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Mulheres que ajudaram a construir Brasília foram esquecidas

Entre atividades formais e informais, segundo o IBGE, a então futura capital do país tinha 2.966 trabalhadoras em 1959

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1 de 1 mulheres - Foto: Reprodução

Por Gabriel Lima e Giovanna Pereira (Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira)

A cada 21 de abril, quando se celebra o aniversário da capital federal, ressurgem imagens da epopeia da construção de uma cidade em meio ao Cerrado. As fotos, porém, não revelam detalhes nem fazem justiça às mulheres que somaram mais de um terço de todos os trabalhadores da obra monumental.

Assim como os homens, as pioneiras também estavam entre a poeira e os sacrifícios diários no meio do nada. Segundo o censo experimental do IBGE, em 1959, as mulheres somavam cerca de 50% da população que aqui estava, 21.982. Além disso, entre trabalhos formais e informais, o levantamento cita 2.966 trabalhadoras, quase um terço do número total.

De acordo com a cineasta Tânia Fontenele, mecanismos de interdição e machismo colocaram as mulheres em segundo plano dessa história. Ela foi tão surpreendida com a omissão de registros da época que resolveu produzir o filme “Poeira & Batom — no Planalto Central”. Para o documentário, conseguiu ouvir 45 mulheres que participaram do nascimento do novo centro político do país.

O projeto, que surgiu para homenagear os 50 anos da capital, foi um dos primeiros a tratar das pioneiras. “Eu resolvi fazer o filme porque eu percebia que sempre falavam dos homens, do presidente Juscelino, Lúcio Costa, Burle Marx. As mulheres mencionadas eram dona Sarah Kubitschek ou dona Júlia Kubitschek, mãe do presidente, e eu sempre via que essa história estava mal contada”, disse.

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A partir dessa percepção, Tânia Fontenele buscou contar o outro lado da história. “No início tinha muita poeira. Todo projeto é da cor da terra porque era uma característica muito forte da época, a poeira vermelha, as dificuldades”, falou. Apesar de todo o trabalho, as suas características falavam mais alto. “Eram muito femininas, tinham que ser práticas. Muitas falavam que passavam um batom e seguiam para a construção. E daí surgiu o nome. Perfeito para reunir a questão da construção e do jeito feminino”, pontuou.

“Não havia, de fato, nenhuma evidência, nenhum estudo que mostrava a participação das mulheres. Então, eu fui para a biblioteca e vi que lá tinha uma caixinha sobre coisas de Brasília e eu comecei a folhear as revistas da época de 1960 e até antes disso”, comentou. Para Tânia Fontenele, elas ficavam secundarizadas, sem nome.

Confira os relatos colhidos pela pesquisadora em seu filme:

Sou carioca, vim para Brasília recém-casada com o meu marido, que era engenheiro. Fizemos uma viagem memorável, viemos de jipe. Passamos 7 dias dentro do carro porque as estradas não existiam. Nós fomos criando o caminho, derrubando árvores. Quando chegamos em Goiânia, as pessoas não acreditavam que a gente tinha vindo do Rio de Janeiro. Nós chegamos a Brasília e éramos três blocos de lama. Eu, meu marido e o jipe

Helena Maria Viveiros de Souza Carvalho, escritora. Chegou a Brasília em 1959

Tenho 74 anos. Sou de Currais Novos, Rio Grande do Norte. Eu vim com meu marido e dois filhos, grávida do terceiro. O menino veio no colo, ali espremidinho. Foi duro. Passamos 10 dias no caminho com chuva. A gente ia sentado juntinho nos estrados de madeira, até completar aquele caminhão de gente. O joelho encostando nas costas do outro. A alimentação, a gente colocava num saco e deixava num canto, ou atrás, ou na frente, ou do lado

Josefa Carmelita da Silva França, lavadeira. Chegou a Brasília em 1960

Tenho 64 anos, vim pra Brasília em 1959, com 12 anos, de Goiânia. Minha juventude foi muito rica, eu estudei no Ginásio Brasília, fui bandeirante, trabalhei muito na fixação do Núcleo Bandeirante. Nós tínhamos dois cinemas. A diversão era principalmente o cinema e o encontro com os colegas. Ia pescar no Lago Paranoá e fazia caminhadas. Estavam construindo a Esplanada dos Ministérios, só tinha os esqueletos, então a gente ia a pé da Cidade Livre até a Esplanada

Harco Ofugi Rodrigues, advogada. Chegou a Brasília em 1959

Sociedade e preconceito
A pesquisadora destaca que o papel da mulher na sociedade vem crescendo gradativamente. “Hoje em dia, a gente não pode dizer que tem alguma profissão que não tenha representantes femininas. Já estamos em todas as áreas”.

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Para ela, apesar do avanço na sociedade, o preconceito ainda está presente. “Nós ainda somos muito machistas, violentos. Os índices de feminicídios são altíssimos, e não sem razão, há essa mobilização nas redes sociais”, avalia.

De acordo com ela, os ensinamentos da sociedade também sugerem o preconceito. “As pessoas ficam fazendo alguns questionamentos do tamanho do vestido, por exemplo, que são perguntas absolutamente machistas, ninguém vai ficar falando se o terno está curto ou se está comprido, se a gravata combinou”, comenta Tânia Fontenele.

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