Médica dona de organização social é um dos alvos da operação do MPDFT
Ação apura possível superfaturamento milionário em contratação emergencial, entre março e outubro do ano passado, de leitos de UTI
atualizado
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A médica Cinthya Cristina Telles, uma das proprietárias do Instituto Med Aid Saúde (Imas), organização social que assinou contrato de R$ 85,1 milhões com a Secretaria de Saúde do DF, foi alvo da Operação Ethan, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), nesta quarta-feira (18/8).
A ação apura possível superfaturamento milionário em contratação emergencial, entre março e outubro do ano passado, de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) pelo Instituto de Gestão Estratégica em Saúde do Distrito Federal (Iges-DF).
Além da médica, o ex-secretário de Saúde Francisco Araújo é investigado. Conforme o Metrópoles publicou no último sábado (14/8), Francisco embarcou para Manaus assim que soube que seria intimado a depor na CPI da Covid, no Senado Federal.
Foram cumpridos 67 mandados de busca e apreensão no DF, nos hospitais de Base e de Santa Maria, e em cinco estados: Amazonas, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins.
Punição
O Imas foi contratado para comandar o Hospital da Polícia Militar (PMDF) durante a pandemia do novo coronavírus. A empresa, além de ser investigada no DF, sofreu sanção do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp).
A organização social foi escolhida para gerir, durante 180 dias, a unidade hospitalar que disponibiliza mais 86 leitos de UTI e outros 20 de enfermaria para pacientes com Covid-19. O valor do contrato foi de R$ 85,1 milhões.
Vencedora da disputa e sócia-administradora do Imas, a médica Cinthya Cristina Telles foi penalizada com uma censura pública pela entidade profissional por infringir os artigos 29 e 57 do Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina (CFM).
De acordo com a defesa da médica, do escritório Otavio – Greve Pejon Advogados, as infrações foram cometidas com base na versão anterior do manual de conduta, alterado em 2009.
No caso do art. 29, o texto aborda que é vedada a prática “de atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência”.
Também na antiga versão do código profissional, o outro item aborda ser infração “deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente”.
A decisão contra Cinthya foi publicada em dezembro de 2017, no Diário Oficial do Estado de São Paulo, e ocorreu após a realização de uma sindicância interna. O caso não foi detalhado pela Cremesp em respeito ao sigilo médico.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina, a conduta penaliza os profissionais quando ocorrer qualquer ato lesivo à personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes confiados ao médico. “Este estará obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.”
Veja o contrato
Contrato-080.2020 (4) by Metropoles on Scribd
Veja as reproduções:
Francisco Araújo e outros auxiliares chegaram a ser presos no âmbito da Operação Falso Negativo enquanto ainda comandavam a pasta por possível superfaturamento de testes de Covid-19. O caso tramita sob sigilo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Organização criminosa
A investigação, que foi conduzida diretamente pelo Ministério Público, revelou um esquema ilegal instalado no Iges-DF que resultou no desvio de milhões de reais em dois contratos destinados ao fornecimento emergencial de leitos de UTIs, entre o período de março a outubro de 2020.
As empresas contratadas foram a Domed, responsável por 50 leitos no Hospital Regional de Santa Maria e a Organização Aparecidense de Terapia Intensiva (Oati), que forneceu 20 leitos no Hospital de Base e outros 10 na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião.
Para além do superfaturamento de preços ofertados pelas empresas que participaram da seleção e do direcionamento das contratações em favor das empresas, as investigações apontaram que as contratadas não forneceram insumos, medicamentos e mão de obra em quantidade e qualidade exigidos.
As ilegalidades praticadas, segundo os promotores, tiveram como consequência a ocorrência de altíssimas taxas de mortalidade nos leitos de UTIs de alguns hospitais administrados pelos suspeitos.
Contrato milionário
Em junho de 2020, equipes do MPDFT fizeram vistorias nas UTIs dos hospitais de Base e de Santa Maria. O foco era verificar as condições e a real ocupação dos leitos nos locais dedicados ao combate contra o coronavírus. Dessas visitas surgiram constatações de erros e envio de recomendação ao Iges-DF, responsável pela gestão das duas unidades.
A Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) chegou a emitir documento, recomendando ao Iges-DF a anulação do termo aditivo ao contrato com a Organização Aparecidense de Terapia Intensiva (Oati) para a instalação de leitos de UTI. A empresa foi a terceira colocada no processo seletivo e apresentou proposta mais cara que as duas primeiras.
Segundo a promotoria, em março do ano passado, o Iges-DF celebrou contrato emergencial com a empresa Domed para a gestão de até 70 leitos de UTIs destinados a pacientes com Covid-19. Inicialmente foram instalados 50 leitos no Hospital Regional de Santa Maria pelo valor de R$ 4.282,26 por dia/leito.
Ainda segundo a Prosus, em abril de 2020, “embora a Domed tenha apresentado interesse na contratação dos 20 leitos remanescentes do contrato, o Iges-DF consultou a segunda colocada na concorrência, o Instituto Med Aid Saúde (Imas).
A empresa também manifestou interesse na contratação dos leitos, que estariam disponíveis em 15 dias. O valor seria de R$ 5.700 por dia/leito. Mas a proposta foi rejeitada pelo Iges-DF com o argumento que o prazo de instalação não poderia ultrapassar 7 dias por se tratar de “urgência máxima”
O MPDFT detalhou que a Oati, terceira colocada, foi então convocada, e apresentou proposta no valor de R$ 5.857,02 por dia/leito. A presidência do Iges-DF solicitou urgência ao setor responsável e fechou contrato com a empresa para a gestão de 20 leitos de UTI no Hospital de Base.
Em junho, novo aditivo contratou mais 20 leitos da Oati pelo valor de R$ 5 mil por dia/leito. Esse aditivo representa aumento de 100% em relação ao contrato inicial com a empresa, o que não é permitido pela Lei de Licitações.
A Prosus também verificou que, à época, estava aberto o processo seletivo para contratação de outros 40 leitos de UTI e que, por isso, não haveria justificativa para a assinatura do termo aditivo. De acordo com a recomendação, o valor praticado pela Oati “é expressivamente superior ao praticado pela 1ª colocada, em evidente violação ao princípio da economicidade”.
Ethon
O nome da operação faz alusão a Ethon que, segundo a mitologia grega, era o abutre enviado por Zeus diariamente ao monte Cáucaso para devorar o fígado de Prometeu. O fígado de Prometeu se reconstituía completamente para, no dia seguinte, voltar a ser devorado por Ethon.
O outro lado
O Metrópoles acionou a defesa dos investigados na ação do MPDFT, mas, até a última atualização desta reportagem, ninguém havia se manifestado. O espaço segue aberto para possíveis declarações.
Por meio de nota, o Iges-DF comentou a operação deflagrada nesta quarta e justificou que os contratos em questão “foram firmados em gestões anteriores, antes de março de 2021, quando a atual direção assumiu a instituição”.
Segundo o instituto, ações de controle interno promovendo auditorias em todos os contratos firmados têm sido realizadas. “Esse trabalho vem sendo feito rigorosamente pela Controladoria Interna. Caso sejam identificadas irregularidades, providências serão adotadas para solucioná-las”, disse, ainda em nota.