Moradores do DF denunciam motoboys que buzinam à noite durante serviço clandestino de segurança
Moradores questionam barulho ensurdecedor de apitos e buzinas e ainda a legitimidade desse tipo de serviço, que é feito de forma irregular
atualizado
Compartilhar notícia
Buzinas e sirenes são disparadas a cada 30 minutos durante a madrugada no Guará I. O barulho ensurdecedor tem início às 22 horas e só termina por volta do amanhecer do dia seguinte. Isso ocorre porque motoboys que prestam serviço de vigilância informal acionam os dispositivos para avisar que “estão na área” enquanto passam pelas quadras residenciais.
Moradores insatisfeitos com a poluição sonora produzida pelos motoboys denunciaram ao Metrópoles a sequência de apitos. Para o realizar esse tipo de “serviço”, os motoqueiros se equilibram em uma série de brechas na legislação, que resultam em falta de fiscalização pelo Poder Público da atividade irregular.
“É uma quadra de idosos”, afirmou o gestor Pedro Bernardo Filho e morador da QI 10 conjunto K, no Guará I. Ele disse que, quando o motoboy passa, a cachorra Shih-tzu acorda e late. Ele conta que não acha certo ter de pagar por um serviço que deve ser feito pela segurança pública. “Aqui é tudo escuro e tem uns becos entre as casas. Os motoboys vêm com o discurso de inibir alguma coisa”.
Um outro morador, que preferiu não se identificar, contou que não se sente mais seguro com a presença dos motoboys no local. “Se aparecer alguém estranho, o cara não vai fazer nada”. Ele mora em uma casa com cinco pessoas idosas, sendo a mais velha com 76 anos.
Atrapalha o sono
Sob condição de anonimato por temer represália, outro morador da QE 20 questiona a ausência de fiscalização por parte de órgãos do GDF. “Além do incômodo praticamente diário que atrapalha o sono de vizinhos, muitos dos quais idosos e crianças, durante as madrugadas, nos sentimos coagidos a pagar pelo serviço. Sei que é irregular, mas deixamos carros estacionados na rua, e temo pela segurança da minha família se não pagar. Não sei quem são esses motociclistas, se têm antecedentes criminais, por exemplo. As milícias em outros estados começaram assim: com supostos seguranças cobrando para fazer um serviço que deveria ser de responsabilidade do Estado. Onde está a fiscalização do governo e da polícia?”, questiona.
O morador alegou ter registrado ocorrência na Polícia Civil do DF para que as ações dos motoboys sejam investigadas.
Custo aos moradores
No Guará, os moradores interessados pagam R$ 30 por mês para que seja feita uma espécie de ronda. O dinheiro vai para a Associação dos Motoboys de Quadras de Brasília (Asmob) e é repassado aos motoboys. No recibo do pagamento, o recurso é chamado de “contribuição voluntária”. Veja o carnê:
De acordo com o presidente da associação, Dilvan da Mata, atualmente mais de 400 motoqueiros desempenham esse serviço em todo o Distrito Federal – exceto no Plano Piloto. Apenas no Guará, são 16 motoboys fazendo a ronda noturna.
Apesar de ser classificado como um “serviço autônomo sem qualquer vínculo empregatício”, o presidente alegou que para ser cadastrado na Asmob a motoboy tem de apresentar uma série de documentos. No entanto, questionado, ele não explicou quais.
“Os profissionais da Asmob a gente tem um controle, eles inclusive usam colete, mas também pode ser uma pessoa que pegue uma moto e saia fazendo a ronda, aí no caso deles nós não temos como monitorar”.
Da Mata disse que as pessoas que se sentirem incomodadas com o barulho podem enviar um e-mail para dilvan.damata@gmailcom com o endereço da rua e, assim, comunica o motoqueiro responsável pelo setor a diminuir o barulho ou não apitar.
Fiscalização
Apesar da Lei do Silêncio, que limita a intensidade de emissão de sons em áreas urbanas, o poder público não apresenta ações para evitar os distúrbios sonoros causados pelas motocicletas.
A administração regional do Guará informou que não autoriza esse tipo de serviço, mas também não atua para inibir.
A Polícia Militar do Distrito Federal alegou que esse tipo de serviço não configura crime, mas que a corporação pode agir por meio de denúncia. As queixas de poluição sonora podem ser feitas pela Ouvidoria do Distrito Federal pelo 162.
“Se o morador for intimado a pagar pelo serviço, ele pode registrar o boletim de ocorrência pelo crime de constrangimento ilegal”.
Também é possível abrir um boletim de ocorrência para investigar a poluição sonora. De acordo com a Polícia Civil do DF, as demandas sobre o exercício de segurança privada devem ser direcionadas à Polícia Federal, que é o órgão público responsável pela autorização, controle e fiscalização desta atividade no Brasil.
Questionada, a Polícia Federal ainda não respondeu como é feita essa fiscalização até a última atualização deste texto.
O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou que as atividades de poluição sonora são planejadas com antecedência baseada nas reclamações dos cidadãos. Em relação ao incômodo causado pelos motoboys, o órgão informou que “não fiscaliza ruídos provenientes de buzinas de motocicletas ou veículos”.
O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) destacou que o método pode ser enquadrado como infração grave, com multa de R$ 195,23, cinco pontos na carteira e retenção de veículo caso alguém utilize equipamento com som em volume ou frequência não autorizadas.
Ainda de acordo com o Detran, é infração leve, com multa de R$ 88,38 e três pontos na CNH, buzinar nas seguintes situações:
– prolongada e sucessivamente a qualquer pretexto;
– Das 22 e às 6 horas;
– em locais e horários proibidos pela sinalização;
Aberração da segurança privada
Para o especialista em segurança pública Welliton Caixeta Maciel, indivíduos motorizados fazendo ronda noturna em quadras de regiões administrativas específicas do DF configuram “uma flagrante aberração da segurança privada.” Maciel também é professor de Teoria Geral do Direito Penal e Antropologia do Direito da Universidade de Brasília e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia.
O especialista destaca a falta de técnica para o exercício da função. “A atuação desses indivíduos é precária, ilegítima e sem preparo técnico, expondo ainda mecanismos de manutenção de privilégios de classe”. O professor ainda ressalta que a segurança privada não deve ser confundida com perturbação do sossego nem, muito menos, com usurpação de funções e competências.
Além do barulho, outro problema é pessoas sem “qualquer legitimidade diante da precariedade da vida e do trabalho, fazendo da segurança um campo de amadorismo e aventura” sejam chamadas de seguranças patrimoniais.
Para ele, os moradores das quadras e áreas do DF com esse tipo de atuação irregular de indivíduos motorizados devem se articular as administrações locais para conseguir medidas do policiamento comunitário nessas localidades, construção de planos de segurança com ampla participação social etc.