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Matrimônio precoce: no DF, um adolescente se casa a cada três dias

Em cinco anos, quase mil adolescentes de 16 ou 17 anos se casaram no DF. Apesar de permitido, especialistas alertam perda de infância

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1 de 1 casamento-adolescentes - Foto: Arte/Metrópoles

A cada três dias, em média, um menor de idade se casa oficialmente nos cartórios do Distrito Federal. Nos últimos cinco anos, 978 adolescentes, de 16 e 17 anos, aderiram a uma união matrimonial. Os números chamam a atenção especialmente após a repercussão do casamento do prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, 65 anos, que casou com uma adolescente de 16 anos e nomeou a sogra como secretária no Paraná.

De acordo com dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-BR), 24 adolescentes se casaram legalmente no DF até 31 de março deste ano. O número não é diferente dos registrados em anos anteriores. Veja os dados nacionais e distritais:

Em 2022, os cartórios do DF registraram 155 casamentos do tipo, enquanto no ano anterior, 189 uniões matrimoniais envolvendo menores de idade ocorreram. Os dados da Arpen não fazem recorte de gênero. No entanto, a professora de medicina Marilúcia Picanço, da Universidade de Brasília (UnB), especialista em saúde do adolescente, destaca a maioria de meninas se relacionando com homens mais velhos.

Aprisionamento

A especialista é pediatra e hebiatra (responsável pela saúde do adolescente) do ambulatório que faz atendimento a crianças e jovens na UnB. “Às vezes vem aqui uma menina, uma criança, com mão de criança, jeito de criança e está casada. Legalmente casada. Ela traz um filho e vê esse casamento como uma forma de sair de casa, só que a longo prazo ela não consegue mais sair daquele relacionamento”, explica.

“Essas meninas são aprisionadas”, alerta a professora. “É um dado preocupante. Há um corte na vida dessas meninas, elas perdem oportunidade de trabalho, de crescimento e mantém um ciclo de pobreza”.

A professora ainda destaca este período, dos 16 e 17 anos, é uma fase de amadurecimento, em que o corpo está em formação, tanto na parte física quanto em hormônios, e até mesmo mental. “O cérebro ainda é imaturo, impetuoso, sem noções completas de discernimentos e até mesmo de empatia”, destacou Picanço.

Outro ponto que a pesquisadora destaca é que não há um limite na idade do marido ou da esposa desse adolescente. Isto é, uma pessoa de 100 anos pode se casar com uma 16, de forma legal, sem grandes dificuldades – desde que haja autorização dos responsáveis do menor. “A personalidade do adolescente, da menina, passa a ser moldada pelo companheiro”, explica a especialista.

Legislação

O casamento para maiores de 16 anos é permitido no Brasil, por meio do Artigo nº 1.520 do Código Civil, que foi modificado recentemente. A nova redação, dada pela Lei nº 13.811, é de 2019. Antes desse marco, menores de 16 podiam se casar, mas somente em casos de gravidez.

Até 2005, de acordo com o Código Penal, o homem que cometesse estupro de vulnerável, com crianças de até 14 anos, seria “perdoado legalmente”, caso se casasse com a vítima. Apesar dessa alteração, até 2019, o Código Civil mantinha essa possibilidade.

No texto que tramitou na Câmara dos Deputados, uma das justificativas para a mudança, é que esse tipo de união, nessa fase, causa prejuízos psicológicos e sociais, “incompatível com o nível de desenvolvimento psicossocial de crianças”.

Arrepio da lei

A promotora de Justiça e Defesa da Infância e da Juventude, Liz-Elainne Mendes, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), reforçou a importância de fortalecer políticas públicas que atendam como prioridade absoluta o público infantojuvenil. “É preciso avançar ainda mais, não só pela mudança legislativa, pois isso não impede uniões informais ao arrepio da legislação”, alertou.

“Considerando que casamento infantil pode ser entendido como uma violação dos direitos humanos de meninas e meninos, a preocupação do Ministério Público com a falta de rede de apoio da família de origem e precariedade educacional ou profissional”, destacou a promotora de Justiça.

A promotora ressalta, ainda, que esses jovens assumem responsabilidades em uma fase da vida na qual deveriam receber proteção. “O que pode ensejar maiores índices de violência doméstica e familiar, evasão escolar, acentuação de pobreza, adoecimento psíquico, sem contar os prejuízos específicos para as meninas com a gravidez precoce”, diz Mendes.

Para Liz-Elainne, há uma prática costumeira em determinados contextos sociais ou religiosos que podem indicar esse comportamento.

“Na maioria dos casos, uma situação que decorre da violação de direitos infantojuvenis, com abreviamento da fase da adolescência por fatores socioeconômicos, como pobreza, desestrutura familiar, abandono dos estudos, rede de apoio enfraquecida, dentre outros”.

O Ministério Público atua em todos os casos de habilitação de casamento e se verificar violação de direitos de adolescentes encaminhará para o Conselho Tutelar ou à Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Individuais e Coletivos da Infância e Juventude.

Casamento infantil

As Organizações da Nações Unidas (ONU) classifica como casamento infantil todo aquele que ocorre com menores dos 18 anos. Também destaca que é um resultado de desigualdade de gênero, já que as meninas são mais afetadas que os rapazes. Na definição do programa, a entidade destaca essa diferença. “O casamento infantil ameaça a vida, o bem-estar e o futuro de garotas ao redor do mundo”.

De acordo com os dados da ONU, o Brasil é o quinto país com maior número de casamentos infantis e está à frente de outros, como Paquistão, Irã, Egito e Etiópia, que não necessariamente dispõem de uma legislação em defesa das mulheres. Pelos números, são 21,5 milhões de meninas e mulheres que se casaram antes dos 18, ou seja, entram em uniões matrimoniais ainda crianças, conforme define a ONU.

Casamento de prefeito com adolescente

Em 12 de abril, o prefeito Hissam Hussein Dehaini (sem partido) se casou com uma jovem de 16 anos, de acordo com o Jornal Oficial dos Cartórios de Registro Civil. Um dia após o matrimônio, ele nomeou a sogra, Marilene Rode, como secretária de Cultura e Turismo de Araucárias (PR).

Os dois casaram após a autorização dos pais da adolescente. Porém, logo após a repercussão negativa do caso, o prefeito se desligou, na semana passada, do partido Cidadania.

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No dia seguinte, ele nomeou a sogra como secretária de Cultura
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Prefeito Hissam Hussein Dehaini (sem partido) se casou com uma jovem de 16 anos

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No dia seguinte, ele nomeou a sogra como secretária de Cultura

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