Morte de padre, feminicídios e afogamento: 17 mil crimes solucionados no DF com análise de digitais
Servidores do Instituto de Identificação têm papel crucial nas investigações criminais. Conheça as tecnologias usadas por esses peritos
atualizado
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Não é novidade que a série policial CSI (Criminal Scene Investigation) conquistou fãs ao redor do mundo, chamando a atenção para o papel da polícia técnica. A realidade, porém, pode ser diferente: na prática, o processo de identificação de vítimas e suspeitos depende mais de pessoas do que de computadores.
Um dos profissionais que exercem a função de perícia no Distrito Federal é o papiloscopista, lotado no Instituto de Identificação (II) da Polícia Civil. Estatísticas da PCDF mostram que, em 2020, foram 17.105 laudos conclusivos emitidos pela área.
Veja:
Coleta de digitais
Em 5 de novembro, às margens de um córrego, o corpo de Kátia Vaz Monteiro foi encontrado. Com o cadáver em avançado estado de decomposição, a vítima ainda não tinha nome ou rosto para que pudesse ser reconhecida.
Apenas por meio de procedimentos laboratoriais, Kátia pôde ter a identidade recuperada. É no Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal que vítimas, aparentemente irreconhecíveis, são identificadas.
“Com a Kátia, nós trabalhamos em nível de derme, a camada abaixo da epiderme. Fizemos um tratamento especial chamado fervura”, explica Renata Simões, chefe do Laboratório de Exames Necropapiloscópicos em Cadáveres Especiais do Instituto de Identificação. É para onde são encaminhados, geralmente, os corpos em estados de decomposição, cujo reconhecimento é mais trabalhoso.
“Colocamos os dedos do cadáver em água fervendo. Assim, as papilas dérmicas ficam mais evidentes e fazemos a coleta das impressões digitais”, detalha Renata.
Veja fotos da especialista em ação:
Motorista de aplicativo
A cadeia de procedimentos adotada pela investigação da papiloscopia começa no local do crime. O objetivo é estabelecer quem esteve na cena, sejam testemunhas, vítimas ou culpados. São colhidas as impressões e os materiais que possam ter algum vestígio importante. Depois, as provas coletadas são levadas para o Instituto de Identificação. É o que conta Maíra Lacerda, da assessoria da direção do órgão.
Um exemplo é o caso de Roosevelt Albuquerque da Silva, 31 anos, motorista de aplicativo morto enquanto trabalhava. Ele fez a última viagem por volta das 22h30 de 1º de dezembro. Após pegar dois passageiros na área central de Brasília, os levaria até Sobradinho, mas sofreu um latrocínio (roubo seguido de morte).
Os procedimentos realizados no carro do motorista revelaram uma impressão digital que não pertencia a ele, apontando um possível suspeito. Era, de fato, um vestígio do menor de 18 anos que participou do crime. Ele foi apreendido. Mais tarde, a polícia prendeu Whallyson Maicon Lima, 22, co-autor do latrocínio.
“Existe uma limitação no local do crime”, revela Rodrigo Meneses, chefe do Núcleo de Ensino e Pesquisa. “Alguns tipos de superfície não são propícios, então, trazemos materiais para o laboratório. Há aqui, por exemplo, a maior capela da América Latina para vaporização de supercola, que revela impressões digitais em veículos”, conta. O carro de Roosevelt e os itens encontrados foram analisados no próprio II.
Saiba mais sobre esse trabalho:
Arquivos de impressões digitais da população do Distrito Federal estão disponíveis no banco de dados do II. São, aproximadamente, 42 milhões de registros dos 10 dedos das mãos, civis e criminais, que permitem a comparação com os vestígios encontrados.
Ao chegar à cena do crime, enquanto o foco dos peritos criminais é entender a dinâmica do crime, a nossa é buscar elementos que apontem a autoria
Rodrigo Meneses de Barros
Ao serem lançadas no sistema, porém, as imagens não se conciliam sozinhas. Faz-se necessário o olhar treinado de um policial para perceber a semelhança entre uma digital encontrada na cena do crime e uma que consta no sistema.
“Dividimos as comparações biométricas em dois grupos: 1 para ‘N’, quando se pesquisa um vestígio contra a base de dados de milhões de registros; e 1 para 1, quando se compara o vestígio com a biometria de um indivíduo específico”, destaca Oscar de Sousa, chefe substituto do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento do II.
A demonstração é feita por Fabiana Gumprich, da Seção de Análise Papiloscópica Avançada. Na tela da profissional, há duas digitais, que, aos olhos de alguém de fora do ramo, parecem idênticas. Ela destaca, porém, as diferenças entre as marcas, evidenciando não pertencerem à mesma pessoa. Ressalta, ainda, que os laudos sempre passam por mais de uma revisão para que não haja erro.
Os especialistas comparam as impressões e marcam, no mínimo, 13 pontos característicos para apontar a quem ela pertence. Isso porque é impossível duas pessoas terem os 13 pontos iguais.
Reconhecimento facial
Kazimerz Wojno, o padre Casemiro, foi assassinado em 2019. O caso repercutiu no Distrito Federal, e um dos protagonistas nas investigações foi o trabalho de papiloscopia da PCDF.
A câmara de fumigação de cianoacrilato do Laboratório de Exames Papiloscópicos consiste em um espaço no qual o carro é colocado e que tem o poder de revelar até quatro vezes o número de impressões digitais.
A PCDF submeteu o Chevrolet Opala apreendido durante as investigações à câmera, ajudando a localizar mais suspeitos do crime. No entanto, foi empregada também outra especialidade do Instituto de Identificação: a comparação facial.
Por meio de filmagens que continham os supostos autores do crime contra o padre Casemiro, foi possível localizá-los, utilizando tecnologias e o treinamento dos profissionais.
“Aqui, no caso da comparação facial, geralmente, tentamos identificar os autores, e não as vítimas. O exame de comparação facial é complementar ao de análise de impressões digitais”, explica Peterson Vitorino, chefe do Laboratório de Exames de Comparação Facial.
“No caso do padre, tivemos laudo necropapiloscópico que identificou a vítima; e este outro laudo. A papiloscopia forneceu os autores, de início, e o exame de comparação facial confirmou modus operandi, rota de fuga e coautores”, acrescentou o expert.
Os assassinos do padre haviam tentado fugir para o Goiás em um ônibus, o que forneceu imagens de câmeras de segurança à polícia. Todas essas análises contribuíram para a elucidação do caso.