas de empresas de fachada
atualizado
Compartilhar notícia
As engrenagens financeiras que movimentavam um esquema milionário abastecido pelo tráfico de cocaína concentravam 15 laranjas no Distrito Federal. Esses indivíduos eram recrutados para comparecer a determinadas agências bancárias da capital, onde recebiam grandes quantias em dinheiro, variando entre R$ 20 e R$ 150 mil. Os montantes eram posteriormente depositados em contas das empresas de fachada.
A segunda fase da Operação Il Padrino, deflagrada nessa quinta-feira (5/10), atinge uma intricada teia financeira que amealhou cerca de R$ 170 milhões nos últimos três anos. A fortuna costumava ser “lavada” por meio de empresas de fachada espalhadas pelo país, que recebiam depósitos desses laranjas.
A ação da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) cumpriu 25 mandados de busca e apreensão em cinco estados, além do DF. O bando comandado pelo megatraficante Cícero da Silva Oliveira, conhecido como “Padrinho” ou “Inseto”, construiu uma sólida reputação no mundo do crime.
O desdobramento da operação se dedicou primordialmente a seguir o rastro do dinheiro, mapeando minuciosamente as movimentações financeiras para decifrar sua origem e seu destino.
Foi descoberto que um dos principais operadores financeiros da organização criminosa usou 12 empresas fantasmas, entre 2020 e 2023. As firmas de fachada serviram como instrumentos para a lavagem de dinheiro e também para a aquisição de entorpecentes nas regiões de fronteira entre o Brasil e a Bolívia.
“Os laranjas eram pessoas do DF recrutadas pela organização criminosa para realizar depósitos bancários em espécie de valores altos entre 20 a 150 mil reais. Tem pessoas de todo o tipo, desde trabalhadores, frentistas, cabeleireiros até indivíduo que já foi preso por tráfico de drogas. Essas pessoas vão ser indiciadas e responsabilizadas por lavagem de dinheiro e ocultação de valores”, detalha o delegado da Cord, Paulo Francisco Pereira.
Segundo o delegado, no caso dos traficantes, as investigações devem apontar se eles tinham ligação com facções criminosas. “Alguns [laranjas] deles são moradores da mesma localidade próxima aonde o líder residia, que era no Gama. Pode ser um fator de recrutamento, a proximidade, mas a princípio eles não eram integrantes da organização criminosa fundada pelo Padrinho no DF”, explica.
Empresas laranjas
De janeiro de 2021 a maio de 2023, as empresas receberam aproximadamente R$ 4 milhões provenientes da organização criminosa baseada no Distrito Federal. No entanto, apurou-se que as mesmas empresas serviam a um gigantesco esquema de âmbito nacional, pois movimentaram os R$ 170 milhões no período de três anos.
Dessa forma, as empresas de fachada funcionavam de forma autônoma em outros estados do país. De acordo com as investigações, parte desses negócios era constituída por estelionatários e pessoas envolvidas com crime de falsidade.
“Eles normalmente se utilizavam de laranjas para constituir empresa, pra criar contas correntes bancárias. Tinha o laranja depositante e o laranja titular da empresa. Esse laranja titular da empresa recebia de R$ 500 a R$ 1 mil pra alugar empresa e conta bancária. A conta bancária era movimentada praticamente pelos criminosos”, frisa o delegado da Cord.
Segundo o delegado Paulo Francisco, o destino final desse dinheiro movimentado pelas empresas de fachada era a fronteira do país, nas regiões de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Um dos elementos que chamou a atenção nas diligências da segunda fase da Operação Il Padrino foi a rapidez que essas quantias circulavam.
Uma das empresas alvo das diligências foi aberta em janeiro deste ano, em Anápolis, e foi encerrada cerca de quatro meses depois. “Essa empresa recebeu milhões de reais e vários criminosos do Brasil e repassou dinheiro para outras empresas. O titular, um homem humilde, foi recrutado em uma praça. Esse titular sem sequer possuir habilitação adquiriu seis veiculos seminovos, quatro deles foram vendidos pra moradores de região de fronteira com a Bolívia”, ressalta.
O montante tem sua origem nos tentáculos do crime organizado espalhados por todo o país. A Cord, em suas diligências, identificou que tais empresas foram formalmente registradas em diversas cidades, incluindo São Paulo (SP), Sorocaba (SP), Avaré (SP), Goiânia (GO), Anápolis (GO) e Mossoró (RN).
“Algumas empresas têm relação entre si, praticam técnica de mascaramento de operações financeiras em prol do crime organizado, dentre elas transportadoras, negócios de produtos alimentícios, lava-jato, venda de veículos e fábrica de gesso que nunca existiriam”, pontua.
Quem é o Padrinho
Tijolo por tijolo, o megatraficante Cícero da Silva construiu uma sólida reputação no mundo do crime. A fama ultrapassou as fronteiras brasileiras e chegou a países produtores de cocaína e maconha, como Bolívia e Paraguai. Mas o criminoso não se tornou uma notoriedade de um dia para o outro. A ascensão levou cerca de 10 anos para se consolidar.
Quando começou a integrar grupos criminosos especializados em tráfico de drogas baseados na capital da República, o traficante cearense, de 44 anos, logo foi preso pela Coordenação de Repressão às Drogas (Cord). Cícero, então traficante mediano, atuava como batedor de carregamento de drogas.
No entanto, a inteligência e a capacidade de articulação para planejar as empreitadas criminosas fizeram de Cícero uma espécie de cérebro do tráfico. Em 2013, ele acabou preso pela Cord, com mais de mil comprimidos de “ecstasy”, e condenado junto com quatro comparsas. Conforme constou da sentença condenatória, os investigados se associaram para praticar tráfico interestadual.