Filha que deu golpe de R$ 725 mi pôs faca no pescoço da mãe e a deixava sem comida
Sabine Boghici foi presa no Rio de Janeiro, acusada de liderar bando para roubar a própria mãe, que é viúva de renomado galerista
atualizado
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Investigações conduzidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) revelam detalhes sobre os abusos sofridos pela francesa Geneviève Boghici, de 82 anos. A idosa passou fome e chegou a ser ameaçada com faca no pescoço. Ela foi vítima de um golpe aplicado pela própria filha, Sabine Boghici (foto em destaque), presa na manhã desta quarta-feira (10/8) na zona sul do Rio. O prejuízo atinge o montante de R$ 725 milhões em obras de arte, joias e dinheiro. O bando se passou por vidente para enganar a mulher.
Mantida em cárcere pela filha durante um certo período, a idosa conseguiu escapar no ano passado após usar uma chave reserva do apartamento. E denunciou o caso este ano à polícia. Em depoimento, Geneviève Boghici estima que seu prejuízo inicial foi de R$ 724.668.965,85. Desse total, os investigadores recuperaram R$ 303,5 milhões. A idosa é viúva, desde 2015, de um grande colecionador de arte, o Eugenee Boghici, conhecido como Jean Boghici.
Segundo o depoimento, em janeiro de 2020, após sair de sua agência bancária, a idosa foi abordada por uma mulher, que se apresentou como vidente Diana. A suspeita teria lhe informado que a filha da francesa estava doente e morreria em breve. A vítima seguiu com a golpista até o apartamento onde mora, em Copacabana. No local, a suposta vidente jogou búzios e “confirmou o evento trágico”.
A partir daí, a vítima foi persuadida a providenciar imediatamente o pagamento para “salvar” a vida da filha. Assim, diante das previsões anunciadas pelas videntes e considerando os problemas psicológicos enfrentados há muitos anos por Sabine, a idosa resolveu fazer o tratamento espiritual e concordou em fazer os pagamentos solicitados, que se iniciaram em 22 de janeiro de 2020 e se estenderam até 5 de fevereiro de 2020.
Alguns dias após o início do tratamento espiritual, Sabine começou a isolar a mãe das pessoas com quem regularmente convivia, e dispensou funcionários que prestavam serviços domésticos. A situação acabou gerando a suspeita de que o tratamento espiritual seria uma forma encontrada por sua filha, em comum acordo com todos os diretamente envolvidos na fraude, de induzi-la a pagar tais valores exorbitantes em busca da cura de uma doença inexistente. Desconfiada, a idosa suspendeu qualquer pagamento a partir de 5 de fevereiro de 2020.
Sabine, então, passou a agredir e ameaçou matar a mãe. Segundo as apurações, a investigada negava comida a Geneviève, com o intuito de obrigar a vítima a pagar o suposto tratamento espiritual. A francesa relata que teve certeza de que sua filha tinha um envolvimento com a vidente – Rosa Stanesco Nicolau, que também atende pelo nome de Mãe Valéria de Oxossi – e com os demais golpistas.
Nessa época, tendo como desculpa a pandemia do coronavírus, Geneviève ficou completamente isolada de seus amigos e funcionários domésticos, e foi impedida de usar telefones. Em contrapartida, a idosa recebia visitas de pessoas que iam ao apartamento realizar o tal tratamento espiritual.
Nessa conjuntura, a idosa, que já se encontrava totalmente isolada e coagida, também foi obrigada a fazer uma transferência no valor de R$ 8 mil para a conta bancária do filho de Rosa, em 30 de abril de 2020.
As ameaças de morte se agravaram, e não foram poucas as vezes em que Sabine colocou uma faca no pescoço de Geneviève; nessas ocasiões, pelo alto-falante do celular, Rosa mandava a filha da idosa matá-la, caso todos os bens não lhe fossem entregues. A partir de 10 de setembro de 2020, sob ameaças, coações e isolamento, a francesa realizou outras 38 transferências bancárias ao bando que seria liderado por sua filha.
Nesse período, Rosa vivia em contato com Sabine e também passou a frequentar, de forma esporádica, a casa da vítima. A suposta vidente ameaçava amaldiçoar e agredir a idosa, para que esta realizasse as transferências exigidas. A criminosa também furtava diversos objetos de valor, sob a alegação de que estariam amaldiçoados e que precisavam ser dali retirados para serem rezados. Perante tal situação de coação e violência, a idosa já não conseguia mais opor resistência.
Prisões
Além de Sabine, acusada de subtrair da mãe 16 peças de artistas consagrados, foram presos Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, Jacqueline Stanescos e a vidente Rosa Stanesco Nicolau.
Dentre os quadros levados, existiam trabalhos de renomados artistas, como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. O nome que batiza a ação faz alusão ao quadro Sol Poente, de Tarsila – avaliado em R$ 250 milhões e encontrado por policiais embaixo da cama da Rosa Stanesco.
Esse quadro de Tarsila, inclusive, foi resgatado de um incêndio ocorrido na casa de Jean Boghici em Copacabana, em 2012. Na ocasião, obras milionárias foram destruídas.
Seis mandados de prisão e 16 de busca e apreensão foram expedidos. O caso é investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade.
Ao todo, 16 obras de arte foram roubadas. Três delas, avaliadas em mais de R$ 300 milhões, foram recuperadas em uma galeria de arte de São Paulo. O dono do estabelecimento confirmou à polícia que vendeu outros dois quadros para o Museu de Arte Latino-Americano e disse não ter desconfiado do golpe, por conhecer a família.
Confira as obras levadas, segundo as investigações:
1) O Sono, de Tarsila do Amaral: R$ 300 milhões;
2) Sol Poente, de Tarsila do Amaral: R$ 250 milhões;
3) Pont Neuf, de Tarsila do Amaral: R$ 150 milhões;
4) Ela, aquarela, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
5) Aquarela sem título, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
6) Desenho representando uma paisagem, 1935, de Alberto Guignard: R$ 150 mil;
7) Rue des Rosiers, de Emeric Marcier: R$ 150 mil;
8) Église Saint Paul, de Emeric Marcier: R$ 150 mil;
9) Porto de Pesca rem Hong-Kong, de Kao Chien-Fu: R$ 1 milhão;
10) Coruja ao Luar, de Kao Chi-Feng: R$ 1 milhão;
11) Retrato, de Michel Macreau: R$ 150 mil;
12) Mulher na Igreja, de llya Glazunov: R$ 500 mil;
13) Mascaradas, de Di Cavalcanti: R$ 1,5 milhão;
14) O Menino, de Alberto Guignard: R$ 2 milhões;
15) Maquete Para Meu Espelho, de Antônio Dias: R$ 1,5 milhão;
16) Elevador Social, de Rubens Gerchman: R$ 1,5 milhão.