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Na calada da noite, Máfia das Funerárias mantém esquema clandestino

O Metrópoles passou 10 dias acompanhando as irregularidades do grupo, entre elas, o transporte ilegal de corpos e fraudes em contratos

atualizado

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1 de 1 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Apesar de a Polícia Civil ter deflagrado duas operações para desarticular a Máfia das Funerárias, o esquema criminoso encontra fôlego para lucrar com a morte em todo o Distrito Federal. Corpos transportados na calada da noite de forma clandestina por veículos descredenciados, fraudes contratuais e atestados de óbito assinados sem qualquer legalidade são alguns dos crimes que continuam a ser praticados mesmo após as investidas policiais e do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

Ao longo das últimas duas semanas, o Metrópoles acompanhou, dia e noite, a rotina na Funerária Tanatos, que funciona no setor P Sul, em Ceilândia. O estabelecimento não foi alvo da Operação Caronte, desencadeada pela Corregedoria da Polícia Civil, em 26 de outubro de 2017. No entanto, o MPDFT recebeu, na quarta-feira (4/4), denúncia sobre uma série de irregularidades envolvendo a Tanatos.

Entre as infrações, está o chamado transbordo de corpos. A atividade se caracteriza quando uma funerária credenciada é contratada para pegar um cadáver e o coloca em carro que não possui cadastro na Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus). A irregularidade geralmente ocorre em condições insalubres.

Transbordo com cerveja
O local onde funciona a Tanatos é de pouco movimento de pedestres. Mas há grande trânsito de carros fúnebres ao longo do dia. Mas é tarde da noite que veículos sem autorização para transportar corpos se aproximam dos portões da empresa. Às 21h40 de 27 de abril, um carro adaptado para transportar os caixões chamou a atenção quando estacionou na rampa da clínica para deixar um corpo.

Segundo logomarca nas portas, o automóvel pertence a uma funerária sediada na cidade de Padre Bernardo (GO), Entorno do DF. A Global Serviços Póstumos não possui nenhum automóvel credenciado na Sejus para prestar o serviço na capital federal, de acordo com a lista de autorização que está disponível no site da pasta. Ainda assim, prestava serviços em Ceilândia.

Após o caixão ser retirado do compartimento do transporte, ainda na calçada, funcionários da Tanatos e o motorista conversavam e confraternizavam. Tranquilo, o homem que dirigia o veículo tomava cerveja enquanto esperava a finalização do serviço para transportar o corpo novamente. Mesmo após consumir bebida alcoólica, pegou o volante para deixar o local.

O dono do grupo Global, Welington Oliveira, explicou que o veículo alvo do flagrante feito pelo Metrópoles teria sido vendido e não pertenceria mais à empresa. “Nós negociamos esse carro há alguns meses e o novo dono, que comanda uma outra funerária, não retirou o emblema do carro. Isso acabou me trazendo problemas”, garantiu. Questionado sobre o nome do estabelecimento, ele disse que não se lembrava de pronto e que iria pesquisar.

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A reportagem flagrou o momento em que carro funerário descredenciado deixa um corpo na funerária Tanatos. O motorista consumia bebida alcoólica

 

Carreto fúnebre
O Metrópoles conversou com o denunciante que entregou farta documentação ao Ministério Público comprovando as irregularidades cometidas pela Tanatos. Segundo a pessoa, o estabelecimento fatura alto com o transporte de corpos feito de forma clandestina, principalmente para outras unidades da Federação. O esquema funciona com a participação de papa-defuntos, fretistas e funerárias que organizam as viagens interestaduais.

De acordo com o denunciante, agindo dessa forma, a Tanatos ganha mais clientes e presta um serviço de alto custo sem onerar os próprios cofres. “As funerárias recrutam os papa-defuntos para captar corpos e contratam motoristas descredenciados para fazer o frete interestadual. Com isso, a funerária preserva os próprios carros de uma longa viagem e cobra caro das famílias por esse serviço”, explicou a fonte.

Para o esquema dar certo, segundo o denunciante, vans devidamente cadastradas pela Unidade de Assuntos Funerários (UAF) da Sejus – e que pertencem às funerárias – retiram os corpos do hospital e os levam para as clínicas que possuem as “salas de preparação”, local onde os restos mortais são tratados com formol. Depois, são usados os veículos que não têm credenciamento na Secretaria de Justiça.

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A denúncia feita ao Ministério Público afirma que as funerárias faturam alto com o transporte clandestino de corpos
A Tanatos passou por sete alterações contratuais entre 2008 e 2011, o que é proibido pela Sejus
O entra e sai de carros funerários na Tanatos é constante
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O carro flagrado pertence a uma funerária de Padre Bernardo, no Entorno do DF, que não tem autorização da Sejus para transportar corpos pelas vias do DF

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A denúncia feita ao Ministério Público afirma que as funerárias faturam alto com o transporte clandestino de corpos

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A Tanatos passou por sete alterações contratuais entre 2008 e 2011, o que é proibido pela Sejus

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O entra e sai de carros funerários na Tanatos é constante

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Alterações contratuais irregulares
Além do transbordo ilegal, o material entregue ao MPDFT denuncia outras ilegalidades. Entre elas, estão sete alterações contratuais firmadas pela Tanatos na Junta Comercial do DF, entre os anos de 2008 e 2011.

As mudanças no quadro societário são consideradas ilegais pelo Decreto n° 28.606/07 do GDF. O texto, em seu artigo 7º, afirma que a transferência da licença pública não pode ser feita a terceiros, sob pena de cancelamento.

O chefe da Unidade de Assuntos Funerários, Manoel Antunes, afirmou que a Sejus tem, hoje, 16 processos de apuração envolvendo irregularidades em 16 funerárias. Entre elas, a Tanatos.

O decreto que rege a licença pública é rígido e claro. Temos vários casos de transferências irregulares. Contamos com uma comissão criada para cuidar desse assunto. Todos os processos foram autuados e estamos aguardando o cancelamos dessas licenças

Manoel Antunes, chefe da UAF, unidade da Secretaria de Justiça

O Metrópoles teve acesso a um parecer da assessoria jurídica legislativa da Sejus em que ressalta a denúncia recebida pela pasta. As informações são as mesmas entregues ao Ministério Público sobre as alterações contratuais feitas de forma irregular pela Tanatos.

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Outro problema flagrado na Tanatos é a retirada de caixões em via pública: os recipientes fúnebres deveriam ser manuseados apenas dentro da clínica.

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De acordo com o promotor do MPDFT Maurício Miranda, a denúncia foi recebida e será analisada pelo Ministério Público. Em relação às primeiras fases da Operação Caronte, Miranda ressaltou que a primeira audiência do caso ocorreu na última semana. “São denúncias graves que devem ser apuradas. Estamos acompanhando esse caso com bastante atenção e, se as irregularidades forem confirmadas, deverá haver punição”, resumiu.

A reportagem tentou contato com a Tanatos por dois dias, mas até a última atualização desta matéria, nenhum responsável pela funerária havia se manifestado sobre as acusações.

Ação contra a Máfia da Morte
Em 26 de outubro de 2017, a Corregedoria-Geral da Polícia Civil, com apoio do Mistério Público, deflagrou a Operação Caronte. Na época, os policiais trataram o esquema como um “Mercado da Morte”. Foram identificadas duas células criminosas. Uma agia em Taguatinga e outra em Samambaia. Elas eram concorrentes.

Segundo as investigações, as funerárias cobravam valores superfaturados de famílias. Diziam que o atestado de óbito sairia de graça, mas, na verdade, estava tudo embutido no preço do velório e do enterro. Os policiais cumpriram nove mandados de prisão temporária e 12 de busca e apreensão em Sobradinho, Samambaia e Taguatinga.

A denúncia chegou à Corregedoria da PCDF após a suspeita da suposta participação de policiais no esquema. Contudo, as investigações mostraram que o grupo utilizava o sistema de rádio do Instituto Médico Legal (IML) e chegava aos locais onde havia pessoas com morte aparentemente natural antes do rabecão.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Documentos apreendidos durante a Operação Caronte

 

Durante as buscas, os agentes encontraram duas armas e diversos equipamentos que copiavam a frequência da corporação. Os investigadores identificaram a ação de dois grupos criminosos ligados ao ramo de serviços funerários, como sepultamento, embalsamento, cremação, traslado de corpos, entre outros. Os suspeitos cobravam o atestado de óbito e o encaminhava para funerárias envolvidas no esquema.

Eles também foram acusados de captar ilegalmente a frequência dos rádios da PCDF em busca de informações sobre mortes classificadas como aparentemente naturais. Depois, ligavam para os familiares para obter vantagens ilícitas.

Os criminosos, geralmente, passavam-se por servidores do IML. Alegavam aos parentes das vítimas que uma equipe iria prestar assistência ou funerária ligada ao grupo poderia ajudá-los.

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