Crise hídrica: com início da seca, especialistas esperam pelo pior
Situação dos reservatórios é a mais crítica dos últimos cinco anos. Para especialistas, faltaram investimentos em captação e planejamento
atualizado
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Prestes a enfrentar o período de estiagem, os brasilienses devem se preparar para viver dias ainda mais difíceis, com torneiras secas. Por dois motivos: primeiro, porque está chovendo menos que o esperado para o período. Segundo, as obras que poderiam combater, de forma mais efetiva a falta d’água, não são imediatas. O resultado é que o racionamento, adotado pela primeira vez na história do Distrito Federal, deve ser ampliado, com corte mais frequentes no abastecimento.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as águas de março, pelo menos por enquanto, estão aquém do esperado. Até a última semana, choveu apenas 23,6mm no DF, 70% a menos que o mesmo período do ano passado (82mm). A média histórica para todo o mês é de 180,6mm.
Mesmo com o racionamento de água em vigor nas regiões administrativas desde 16 de janeiro, o volume útil dos reservatórios Santa Maria/Torto e Descoberto, que abastecem o DF, ficou estagnado nos últimos dias.A situação é a pior registrada nos últimos cinco anos, segundo levantamento da Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa). Em 10 de março deste ano, o nível da Barragem do Descoberto estava em 43,60% da capacidade total. Em 2016, 2015, 2014 e 2013, os volumes eram, respectivamente, de 94,54%, 72,2%, 100% e 100%.
O quadro, no reservatório Santa Maria/Torto, não é muito melhor: em 10 de março de 2017, seu nível era de 47,76%, contra os 81,91%, 87,8%, 84,80%, e 84,49% registrados entre 2013 e 2016, respectivamente.
O cenário deve levar o governo a ampliar o corte no fornecimento. Hoje, os imóveis são atingidos a cada seis dias, ficando sem água por 24 horas. A suspensão não pode ocorrer por um prazo seguido maior do que um dia. Porém, uma mesma cidade pode ficar dois dias, desde que não sejam consecutivos, sem água durante a semana.
Alerta antigo
Apesar da situação confortável dos reservatórios nos anos anteriores, os especialistas alertam para a crise hídrica há pelo menos 12 anos. “Na época, o governo decidiu apostar todas as fichas na captação em Corumbá. Mas o projeto, grandioso, demandou alto investimento e, devido a problemas diversos, não começou a funcionar até hoje”, explicou o especialista em recursos hídricos e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Koide.
Ele critica a falta de outros investimentos, especialmente em captação, o que deixou o sistema de abastecimento a mercê das condições climáticas. “O Reservatório do Descoberto tem capacidade apenas anual. E, atualmente, o governo opera com a demanda muito próxima da oferta. Dessa maneira, qualquer variação nas chuvas pode afetar a população”, ressaltou.
Por conta desse descaso de anos, o professor Sergio Koide é enfático: o fim do racionamento e das restrições do consumo de água por parte da população ainda está longe do fim
Tudo dependerá de como os níveis dos reservatórios estarão com o fim das chuvas. Caso estejam abaixo de 60%, a atual medida (racionamento) deve continuar pelo menos até o fim do ano
Sergio Koide
Especializado no estudo das águas subterrâneas e superficiais, o hidrólogo e professor da UnB Henrique Leite Chaves também considera que foram tardias as medidas de combate à crise hídrica adotadas pela Companhia de Saneamento de Brasília (Caesb) e pela Adasa.
“É provável que, mesmo com as restrições, haja um desabastecimento nos dois sistemas. Nos últimos 60 anos, houve sete com chuvas abaixo de mil milímetros no DF. Temos que estar precavidos para enfrentar o problema”, advertiu.
Em setembro de 2016, reportagem do Metrópoles trazia a advertência da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Já naquele momento a promotora Marta Eliana, da Prodema, avisava que Brasília estava prestes a sofrer uma crise hídrica sem precedentes. Segundo ela, mesmo com as chuvas, o DF somente sairia do estado crítico de abastecimento quando dois novos sistemas começassem a operar: o do Bananal e o de Corumbá, previsto para 2018.
Dias difíceis
Para o dentista Matheus Bastos, 27 anos, morador do Noroeste, a cada dia fica mais difícil se acostumar com a falta de água. “É complicado. Estamos nos adaptando com as medidas que estão sendo tomadas, mas a verdade é que, a cada momento, nós ficamos mais preocupados. Com a falta de chuva, não sabemos o que esperar”, comentou.
Na sexta-feira (10/3), o Executivo local promoveu reunião dos órgãos envolvidos com o plano emergencial de combate à maior crise hídrica da história do DF. O governador Rodrigo Rollemberg (PSB) confirmou, entre outras medidas, que haverá captação emergencial da água do Lago Paranoá, que não deve sair antes do fim do ano.
Reforços na fiscalização em lava-jatos e postos de combustíveis. Também está prevista a liberação de mais recursos do Plano de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) para escolas da rede pública que economizarem água e energia elétrica.
As medidas anunciadas pelo Executivo local têm validade de 180 dias, a contar de 16 de janeiro. Segundo o Buriti, esse é o período mais crítico para garantir que não falte água nas torneiras durante a seca dos próximos meses. Estão previstas cerca de 40 medidas prioritárias, divididas entre as áreas de fiscalização, infraestrutura, regulação e educação, voltadas ao combate do desabastecimento hídrico.
A advogada e moradora do Lago Sul Marina Nunes, 34 anos, considera difícil imaginar que, em uma época ainda com chuvas, mesmo que escassas, as pessoas consigam racionar água. Mas se diz preparada: “Na minha casa, nós estamos conscientes. Já reaproveitamos água e procuramos usá-la para o básico”.