Brasília Iluminada: entenda como é o esquema apurado pelo MP
As investigações apontaram supostas irregularidades no processo de contratação do Instituto Idheias para a realização do evento
atualizado
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Deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a Operação Tenebris apura o suposto superfaturamento na contratação do Brasília Iluminada, pela Secretaria de Economia do DF. A ação, que teve apoio da Polícia Civil do Distrito Federal e do Gaeco de Goiás, cumpriu buscas na casa do ex-secretário de Economia do DF André Clemente.
As investigações apontaram uma série de irregularidades no processo de contratação do Instituto Idheias para a realização do evento, o qual previa a ornamentação do canteiro central da Esplanada dos Ministérios e do Eixo Monumental, além da realização de atividades culturais.
Confira imagens da instalação da estrutura:
A suspeita é de que a empresa, que detém formalmente a condição de Organização da Sociedade Civil, tenha sido utilizada como fachada, apenas para permitir a contratação sem licitação e, posteriormente, terceirizar quase na íntegra a execução dos serviços para companhias que lucraram com o contrato. Entre as empresas beneficiadas, estão a Primer Serviço de Comunicação e Eventos e a Mark Systems.
Esquema
De acordo com as investigações, entre 2020 e 2021, o investigado Marconi José de Souza Barros foi o responsável por tirar dúvidas do projeto de iluminação de Natal que seria, supostamente, do próprio Idheias. Ou seja, mesmo sendo empresário que atua no setor de promoção de eventos com o objetivo de obter lucro e mesmo sendo dono da Mark Systems e tendo uma filha como dona da empresa Primer, Marconi foi qualificado como responsável pelo Brasília iluminada do ano passado.
Com o projeto aprovado, o Idheias e Marconi contrataram a Primer, que pertence à filha do empresário, Marcela Pupe. Na prática, ela recebeu mais de 53% dos mais de R$ 9 milhões destinados ao evento no ano passado.
Outras pessoas da família Pupe foram contratadas para o Brasília Iluminada de 2020, o que, de acordo com as investigações, seria mais uma evidência de favorecimento de pessoas físicas e jurídicas vinculadas a Marconi.
Além de identificar esse possível direcionamento, o Gaeco destaca que a edição anterior do evento está cercada de indícios de superfaturamento dos serviços prestados e por falhas na prestação de contas, que sugerem inclusive que o projeto não foi entregue nas condições previstas no contrato.
As suspeitas fizeram com que o Ministério Público de Contas do DF ingressasse com uma representação perante o Tribunal de Contas com o objetivo de auditar a contratação e reparar os prejuízos causados na primeira edição do evento.
O MPC, nesse trabalho, chegou a ressaltar que, em 2019, ainda sem o alastramento da pandemia no país, foram gastos pouco mais de R$ 2 milhões com ornamentação natalina e eventos. Já no curso da pandemia e com inúmeras restrições vigentes, no final de 2020 e início de 2021, o gasto saltou para os mais de R$ 9 milhões, quando foi contratado, pela primeira vez, o evento.
Os promotores chamam a atenção para o fato de esse mesmo esquema ter sido realizado na virada de 2020 para 2021 e, mesmo tendo sido alvo de questionamentos por parte do Ministério Público de Contas, foi replicado para as festividades do final de 2021 e início de 2022.
O então secretário André Clemente liderou a contratação e defendeu publicamente o evento. As investigações apontam, no entanto, que o ex-secretário já havia atuado informalmente como responsável pela primeira edição do evento, mesmo estando a contratação sob a responsabilidade da Secretaria de Turismo.
Vizinhos
Para os promotores, havia interesse pessoal da Secretaria de Economia em tocar o projeto. As apurações revelaram um outro fato que parece comprometer ainda mais a lisura do processo de contratação: André Clemente reside exatamente no mesmo bloco e na mesma prumada que o investigado Marconi José, no Setor Sudoeste, o que aponta para uma proximidade entre os dois e para o beneficiamento indevido das empresas da família Pupe.
O Ministério Público indica, ainda, que violando as determinações legais e regulamentares, o processo de contratação e o acompanhamento simultâneo dos gastos do evento de 2020 não foi disponibilizado na internet para que a população e os órgãos de controle realizassem a fiscalização do negócio.
A contratação foi realizada sem a observância de prazos e de exigências legais. Também foram reunidas provas de que a montagem das estruturas do Brasília iluminada realizada entre 2021 e 2022 foram entregues fora do prazo estipulado.
Emendas parlamentares
De acordo com as investigações, existem indícios de irregularidades também na tramitação das emendas parlamentares que destinaram os recursos para a realização última edição do evento.
Uma semana após a aprovação do nome de André Clemente para o Tribunal de Contas do DF (TCDF), 17 deputados distritais decidiram remanejar recursos para o evento, cancelando o empenho de gastos com educação e outras ações prioritárias, no curso de um processo de votação acelerado e com a realização dos dois turno de votação necessários em poucas horas.
Operação Tenebris
Na manhã desta terça-feira (25/1), os promotores cumpriram buscas nas residências de Clemente; Marconi José de Souza Barros; Maria Inês Pupe Barros, esposa de Marconi; Marcela Pupe, filha do casal e dona da Primer Serviço de Comunicação e Eventos; Geraldo Marcelo Soares Sanches, presidente do Instituto Idheias; e Juliana Moreno Fagundes, que seria responsável pela execução do projeto Brasília Iluminada representando o Idheias. Juliana foi servidora na Secretaria de Turismo, atuando em processos de contratação do próprio instituto.
Além das buscas nos endereços dos suspeitos, foram realizadas apreensões nas sedes do Idheias e das empresas Mark Systems e Primer Serviço de Comunicação e Eventos. Foi autorizado o bloqueio das contas dos investigados, à exceção de André Clemente.
A expressão Tenebris, oriunda do latim, é uma alusão à escuridão, às trevas, associada, no caso da investigação do Ministério Público, ao cenário sombrio da corrupção e da malversação de recursos públicos.
Brasília Iluminada
Neste ano, a estrutura de decoração montada no centro da cidade no período de Natal custou, aproximadamente, R$ 14 milhões. O montante corresponde a um aumento de 42% em comparação com 2020. À época, o valor ficou na casa dos R$ 9 milhões.
O Tribunal de Contas do DF informou, em nota, que “tomou conhecimento da Operação Tenebris por meio da imprensa nesta terça-feira. O TCDF está acompanhando os desdobramentos dessa operação e, como ela envolve um de seus membros, vai solicitar informações ao Poder Judiciário.”
André Clemente emitiu, no fim da manhã desta terça (25/1), um comunicado público após ser alvo da operação do MPDFT. Clemente alegou que a ação “foi uma fraude arquitetada por atores de um jogo político sujo desde que meu nome surgiu para a vaga do Tribunal de Contas do DF”.
Confira a nota na íntegra:
“Com relação as buscas realizadas hoje, tenho total tranquilidade sobre o caso. Mas me causa revolta apenas por saber que o tema é tratado por autoridades que deveriam agir de forma isenta, mas atuam sob interesses políticos.
Tenho um nome a zelar. Nos meus mais de 32 anos como servidor nunca respondi a sequer um processo administrativo.
Não pratiquei nenhum ato nesse contrato. A Secretaria de Economia realizou o Brasília Iluminada movida pelo mais legítimo interesse público.
O que ocorreu hoje foi uma fraude arquitetada por atores de um jogo político sujo desde que meu nome surgiu para a vaga do Tribunal de Contas do DF.
Vou empenhar as minhas energias para deixar provado o absurdo cometido e buscar responsabilizar os autores de tal violência.
Assim, acabo de solicitar uma auditoria rigorosa nesse contrato para demonstrar o rigor e a impessoalidade da atuação da Secretaria como um todo.
André Clemente”