Manifestação política em condomínios gera um atrito por dia no DF
Manifestação política por meio de bandeiras e adesivos de Lula e Bolsonaro tem gerado conflitos entre vizinhos
atualizado
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Nas janelas, sacadas e varandas de prédios e casas nas regiões administrativas do Distrito Federal, é possível avistar bandeiras, cartazes e adesivos com manifestação política a favor de Lula e Bolsonaro. Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, o clima entre vizinhos não tem sido dos melhores. Moradores da cidade relatam desentendimentos por conta da polarização política.
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O Sindicato dos Moradores do Distrito Federal (Sindicondomínio-DF) recebeu diversas queixas relacionadas a manifestações políticas, que acontecem por meio de objetos pendurados e ruídos durante o período eleitoral. É papel do sindicato ser moderador dos conflitos e oferecer suporte administrativo e jurídico aos síndicos.
Segundo o assessor jurídico da entidade sindical, Delzio Oliveira, não há um número oficial sobre a quantidade de vezes em que o sindicato foi acionado, mas ressalta que, em média, pelo menos uma consulta em relação ao tema é realizada todos os dias nos 7 mil condomínios de edifícios e casas registrados na capital do país.
Como exemplo de atuação do sindicato, Delzio conta que um síndico de um condomínio em Sobradinho colocou bandeiras do Brasil nas áreas comuns.
“Como a bandeira se tornou um símbolo que expressa apoio a Bolsonaro, gerou discussão acalorada entre os moradores. Tivemos que apaziguar para que a situação não parasse na Justiça”, aponta.
Ele explica que pode haver punições no caso de situações de desrespeito às regras condominiais e de ameaça à paz coletiva. “Se não for possível apaziguar, o condomínio vai fazer uma notificação formal para que aquele vizinho cesse a atividade inadequada. Se não cessar, ele será multado. Se o vizinho ainda insistir na atitude, o condomínio pode ir à Justiça por crime de perturbação da paz”, acrescenta.
Carta surpresa
O designer gráfico Juan Espiñeira, 25 anos, conta que uma vizinha do prédio onde ele mora, na Asa Norte, pendurou uma bandeira do Brasil na janela e recebeu uma carta em tom de “lição moral” de outro vizinho a favor de Lula (PT).
A carta trazia críticas à posição da moradora, e afirmava: mesmo sob argumentação de que a bandeira fazia alusão à Copa do Mundo, ele sabia que se tratava de um posicionamento político. Segundo Juan, a mulher ficou ofendida e se dirigiu à administração do prédio para registrar queixa. O homem chegou a ser identificado pelas câmeras de segurança, e o caso virou caso de polícia.
O designer gráfico ainda afirma que alguns carros dos moradores, em especial de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), apareceram com bandeiras arrancadas e carros arranhados no dia do 1º turno das eleições.
Manifestações políticas
Para Delzio Oliveira, o uso de símbolos partidários em janelas, sacadas e varandas de condomínios envolve a discussão entre direito de propriedade e direito coletivo. “A discussão é: o meu patriotismo, direito de expressar o que penso, pode ser cerceado em virtude do regimento? Na visão do Sindicato, nenhum tipo de bandeira deve ser pendurado por não representar a opinião coletiva”.
Na quinta-feira (27/10), moradores de Águas Claras discutiram em um grupo de Facebook sobre a permissão do uso da bandeira verde e amarela na sacada do apartamento. Enquanto alguns declararam que a utilização de símbolos nacionais era permitida nos prédios onde moravam, outros contaram, nos comentários da publicação, que era proibido colocar qualquer tipo de símbolo nas fachadas dos condomínios deles, sob risco de multa.
Pode usar bandeiras e outros símbolos?
O Código Civil e as Convenções Condominiais não permitem alterações de cor e formato de varandas, janelas e sacadas. O advogado especializado em direito civil e imobiliário Diego Amaral explica que o uso de símbolos só é autorizado em eventos provisórios, como Copa do Mundo e Natal.
“Ainda que sejam provisórias, essas mudanças precisam ser aprovadas perante uma assembleia condominial agendada para este fim. Caso a mudança seja definitiva, ela se configura como irregularidade”, diz o secretário-adjunto da Comissão Especial de Direito Imobiliário do Conselho Federal da OAB (CFOAB).
Diego afirma que como as pessoas vivem em comunidade, há certas regras que precisam ser obedecidas para garantir uma boa convivência. “As pessoas acabam confundindo direito de propriedade com as normas condominiais, que é aquilo que aparece na fachada dos prédios. A moradia se dá em formato coletivo”, aponta o advogado.
Em áreas comuns, por sua vez, os símbolos só podem ser afixados se houver autorização do condomínio. Caso a determinação não seja respeitada, o morador pode ser advertido na forma de multa, que aumenta com o tempo, e até receber uma ação da Justiça.
Conflitos virtuais
A psicóloga Fernanda Ponchio, 52 anos, sentiu que o clima ficou mais tenso na rua onde mora, no Lago Norte. De acordo com ela, no grupo de WhatsApp dos moradores, uma vizinha “querida” na vizinhança que reside na mesma casa há anos teve de sair do grupo porque estava incomodada com as postagens frequentes em apoio a Bolsonaro.
“Ela se cansou das abordagens e avisou que iria sair do grupo porque não gostava nem do Bolsonaro nem do Lula e, por isso, não queria mais ficar ouvindo sobre política”, diz Fernanda. Para não criar conflito, o vizinho, que era um dos administradores do grupo, pediu desculpas e a colocou de volta.
Depois desse evento, Fernanda sentiu as pessoas ficaram mais contidas. “Achei que as pessoas estão menos falantes, se restringindo a apenas cumprimentos, como se houvesse um receio das diferenças. Aqui na rua está bem equilibrado: tem tanto apoiadores de Bolsonaro quanto de Lula”, comenta.
A advogada Amanda Gomide, 23 anos, também notou discussões por conta de política no grupo que reúne os moradores da rua dela, no Lago Sul. Um dos integrantes chegou a dizer: “até o capeta rejeita o Bozo: tem chifrudo demais no inferno”.
O comentário gerou desconforto entre os moradores, que acharam a postura do vizinho inadequada e fora de contexto. Para Amanda, esse tipo de comportamento é antidemocrático, tendo em vista que é necessário respeitar as opiniões diversas.
“Eu acho que grupo de moradores não é lugar que cabe esse tipo de coisa porque cria uma desarmonia. A finalidade é resguardar a região e ter um espaço de colaboração e apoio. Acho que política não justifica falta de cordialidade entre vizinhos”, completa a moradora do Lago Sul.