Moradores de ocupação no DF sofrem com diarreia e irritação na pele
Moradores do acampamento Rosa Luxemburgo precisam comprar galões de água para tomar banho e cozinhar, já que córrego está poluído
atualizado
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Os moradores do acampamento Rosa Luxemburgo, às margens da BR-060, têm sofrido com diversas enfermidades, como irritações na pele, diarreia e mal-estar. Apesar de ainda não haver comprovação em laudo sobre o que os adoece, a suspeita recai na água usada por eles.
Criado em 2 de abril de 2015, o acampamento Rosa Luxemburgo é abastecido, predominantemente, pelo córrego Samambaia, afluente do rio Melchior.
A água vinda do córrego é usada para lavar louças, consumo de animais e banho. Para a alimentação, os moradores preferem comprar galões de água mineral.
“Aqui em casa são mais de R$ 200 por mês em água. Para cozinhar, é tudo comprado”, explica Juscilene da Costa (foto em destaque), de 48 anos.
Juscilene mora na ocupação desde 2015, ano em que o acampamento foi criado. Ela relata estar com irritações na pele e nas partes íntimas há meses, e diarreia há algumas semanas.
A mulher até tem uma técnica para amenizar quaisquer prejuízos: “Eu deixo a água do chuveiro bem quente para ela ficar mais limpa”.
Além de dona de casa, Juscilene administra um comércio localizado dentro do acampamento e cria animais, como bois, galinhas, peru, pato e peixes. “Aqui, nosso gado é direto no vermífugo”, conta.
Há cerca de um mês, ela e o marido tiveram um prejuízo de mais de R$ 600 ao usar a água do córrego para encher o tanque de peixes.
Logo após abrir o registro da água do córrego, Juscilene sentiu o cheiro característico de quando algo é descartado na afluente. Ela correu para fechar a mangueira que enchia o tanque, mas era tarde demais. Mais de 50 kg de peixe morreram. “A água fica podre, fedida e da cor de chorume.”
A água
“Às vezes, a água nem fica escura. Mas a gente sente o cheiro. Vem um cheiro bem forte”, conta a presidente da Associação dos Pequenos Agricultores (ASPEAGRL) e fundadora do acampamento Rosa Luxemburgo, Petra Magalhães, de 47 anos.
Além de estar em constante contato com o Rio Melchior, que é classificado como nível 4, o pior na graduação de alarme, moradores do Rosa Luxemburgo acusam empresas de contaminar ainda mais a água.
“Ano após ano, uma empresa joga os dejetos da fábrica na água e a contamina. Você não consegue sequer chegar perto da água, porque a água fica podre”, conta a fundadora do acampamento.
O secretário da ASPEAGRL, Agnelo Mourão, 53, conta que já presenciou o momento em que os dejetos industriais chegam no córrego. “Essa água fica branquinha, branquinha. Uma vez, eu e minha esposa estávamos lavando a roupa aqui [no córrego] quando os dejetos começaram a descer. A água fica branquinha e nossa mão, engordurada”, relata.
A filha de Agnelo tem apenas 5 anos e já sofre com irritações na pele. O secretário da ASPEAGRL escolheu gastar um pouco mais e começar a dar banho com água mineral na menina. “São pelo menos R$ 60 toda semana só para isso”, diz.
Petra afirma que o acampamento já procurou diversas vezes a ajuda de órgãos públicos, “mas eles não vêm”.
Uma situação semelhante acontece com famílias no Setor Cerâmica, em Samambaia, como mostrou o Metrópoles em agosto.
Para o professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) José Francisco Gonçalves, 51 anos, uma grande investigação do poder público com os órgãos competentes teria que ser feita para entender o que acontece no acampamento Rosa Luxemburgo.
“Quando se tem muitas pessoas adoecendo simultaneamente, é fato que existe um problema”, afirma.
Do ponto de vista ambiental, José explica que, se esse esgoto tiver contaminação industrial ou química, a água ficará intratável. “No caso de uma contaminação crua, de esgoto, o ecossistema é levado ao processo de eutrofização. É a morte lenta do ecossistema.”
“Na medida em que o tempo passa, nós percebemos o quanto o córrego está sofrendo”, lamenta Petra, a fundadora do Rosa Luxemburgo.
Sem previsão de regularização
O Metrópoles entrou em contato com a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), que, em conjunto, explicaram que não há registro de processo de regularização iniciado para essa área.
“A Caesb atende as prioridades com o fornecimento de água sempre em conjunto com os órgãos do governo responsáveis pelo atendimento às populações mais carentes”, foi afirmado em nota.
Por não haver processo de regularização, a companhia afirma que não poderia iniciar os estudos para o fornecimento de água e tratamento de esgoto para a localidade.
Já a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), ao ser contatada, explicou que “a situação fundiária da área é denominada desapropriada em comum”, o que quer dizer que o território pertence à Terracap e a terceiros.
A agência também esclareceu que é necessário consultar os requisitos e as documentações com a Caesb para realizar uma primeira ligação de água na área.