MPC alertou sobre ligação entre ex-servidora e produtora do Na Praia
Representação lança suspeitas sobre ex-coordenadora de Fomento e Incentivo Cultural da Secretaria de Cultura na concessão de benefícios à R2
atualizado
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Os benefícios fiscais concedidos à Produtora R2, responsável pelo Na Praia, não estão na mira apenas da Polícia Civil do DF, no âmbito da Operação Praia de Goa, deflagrada nesta terça-feira (18/9). O Ministério Público de Contas (MPC) também apura renúncia feita pelo Governo do Distrito Federal, que tirou dos cofres públicos pelo menos R$ 3,7 milhões, entre 2016 e 2017, para financiar projetos sociais do evento. Chamou atenção do órgão de controle a participação de uma ex-funcionária da Secretaria de Cultura, Moema Gomes de Faria, nos quadros de empresa ligada à R2.
Segundo representação do MPC, assinada pelo procurador substituto Marcos Felipe Pinheiro Lima, um dos sócios da R2, organizadora do Na Praia Social, aparece como gestor financeiro do Na Praia Cultural, cuja proponente é a sociedade empresária Banda Fura Olho Ltda., atual Ipê Entretenimento.
O Ministério Público identificou que a alteração do nome empresarial se deu após a aquisição das cotas da empresa por parte de Moema Gomes de Faria, em 25 de maio de 2017. Moema era Coordenadora de Fomento e Incentivo Cultural da Secretaria de Cultura, cargo do qual foi exonerada em 3 de março de 2016.
Essa não foi a única “situação peculiar” encontrada pelo MPC-DF. Em maio deste ano, o procurador Marcos Felipe Pinheiro Lima alertou também para a liberação de recursos para a realização de dois projetos com diferentes nomenclaturas e proponentes, mas que ocorreram no mesmo complexo artístico e em período coincidente, referentes ao Na Praia.
De acordo com a representação, em 2016, a Secretaria de Cultura do DF aceitou pedido de renúncia fiscal, com base na Lei de Incentivo à Cultura, no valor de R$ 699.994,54 para a Produtora R2. Uma banda chamada Fura Olho também aparece como proponente com valor de R$ 655.600,63. Ambas referentes aos projetos Na Praia Social e Cultura, respectivamente.
Outro fato que gerou suspeição por parte do MPC em relação ao Na Praia foi o fato de haver coincidência, em todos os casos, entre o valor pleiteado e o limite máximo previsto na lei. A quantia inicialmente aprovada de orçamento para os exercícios de 2016 e 2017 foi de R$ 14 milhões em cada um deles. Sendo que o valor proposto de R$ 700 mil para cada projeto equivale a exatamente 5% do orçamento aprovado, aponta a representação.
A lei de incentivo fiscal é voltada para realização de projetos culturais mediante doação ou patrocínio de contribuinte do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) ou do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Segundo a legislação, os projetos culturais devem atender aos seguintes objetivos:
democratização do acesso às fontes de cultura distritais e ampliação da oferta de bens e serviços culturais, com vistas a estimular a democracia das manifestações culturais.
A Lei nº 5.021/2013 estabelece o limite de recursos destinados a cada projeto, mais precisamente: “A renúncia autorizada a um beneficiário, individualmente considerado, não será superior a 5% do limite de renúncia fiscal previsto anualmente na Lei Orçamentária, conforme regulamento, excetuando-se projetos culturais de preservação do patrimônio cultural imaterial”.
Negócio rentável
Outra ponta questionada pelo MPC-DF e investigada pela Polícia Civil é o fato de o benefício ter sido concedido em favor de projeto que é inserido em um evento com alto potencial lucrativo, com ingressos superiores a R$ 380.
Sem falar na alta cota de patrocínio vinculada ao Na Praia. O MPC-DF cita que, em 2016, o Banco de Brasília (BRB) desembolsou R$ 240 mil em patrocínio para o evento principal. Em 2017, o valor foi para R$ 380 mil. A festa também contou, à época, com 14 patrocinadores privados. Mesmo com o incentivo da lei, o Na Praia Cultural – 2016, por exemplo, não foi gratuito, destacou o promotor.
Assim, há fortes indícios de que o incentivo foi concedido como forma de atribuir os custos do evento aos cofres públicos, enquanto os benefícios financeiros eram auferidos pela pessoa jurídica beneficiária do incentivo
Procurador substituto do MPC-DF, Marcos Felipe Pinheiro Lima
Operação Praia de Goa
Entre os alvos dos 15 mandados de busca e apreensão da operação deflagrada nesta terça (18), estão sócios da empresa e órgãos públicos. Eles são investigados por organização criminosa, estelionato contra a administração pública e lavagem de dinheiro.
Foram realizadas buscas e apreensões nas administrações regionais de Brasília, do Lago Norte e nas secretarias de Cultura e do Esporte. Os mandados foram expedidos pela 2ª Vara Criminal de Brasília. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acompanhou a operação.
A R2 Produções, criada em 2005, tem quatro sócios: Rafael Damas, Ricardo Emediato, Bruno Sartório e Eduardo Jose de Azambuja Alves, filho do ex-ministro de Turismo Henrique Eduardo Alves, preso na Operação Lava Jato.
O delegado Wenderson Souza e Teles, da Coordenação de Combate ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e contra a Ordem Tributária (Cecor), explicou que os empresários teriam recebido R$ 3,7 milhões em incentivos fiscais (por meio de renúncia) para a realização de ao menos quatro eventos nos últimos três anos: duas edições do Na Praia Social, a segunda edição do Na Praia Cultural e o Parque da Alegria, no evento Carnaval no Parque.
“Verificamos que houve indícios do uso do recurso público para diluir nos custos de eventos particulares. As investigações apontam ainda que sócios da empresa atuavam como funcionários para receberem altos salários”, afirmou em entrevista coletiva. Segundo o delegado, os sócios se colocavam como empregados do próprio evento para abocanhar salários de até R$ 50 mil.
De acordo com a polícia, grande parte dos gastos custeados com os recursos da lei foi empregada na aquisição de estruturas para os eventos. No entanto, os investigadores concluíram que havia sobrepreço nos equipamentos. Por exemplo, teria sido comprovado que um gerador foi adquirido por um valor superfaturado em 59%.
Além disso, a empresa, segundo a PCDF, alegava gastar dinheiro para comprar tendas, suportes e outras estruturas para os projetos ditos sociais, mas, na verdade, isso tudo já existia no evento principal.
O outro lado
Em nota, a R2 produções manifestou “absoluta surpresa” com a operação. A empresa disse que “jamais” foi chamada a prestar qualquer tipo de esclarecimento e nenhum dos sócios foi instado a dar informações.
O texto destaca ainda que as prestações de contas dos empreendimentos atendem ao calendário legal e não há pendências em relação às mesmas. “A empresa reitera a integral lisura de suas atividades, sua postura colaborativa com a Justiça e demais instituições e permanece à disposição para ajudar na elucidação deste ou de qualquer outro procedimento”, conclui.
Também em nota, a Secretaria de Cultura informou que, desde o mês de abril, colabora com as investigações da Polícia Civil do Distrito Federal. A pasta esclareceu que “segue rigorosamente” todos os critérios na concessão de benefícios (mérito, adequação orçamentária, capacidade técnico-operacional e interesse público), contando com membros técnicos qualificados, pareceristas externos e um órgão colegiado formado pelo poder público e sociedade civil.
Ressaltou que os processos referentes a todos os projetos ainda estão em fase de análise de prestação de contas e, caso sejam constatadas quaisquer irregularidades, serão aplicadas as penalidades previstas na lei.
Também por meio de nota, a Ipê Cultura e Entretenimento afirmou ser idealizadora e realizadora do projeto Na Praia Cultural, aprovado e realizado nos termos da legislação vigente na política de incentivo a cultura do DF. O texto informa que Moema Faria, atual proprietária da empresa, foi exonerada da Secretaria de Cultura em 2016, não tendo exercido neste órgão função alguma sujeita a regime de quarentena.