Mudança climática ameaça o DF com falta de água, incêndios e doenças
Temperatura do DF está em franca elevação e alterações no clima podem causar grandes impactos na vida da população da capital brasileira
atualizado
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As mudanças climáticas colocam em risco o abastecimento de água no Distrito Federal. Além das secas mais intensas, ameaçam ainda a população brasiliense com o aumento das temperaturas e de doenças.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ao longo dos últimos anos, houve elevação da temperatura média em todos os meses do ano. A maior foi em outubro, com 1,5°C a mais em comparação com os cortes temporais de 1961 pera 1990 e de 1991 até 2020, passando de uma média de 21,6°C para 23,1°C.
Quanto à chuva, durante o período de 1961 a 2022, o Inmet registrou uma tendência de redução no total anual, principalmente em janeiro e fevereiro, considerados os meses mais chuvosos da região.
Para o Inmet, fatores locais também pesam para as mudanças do clima no DF. A capital brasileira ainda está em crescimento com a presença de asfalto, aumento de veículos automotores e indústrias.
Apesar do aumento do período de estiagem, as mudanças climáticas impõem o risco de chuvas mais intensas, como temporais.
Há também indícios da redução da circulação dos ventos e de ondas de frio. Em 2022, o DF registrou o dia mais frio da história em 19 de maio, com 1,4°C no Gama. Foi a menor temperatura desde o começo das medições na década de 60.
Ebulição: 4ºC
Segundo o professor de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e um dos coordenadores da Rede Clima, formada para analisar as mudanças climáticas, Saulo Rodrigues Pereira Filho, o quadro é crítico.
“Nos últimos 50 anos, a temperatura média do DF subiu 2ºC. Segundo projeção de modelos climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até 2050, haverá aumento de 2ºC. Serão 4ºC a mais no total”, disse.
Para o pesquisador, a mudança climática coloca em risco o desabastecimento de água no DF, por exemplo. A capital brasileira pode sofrer novas crises hídricas, em proporções iguais ou superiores à estiagem de 2017.
“Em uma escala de 0 a 10, o risco de sofrermos uma nova escassez hídrica é de 8 a 8,5. Nós estamos em uma das regiões com o risco mais elevado do país”, enfatizou.
Vulnerabilidade
O DF é mais vulnerável porque está localizado no Planalto Central junto às nascentes das grandes bacias hidrográficas do Brasil. Conta com rios jovens, com baixo volume de água.
“Diferente de outras regiões abastecidas por rios, não existe fonte de água acima de nós. Se não chove a gente não tem água”, explicou.
De acordo com o pesquisador, as mudanças climáticas também aumentam os riscos de incêndios florestais. O DF possui uma grande amplitude de chuvas e isso torna a vegetação muito vulnerável ao fogo durante a estiagem.
“Eu destacaria o impacto das ondas de calor e os níveis críticos de umidade relativa do ar. Isso pode ter um impacto na saúde, com o avanço de doenças cardiovasculares e respiratórias. Isso afetará a Saúde Pública”, alertou.
Mudança global
Nas demais regiões do Brasil, Saulo Rodrigues ressaltou o risco para o aumento de inundações e deslizamentos de encostas, especialmente na costa brasileira, no Sul, Sudeste e Nordeste.
O mundo enfrenta um quadro de mudança global do clima. Em escala mundial e local, a poluição, o desmatamento, as mudanças de uso das terras são fatores importantes para as alterações climáticas.
O DF é afetado pelo “El Ninõ”, vindo o Oceano Pacífico. Ele ocorre em intervalos irregulares, mas a mudança climática pode afetar esse ciclo. E a grande seca de 2017 foi precedida por uma forte manifestação do fenômeno.
Outro fator importante para o DF é a impermeabilização do solo. A água deixa de alimentar as zonas de recarga de aquíferos e bacias hidrográficas.
Adaptação
Para o pesquisador, o DF precisa adotar medidas adaptativas e o uso racional da água para enfrentar as mudanças climáticas e moderar os impactos.
“Existem várias experiências internacionais e no semiárido do Nordeste de reserva da água de chuva com uso de cisternas, para finalidades que não exigem água tratada”, contou.
Segundo o professor, uma rede cisterna pode poupar aproximadamente 10% dos reservatórios do DF durante estiagens.
Outra medida recomendada é a arborização. Além de sombras, árvores ajudam a aumentar a umidade relativa do ar e a conter as ondas de calor. O Plano Piloto conta com uma boa cobertura vegetal. Mas a periferia do DF não.
Para minimizar os impactos dos alagamentos dos temporais, a exemplo das tesourinhas do Plano Piloto, Rodrigues sugere a construção de piscinões.
Por fim, além de ações concretas, o pesquisador ressaltou que é preciso mobilizar e conscientizar toda sociedade, incluindo, por exemplo, a população carente e o setor produtivo. Se os esforços forem isolados não terão resultado.
Tornado
Ao final de 2022, o DF testemunhou um tornado em Planaltina. Em 1º de outubro de 2014, foi registrado o primeiro no DF, na região do aeroporto.
Em 2014, o Inmet não conseguiu a medição exata da rajada de vento na área em que ocorreu o fenômeno. Mas no dia, foi registrado o valor de 95 km/h na estação do Sudoeste.
A origem do tornado de 2022 ainda é incerta, para Saulo Rodrigues, no entanto, é um caso fora da curva e merece atenção.
“Estamos vendo muitos pontos fora da curva. Vimos a chuva de granizo na Zona da Mata em Minas Gerais, o furacão em Santa Catarina. É muito difícil separar o que pode ser mudança global de temperatura dos efeitos do desmatamento do Cerrado. O tornado pode ser as duas coisas”, comentou.
Campo
As mudanças climáticas também pressionam o campo. Segundo pesquisadora da Embrapa Cerrados Arminda Carvalho, as mudanças climáticas ameaçam o rendimento das principais culturais. O café é sensível a alterações de temperatura, por exemplo.
O DF possui uma agricultura muito desenvolvida e adaptada para a condição tropical. Mas a elevação da temperatura pode comprometer a produção de culturas, como a soja.
“Há maior probabilidade de eventos extremos, como secas severas e chuvas intensas. E o clima é responsável por 30% do desempenho da produção dos alimentos”, disse.
Veranicos
Outro problema é o aumento da frequência de “veranicos”, interrompendo períodos de chuva necessários para as culturas. A mudança da sazonalidade climática também prejudica agricultores e pecuaristas.
“O cenário é de alerta”, afirmou a pesquisadora. Por isso, a Embrapa tem trabalhado na mitigação dos gases do efeito estufa. Também fomenta sistemas de produção integrando lavoura, pecuária e floresta.
A Embrapa ainda recomenda sistemas de plantio direto, com rotação de culturas, uso plantas de cobertura e o favorecimento a decomposição de matérias orgânicas para a incorporação do carbono no solo.
Para a pesquisadora, outra forma de mitigação é a redução dos fertilizantes nitrogenados.