Médiuns do Vale do Amanhecer votam pela saída de líder “ditador”
Assembleia Extraordinária ocorreu na manhã deste domingo (23/1). Criou-se uma comissão eleitoral que pretende organizar novas eleições
atualizado
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Membros da comunidade religiosa do Vale do Amanhecer, em Planaltina, a cerca de 45 km do Plano Piloto, votaram, neste domingo (23/1), a alteração do estatuto que mantém a hereditariedade e vitaliciedade do presidente da Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã (Osoec) ─ administradora sem fins lucrativos do templo.
A determinação visa encerrar o legado de Raul Zelaya, atual presidente e filho da fundadora da doutrina, Tia Neiva, a quem os médiuns acusam de “tirano” e de criar um racha na comunidade.
Em novembro do ano passado, Zelaya alterou rituais considerados “fundamentais” da doutrina e proibiu o acesso de médiuns ao templo. Para a equipe jurídica do atual líder, a assembleia não possui força legal.
Após a votação de domingo, encabeçada pelo Movimento Renovação do Amanhecer (MRA), um grupo de membros da doutrina que luta pela unificação do corpo mediúnico, criou-se uma comissão eleitoral de 15 pessoas para organizar a votação da nova presidência na Osoec.
Dentro de 60 dias, serão aceitas as propostas de chapas concorrentes e a regulamentação logística das eleições. Cada grupo terá de contar com 42 membros, atual número de cargos na diretoria da ordem, para poder atuar pelo período de três anos.
Alterou-se ainda as cláusulas vitalícias e hereditárias do posto de Zelaya. Estima-se que 800 pessoas participaram presencialmente da assembleia, a qual teve votação unânime.
Para um dos mestres da doutrina, a alteração é um “marco histórico”. “A gente só deseja as coisas que foram trazidas pela Tia Neiva e esse objetivo foi alcançado ontem. É o fim da ditadura”, comemora.
Até o momento, o médium afirma que não houve retaliação por parte de Zelaya. “Já é esperado, mas até agora ninguém foi notificado ou impedido de entrar no templo. Não somos tolos de achar que a pessoa que está aí esse tempo todo não irá brigar para ficar com o cargo que tem”, avalia.
Para outra médium, a determinação representa a volta dos trabalhos aos ensinamentos deixados pela fundadora da doutrina. “Que tudo volte, as leis espirituais de Tia Neiva e as energias maravilhosas que nos curava e fazia curar”, celebra.
O outro lado
A equipe de Raul Zelaya informou que, por conta de um acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), não há “incômodo pessoal” na diretoria atual da Osoec em relação à assembleia deste domingo.
Para a equipe jurídica do atual líder, a “decadência de direito”, expressa no documento, retira a legitimidade de qualquer outra tentativa de alteração da hereditariedade e vitaliciedade do cargo de presidente 2 anos após a instauração das regras. A alteração ocorreu em 2009, logo, qualquer outra tentativa de mudança dessas cláusulas, após 2011, não possuem validade jurídica.
A equipe ainda afirma que, desde 2009, outros médiuns tentaram realizar a destituição de Zelaya, mas não obtiveram sucesso. Para eles, a convocação deste tipo de assembleia é um ato privativo do presidente ou seria válida com, no mínimo, dois terços do corpo mediúnico presente. O que, nas estimativas da assessoria de Zelaya, daria em torno de 80 mil pessoas.
O que diz o Movimento Renovação do Amanhecer
Para o advogado e membro do Movimento Renovação do Amanhecer (RMA), Amarildo Cardoso, essa argumentação não passa de “fake news”. “Não existe nenhuma sentença judicial ou acórdão que impeça algum membro do Vale do Amanhecer de ver seu estatuto reformado, modificado e testemunhar o fim da vitaliciedade”, defende.
Segundo o médium, será dado o prosseguimento legal para validação da ata da assembleia ocorrida neste domingo, antes da notificação oficial à Zelaya. “Se ele quiser participar das eleições, ele pode. Vai concorrer como qualquer outro e pode até ganhar, só que irá ficar só por três anos [como presidente]”, explica. A validação em cartório pode ocorrer em até 15 dias.
Entenda
Como revelou o Metrópoles, boa parte da comunidade anda insatisfeita com mudanças e proibições determinadas por Raul Zelaya. Segundo os fiéis, quem não obedecer às novas regras está proibido de realizar trabalhos espirituais no Templo Sagrado.
As novidades trouxeram insegurança e acabaram gerando um racha no Vale do Amanhecer. Seguidores da religião dizem que Raul Zelaya alterou uma das leis deixadas por Tia Neiva – fundadora da doutrina em 1969 – onde trabalhos espirituais poderiam ser conduzidos por médiuns mais experientes.
Eles contaram que, agora, a função é exercida exclusivamente por Zelaya, e a medida tem causado enorme mal-estar. Em contrapartida, a assessoria jurídica do líder religioso nega qualquer tipo de censura.
Proibição
Para o fiel Ricardo*, o líder religioso tocou “em um ponto máximo” da doutrina. No começo da prática, a chamada Emissão é pronunciada pelo doutrinador, que inicia o trabalho mediúnico em questão, e que também é responsável por realizar o contato com o plano espiritual e assegurar o bom andamento do ritual.
“É como se fosse uma chave para abrir a fechadura do mundo espiritual. Não se muda um segredo de chave, porque não se tem mais o acesso à fechadura. Nossa revolta é porque não temos mais esse acesso”, protesta o veterano da doutrina.
A reclamação central dos fiéis é a de que a alteração nos ritos iniciais de cada trabalho para uma prática determinada por Raul, sem maiores explicações, é o que causa o esvaziamento do templo, tanto por pacientes, quanto por médiuns.
“Os pacientes não estão vindo porque as pessoas não estão se doando para o trabalho (espiritual). Nós fomos muito permissivos [ao longo dos anos] até a hora que nós tomamos essa porrada grande. Chegou num ponto que está insustentável”, avalia Ricardo*.
A reportagem do Metrópoles esteve no local em novembro do ano passado, durante um dia normal de rituais e constatou a baixa assiduidade de pessoas no templo.
Outras acusações
Raul Zelaya também é acusado de expulsar fiéis do templo e coagir os que permanecem. Também de acordo com seguidores da prática religiosa, o presidente da Osoec passou a retirar frequentadores do templo desde a sua posse, em 2009.
“Ocorreu [expulsão] porque não concordamos com a atual administração. O Vale do Amanhecer tornou-se associação. Só podem trabalhar lá os que baixam a cabeça e concordam com ele (Raul)”, lamenta outro frequentador, também sob condição de anonimato.
Diante dos desentendimentos, os veteranos que não concordam com as novas práticas no Vale do Amanhecer anunciaram um levante a fim de “destronar” Raul. “Se a gente não correr atrás do que a gente quer, nossos mentores (entidades) não vão fazer nada”, avalia Alberto*, outro antigo seguidor da doutrina.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.