Em duas décadas, ao arrepio da lei, Assentamento 26 de Setembro tem 4 mil casas
Apesar das derrubadas desta semana, moradores creem que regularização de área em Taguatinga ainda é possível
atualizado
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Alvo de construções desde 1996, o Assentamento 26 de Setembro já ultrapassou a marca de 4 mil casas construídas. Estabelecido em um local próximo a Vicente Pires e Taguatinga, o terreno com mais de 1,3 milhão de metros quadrados tem sido alvo de promessas de regularização ao mesmo tempo em que sofre com derrubadas.
De acordo com Miguel Rodrigues, presidente da Associação de Moradores Núcleo e Cidadania do assentamento, cerca de 30 mil pessoas moram no local. A mais recente derrubada teve início há duas semanas, coordenada pela Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), para remover construções em andamento. Mesmo com a aflição da dúvida sobre a possibilidade de terem os lotes reconhecidos, os moradores seguem confiantes de que a área é passível de regularização.
A monitora de escola Paula Oliveira, 41 anos, mora ali há cerca de 8 anos. Mãe de três filhos, ela comprou um lote na Rua 4 para fugir do aluguel que já não tinha mais como arcar. “Construí a casa com a ajuda da minha família”, conta.
Sem trabalhar por causa da pandemia da Covid-19, Paula tem sobrevivido apenas com o dinheiro do auxílio emergencial. Como a situação é dramática, mesmo com as derrubadas recentes no Assentamento, ela diz que pretende continuar no local. “Não desisto daqui não. Como que eu vou pagar aluguel recebendo o que eu estou recebendo? Não tem jeito”, diz.
Ela conta que o lugar é tranquilo e até ônibus já passa por ali, o que falta mesmo é a regularização. “A gente está sem resposta do que aconteceu. Há duas semanas o pessoal do governo veio na rua para alargar, disseram que precisa estar no padrão. Recuei 2 metros do meu lote e agora eles vêm para derrubar tudo…”, indigna-se.
Diante das promessas, Paula viu com surpresa a operação da DF Legal e do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). “Chegaram com gás lacrimogêneo. Eu saí correndo, caí e mesmo assim jogaram [gás] dentro do meu lote. A gente realmente fez um bloqueio, mas ninguém reagiu. Não precisava disso”, considera.
Veja imagens:
Outro morador é Igor Muriel Gomes, 24 anos. Vindo da Bahia, ele morou por certo tempo em Vicente Pires e comprou um lote no 26 de Setembro. Após ver que o custo de vida aumentava no cidade, preferiu erguer uma pequena casa para tentar melhorar sua situação. “É o esforço de uma vida. No começo, eu até paguei uma pessoa para a construção. Depois eu mesmo terminei”, detalha.
Sem carro e com horários completamente diferentes da linha de ônibus que passa por lá, ele conta que pedala diariamente até uma parada onde pega o ônibus que o leva diretamente para a clínica veterinária na qual trabalha, na Asa Sul. “São uns 8 quilômetros até Vicente Pires e de lá pego o transporte, fora os bicos de ajudante em obra que faço aqui de vez em quando”, relata.
O sentimento é de tristeza com as derrubadas. Mas ele acredita que o assentamento ainda poderá ser regularizado. “A gente fica com medo. Eles passam com o caveirão [carro do PMDF], todo mundo sai correndo. Aqui na frente da minha casa, os PMs cortaram o arame que faz o cercamento e mandaram eu levar o cachorro para dentro”, revela.
Veja imagens do lugar e das operações recentes:
Outro lado
Em nota, a DF Legal informou, nessa quinta (26/8), que tem realizado a Operação Pronto Emprego em regiões com construções ainda no início, “onde novas invasões tentam se instalar”. O objetivo, segundo o órgão, “é evitar as ocupações irregulares, fomentando menor impacto econômico, social e ambiental no Distrito Federal”.
As ações no Assentamento 26 de Setembro, segundo a pasta, restringem-se à remoção de edificações em fase inicial de construção não habitadas e de cercamentos, muros, guaritas, postes, cisternas, poços artesianos clandestinos e bases.
“O DF Legal enfatiza que, em decorrência da pandemia de Covid-19, nenhuma edificação habitada está sendo removida, portanto, não há famílias retiradas”, reitera.
Desde o início, em 18 de agosto, foram liberados 344.400 m² na região. Não há prazo para o término das ações.
Já a PMDF informou que “os policiais já foram recebidos com atitudes hostis pelos moradores, sendo jogado em sua direção pedras e paus. Houve queima de pneu, havia vários moradores com garrafas e estilingues”.
Segundo a corporação, “foi necessário o uso do policiamento de choque, tanto o ligeiro como o montado, para dispersão dos manifestantes”. Não houve feridos relatados em nenhum dos lados e ninguém foi preso nessa quinta.
Uma viatura teve o vidro quebrado e diversos materiais que seriam usados para o enfrentamento pelos manifestantes foram apreendidos.