Surto de doenças de pele atinge 180 presos na Papuda
Promotores constataram que dermatopatias acometem detentos do CDP, muitos deles com feridas pelo corpo decorrentes da coceira
atualizado
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Um surto de doenças de pele contagiosas foi identificado no Centro de Detenção Provisória (CDP) do Complexo Penitenciário da Papuda. Segundo informações obtidas pelo Metrópoles, em visita realizada à unidade em 10 de janeiro deste ano, integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) constataram que dermatopatias acometem cerca de 180 presos, muitos deles com feridas pelo corpo decorrentes da coceira.
Durante a vistoria, promotores teriam tomado conhecimento de que a equipe de saúde não consegue atender a demanda, além da falta de medicação. Tampouco é possível isolar os doentes – a unidade está superlotada. No local, há 3.587 internos para 1.646 vagas. Embora o MPDFT classifique a situação como um surto, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) nega.
Consultado pela reportagem, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) do MPDFT informou que solicitou à Secretaria de Saúde, em 15 de janeiro, urgência na adoção de medidas para fornecer recursos humanos e materiais necessários ao atendimento dos doentes.
Infecção de pele causada por bactéria é extremamente contagiosa, o impetigo é uma das doenças encontradas no CDP, segundo a Secretaria de Saúde. A pasta também identificou escabiose, enfermidade conhecida popularmente como sarna, provocada por um ácaro que gera muita coceira e se espalha rapidamente.
Os presos apresentaram, ainda, micoses (causadas por fungos) e tinea, infecção altamente contagiosa. A Saúde também identificou furunculose, inflamação profunda do pelo infeccionado por bactéria, que ocasiona caroços com pus sob a pele.
A médica dermatologista Fernanda Seabra, da Aliança Instituto de Oncologia, pontua que presídios com grande número de pessoas agrupadas, pouca ventilação e higiene inadequada favorecem o alastramento dessas doenças, principalmente das sarnas.
As lesões das sarnas ficam embaixo dos braços, pescoço, virilha e a coçadura ataca à noite. Em boas condições, o tratamento demora duas semanas, com um comprimido oral a cada sete dias e o creme em uma noite. O problema é que o paciente precisa trocar todos os dias a roupa de cama e de banho, além de lavar as vestimentas
Fernanda Seabra, dermatologista
Histórico
A proliferação de doenças que causam feridas na pele e a falta de capacidade para contenção do problema não é de hoje. Em julho de 2017, o Metrópoles noticiou surto de impetigo no sistema prisional da capital da República registrado em pelo menos cinco das seis unidades. O impetigo afetou até mesmo parentes dos internos, que contraíram os micro-organismos durante as visitas.
Na época, o Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos emitiu um relatório no qual revela a situação preocupante no CDP e incluiu fotos (como as que estão em destaque) de detentos da unidade que agora volta a apresentar avanço das enfermidades. “O quadro sanitário é mais crítico do que o noticiado, visto que poucos internos ainda não apresentaram sintomas das doenças de pele, e as unidades de saúde não conseguiram atender todos.”
Confira fotos tiradas à época:
Ex-presidente do Conselho, Michel Platini avalia que os surtos têm sido permanentes por conta das condições da cadeia. “Há superlotação, falta de lavanderia, piso, chuveiro e vaso sanitário. Acompanhei um caso no ano passado de um homem com infecção que se agravou e chegou ao óbito. Se uma pessoa pega a doença, todas as outras pegam por conta dessas características”, assinalou.
Relato
Presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno, Alessandra Paes critica a falta de resposta efetiva do governo. “A gente sabe que as doenças permanecem ainda dentro de todo o sistema, não só no CDP. Não é um novo surto. O surto permanece, embora tentaram maquiar com a liberação de levar pomada”, disparou.
O Metrópoles conversou, por meio da Alessandra, com esposas aflitas diante da situação de seus familiares presos na Papuda.
Flávia* disse que o companheiro, interno do CDP, tem sarna, mas a doença ainda não se espalhou pelo corpo. Um amigo também alocado no centro, entretanto, apresenta situação mais grave. “Ele não está bem. Tem coceiras que já pegou muitos membros do corpo. Até onde sabemos, não foi atendido”, disse.
Maria* preocupa-se com as feridas na pele do marido, interno da Penitenciária do Distrito Federal (PDF) II. “Há um mês apareceram as escoriações e ele não tem diagnóstico porque não conseguiu atendimento médico.”
Carla* conta que o filho está com furúnculos, caroços cheios de pus sob a pele, há um mês. Ele está preso no PDF I. “Ninguém fez nada”, reclama.
Marcação cerrada
Após a vistoria em 10 de janeiro, o MPDFT voltou a adentrar no CDP nessa terça-feira (22/1). O Nupri se reuniu com a direção da unidade a fim de saber quais foram as medidas adotadas para combater o surto.
Em nota, o órgão disse que o Governo do Distrito Federal (GDF) informou que serão realizados mutirão de atendimento, higienização de celas e alas. Está em curso, ainda, processo administrativo para abrir lavanderias.
O Executivo local também passou a permitir que visitantes levem aos presos permetrina 5%, loção usada contra parasitas, incluindo piolho, carrapato, pulga e ácaros. O remédio, que estaria em falta no sistema prisional, também é alvo de diligências para compra emergencial.
O Ministério Público informou, ainda, que “tem mantido estreito contato sobre o assunto com a Gerência de Saúde Prisional da Secretaria de Saúde e com a Gerência de Saúde da Sesipe, órgãos responsáveis pelo atendimento aos presos”. “Tais diligências, entre outras, têm sido registradas em procedimento interno próprio, instaurado para acompanhar a situação”, concluiu.
O outro lado
A Secretaria de Saúde informou que desde 7 de janeiro realiza mutirões para atendimento dos internos do CDP e contenção dos avanços dos casos de doenças de pele. Após o ofício expedido pelo MPDFT em 15 de janeiro, intensificou a atuação “com triagens individuais, palestras educativas e entrega de medicamentos para o tratamento da escabiose”.
Há, atualmente, 25 servidores da Saúde no CDP: são dois médicos, três enfermeiros, dois dentistas, dois psicólogos, um fisioterapeuta, dois assistentes sociais, quatro técnicos de saúde bucal, cinco técnicos em enfermagem, um técnico de laboratório e três técnicos administrativos.
A Subsecretaria do Sistema Penitenciário declarou, em nota, que “não há surto de doenças de pele no CDP ou em qualquer unidade prisional do Complexo Penitenciário do DF”.
O núcleo especializado do MPDFT disse que não tem conhecimento de surto de doenças em outros setores da Papuda em 2019, exceto no CDP.
Segundo a Sesipe, cada unidade prisional conta com um posto de atendimento da Secretaria de Saúde, responsável pelo controle de saúde de todos os internos. “Os casos identificados são tratados pela equipe médica lotada em cada presídio.”
*Nomes fictícios